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5 de Janeiro, 2006 fburnay

Faça você mesmo

Se é um crente ressabiado, recombine estas frases (já pré-formatadas para seu conforto) num pseudo-argumento e coloque-as aleatoriamente nas caixas de comentário do Diário Ateísta:

1) Se vocês são ateus, não se deviam preocupar com religião – eu não me preocupo com vocês;
2) Não podem julgar a Igreja pelas suas acções no passado porque havia um contexto – isso inclui o ano passado;
3) Não podem julgar a Igreja pelas acções individuais dos seus membros – isso inclui o Papa;
4) Tenho nojo deste blog e nunca mais cá volto – até amanhã;
5) Eu até sou agnóstico mas este blog falta ao respeito à Santíssima Virgem Maria;
6) Não tenho nada contra os ateus, até tenho amigos que são, mas não podem é escrever em público porque isso me ofende.

24 de Dezembro, 2005 fburnay

Galileu e a Igreja (II)

O cardeal Bellarmine (1542 -1621), S. Roberto Belarmino para os católicos, tornou-se um homem poderoso ao recusar a sua elegibilidade para papa, dando assim a oportunidade a Camillo Borghese de se tornar Paulo V em 1605, exercendo depois a sua influência nos bastidores. Bellarmine conhecia pessoalmente Galileu e apesar de não serem propriamente amigos mantinham uma relação amigável. Bellarmine iniciou os seus estudos teológicos em Pádua, em 1567. Os professores de Bellarmine eram tomistas e ele viria a tornar-se o primeiro jesuíta a ensinar na universidade de Pádua.


Roberto Bellarmine foi canonizado em 1930, mas em 1889 já havia sido erigido em Itália um monumento em memória de Giordano Bruno, que Bellarmine levou à fogueira.

Dedicou-se ao ensino da Summa Theologica de Tomás de Aquino, opondo-se ao jansenismo, que defendia maior fidelidade à linha original de Agostinho de Hipona. Tornou-se famoso pelas controvérsias geradas em torno do protestantismo, ao qual se opunham também os jansenistas (de facto todas estas oposições religiosas, mesmo entre protestantes, espalhavam a confusão na Europa e deram muitas dores de cabeça também a Johannes Kepler, um homem de uma religiosidade sui generis, apesar de profunda, que ora benificiava da benevolência de príncipes tolerantes ora lhe via recusada a eucaristia por pensar de forma diferente).Bellarmine ocupou-se, na década de 1590, da perseguição de Giordano Bruno. Depois de ter estado fugido de Itália Bruno voltou à procura de um lugar vago na universidade de Pádua. Bruno acabou por ser detido pela Inquisição, ficando preso muitos anos. Finalmente o inquisidor Bellarmine apresenta-lhe uma escolha: ou renega todas as suas crenças ou arde na fogueira. Bruno, que havia procurado uma renegação parcial sem sucesso recusou-se à abjuração e foi queimado vivo em 1600 por arianismo (docetismo noutras versões) e prática de magia. Um ano antes Clemente VIII tinha elevado Bellarmine a cardeal. Mas não é senão 10 anos depois da morte de Giordano Bruno que os problemas começam para Galileu.


«Reconheço o estilo da Cúria Romana», terá dito Sarpi quando um médico lhe descreveu as feridas deixadas pelos seus falhados assassinos.

Frei Paolo Sarpi (1552 – 1623) era um amigo pessoal de Galileu. As suas visões teológicas pouco ortodoxas e também muito mais provavelmente os seus conhecimentos de matemática obtidos em Mântua certamente contribuiram para essa amizade. Os problemas de Sarpi começaram aquando de uma nomeação do estado de Veneza para uma cobiçada diocese que terminou com a acusação de que ele não acreditava na imortalidade da alma, questionando assim Aristóteles. De facto Sarpi correspondia-se com diversas pessoas, muitas das quais hereges aos olhos da Igreja. O facto de Sarpi trabalhar ao serviço do estado de Veneza só piorava as coisas já que há muito que Roma pretendia impôr ordem nestas paragens. Se bem que Roma não dispunha de um exército suficientemente poderoso, o empenho de Paulo V em restaurar a autoridade da Igreja fazia-se notar cada vez mais ao longo do seu pontificado e Veneza era uma pedra no sapato. Como resposta à exigência de submissão incondicional dos venezianos, Sarpi defendeu os interesses da república o que fez com que fosse eleito conselheiro teológico. Os atritos entre Roma e Veneza acabam com a excomunhão do Doge e de todos os venezianos. Em resposta ao ataque (que foi generalizadamente ignorado pelos venezianos) Sarpi publica um livro em que se revela estar contra o direito divino de reis e papas, livro esse que foi instantaneamente adicionado ao Index. Veneza expulsou todos os jesuítas. A crise foi subindo de tensão até que arrefeceu depois de algum tempo – Sarpi foi então convidado a visitar Roma para discutir o assunto com Bellarmine. Sabendo o que o esperava, Sarpi recusou e o senado veneziano proibiu-o mesmo de deixar a república. Em Roma, os livros de Sarpi arderam. E em Veneza, o seu salário duplicou. Até que numa noite um grupo de assassinos o esfaqueou deixando-o moribundo na rua. Sarpi, surpreendentemente, sobreviveu a 15 facadas e os perpetradores malogrados fugiram, não surpreendemente, para Roma. É Sarpi quem, em 1609, intercede por Galileu numa audiência com o Doge de Veneza, adiando as negociações com um estrangeiro que trazia uma estranha invenção – o telescópio. Galileu ganhou assim prioridade de apresentar o seu próprio telescópio, construído entretanto. Daí a poucos anos a Igreja não estaria mais indiferente às ideias de Galileu.

13 de Dezembro, 2005 fburnay

Momento Zen de Segunda-Feira (III)

Como se não chegasse já a trapalhada, JCN prossegue dizendo que «não foi apenas a Física a revelar-se assustadora». E se eu não sabia que a Física era assustadora, fiquei também a saber que o Livro Vermelho de Mao é um produto do conhecimento científico! O despropósito faria corar o leitor que desconhecesse a tradição semanal de JCN. É que o Partido Comunista Chinês fez «uma avaliação lúcida da situação international e interna com base na ciência do marxismo-leninismo», como se lê num dos capítulos do livro de Mao.

Aqui JCN dá um valente tiro no pé – primeiro o marxismo-leninismo não é uma ciência; segundo, se era esta a “Ciência” a que se referia Schumpeter, então toda a anterior análise não só confirma a tal apropriação de linguagem de que falei como mostra que o contexto é completamente alheio ao de JCN. Mas o livre-debitador ou não repara nisso ou não quer reparar. O marxismo-leninismo e a teoria de superioridade racial nazi arrasaram ainda mais do que a bomba atómica, diz-nos JCN, certamente convencido que essas duas “teorias” são produtos da Ciência.

Não se tendo cansado de se contradizer, JCN continua, pondo desta vez em cena a mui famosa e pós-modernista «perda de objectividade da própria Ciência». Sim, porque a Ciência foi eleita a crença, uma forma de fé. E se o foi, de facto, por quem não a compreende não o foi certamente por culpa da própria Ciência. Depois da “pulverização” do conhecimento anterior chega o “relativismo” do debate científico – onde todos discutem sem que ninguém chegue a conclusão nenhuma. Isso é próprio dos meios pseudo-intelectuais ou movidos por interesses políticos, onde os sofismas valem mais que os factos. Mais uma vez, a apropriação indevida do calão tecno-científico por todos os que se querem fazer ouvir mancha a honra da Ciência, que nada tem a ver com isso! Quem paga é a reputação de cientistas sérios, que produzem Ciência a sério, longe das charlatanices de meia tigela dos que se pretendem sérios e rigorosos…

E JCN atira para o campo das discussões infrutíferas uma data de questões que o atormentam certamente: a natureza da homossexualidade, a origem da vida, etc., misturadas com questões de ordem sociológica como a frivolidade das dietas ou a estabilidade matrimonial, dizendo que está-se ainda mais confuso hoje do que no passado… Há 100 anos não se conheciam sequer as hormonas sexuais! O clítoris era alvo de fabulações psicológicas! A homossexualidade era desordem psicológica grave! Obviamente que na completa ignorância não há confusão absolutamente nenhuma – pois se não há conhecimento! Talvez para JCN haja coisas nas quais não se deva mexer – se para a Igreja todas essas questões estão resolvidas há séculos, de que maior prova de estabilidade precisamos?

Para finalizar JCN acusa a demagogia e o discurso pós-modernista. Dois métodos que usou sem descanso ao longo de todo o texto, diga-se! E JCN tem uma tal aversão à Ciência que nos remata com uma expressão da qual nunca me esquecerei:

«Em Oitocentos via-se o laboratório como em Setecentos se tinha visto o oratório. Novecentos descobriu-se num velório.»

Que posso eu concluir? Que para JCN a Ciência é a própria Morte! Nada traz senão destruição e confusão para os povos: bombas, ditaduras, caos! Substitui-se a Religião e veja-se no que deu! O Apocalipse! O relativismo dos valores! Nada a registar nos últimos 100 anos de Ciência senão um cinzento e triste velório condolente!

Aqueles que tentam denegrir a Ciência nunca o fazem sem defender a ignorância. Isto à custa da reputação daqueles que todos os dias trabalham para fazer do nosso mundo um sítio melhor e que acarretam uma injusta fatia da culpa do mau uso do conhecimento que nos dão. Esquecendo por completo todas as vidas que se salvaram graças à Ciência, desde a vacina para a raiva de Pasteur ao transplante de corações, passando pela cura da lepra, pela aspirina, pelos progressos feitos na agricultura, pelas tecnologias que melhoram as condições de trabalho de milhões de pessoas pelo mundo fora e, sobretudo, pela mais valia que é o espírito crítico – imprescindível para a Ciência e para a Humanidade.

João César das Neves devia ter vergonha. Tem medo da Ciência, aversão aos seus progressos e uma grande fé certamente. Mas o que devia ter era vergonha.

13 de Dezembro, 2005 fburnay

Momento Zen de Segunda-Feira (II)

No seguimento das suas elaborações filosóficas JCN cita Schumpeter para descrever o estado da “Ciência”, retirando um excerto de um livro desse autor intitulado “Capitalism, Socialism and Democracy”:

«A junção das ânsias extra-racionais que o retrocesso da religião tinha deixado errantes como cão sem dono, com as tendências racionalistas e materialistas da época, então inelutáveis, que não toleravam nenhum credo que não tivesse conotações científicas ou pseudocientíficas»

Que a Ciência se tenha tornado um estandarte da seriedade e da objectividade para alguns e que preenchesse lacunas ideológicas de outros, é uma coisa. Que a Ciência tenha alguma coisa a ver com isso, é outra! Se o rigor científico entrava na ordem do dia isso acontecia precisamente porque a Ciência era conhecida por ser rigorosa. O mesmo se passa com o advento do “magnetismo” espiritista que mais não é que uma tentativa de tornar científica a crença em entidades sobrenaturais numa altura em que se começava a explicar os fenómenos electromagnéticos. É normal que haja quem se aproprie de termos científicos para tornar os seu discurso mais credível…

E os dividendos tecnológicos da Ciência em geral são tratados por JCN de uma forma absolutamente tétrica! Para além de se referir a bombas atómicas num dos mais famosos lugares-comuns dos males para os quais a Ciência foi utilizada, JCN enumera toda uma lista de tragédias que supostamente nos foram dadas pela Ciência. É ainda difícil para algumas pessoas separar a Ciência e o conhecimento científico dos fins que lhes damos.
Assim JCN fala no napalm e no aquecimento global… O napalm é um cocktail explosivo, uma receita caseira para matar gente, inventada por militares, que nada tem a ver com progresso científico. O aquecimento global é, quando muito, um efeito da indústria e que, mais uma vez, nada tem a ver com conhecimento científico senão com o uso que lhe damos… E assim vai JCN denegrindo o progresso científico, empurrando-o para uma galeria dos horrores da História da Humanidade – no fundo, um terrível pecado do Homem, qual incauto Prometeu brincando com o fogo. Mencionando convenientemente os embriões congelados e a clonagem, esses espectros que teimam em assombrar as opiniões semanais deste autor.

13 de Dezembro, 2005 fburnay

Momento Zen de Segunda-Feira (I)

Para João César das Neves não há almoços grátis. Mas fantasias gratuitas, sem ponta por onde se lhe pegar nem qualquer consideração pelos leitores, há e com fartura.

O opinador do Diário de Notícias presenteou-nos desta vez com um artigo sobre Ciência… Ou melhor, sobre aquilo que acha que a Ciência é, num misto de contradições, absurdidades e tiros nos pés.

Este ano correu alegremente o Ano Internacional da Física. Centenas de pessoas e de cientistas, divulgando a Física, dedicaram-se a relembrar e a dar a conhecer o annus mirabilis de Einstein, 1905, em que este publicou três importantes artigos que iriam mudar a História da Física e da Ciência.

Começando logo por aqui, JCN fala-nos de quatro artigos. São três os principais, sendo cinco no total. JCN chama à publicação de Einstein um «facto espantoso, que revoluciona a forma como vemos a matéria». A matéria? Revoluciona a nossa visão do Universo, certamente, e da matéria em particular. Depois fala de «teorias da relatividade» (ênfase no plural) quando somente a Relatividade Restrita faz parte desse conjunto – a Teoria da Relatividade Geral só estaria completa posteriormente.

Isto mostra a completa ignorância de JCN sobre os artigos de Einstein e suas implicações. Não me passa pela cabeça exigir de JCN um conhecimento detalhado da Física subjacente mas pedia-lhe, no mínimo, algum cuidado na substanciação daquilo que diz. Uma rápida pesquisa na Internet seria suficiente para dissolver estas gralhas… Sugestão: procurar ‘world+year+physics’ no Google. Não é aterradoramente simples? Viva a era da informação…!

O aplicado elucubrador segue descrevendo o estado civilizacional da Humanidade, anterior a Einstein, fascinada com a Ciência e que tão prontamente se desiludiu com a chegada da nova Física e seus derivados tecnológicos. Quanto à pulverização das «certezas evidentes», JCN deve estar a referir-se à vitória das Mecânicas Relativista e Quântica sobre a Mecânica Clássica. A questão que se põe aqui é que a Mecânica Clássica era tida pelos cientistas da altura como poderosa o suficiente para descrever matematicamente o Universo. É certo que se enganaram – mas os corolários clássicos ainda são utilizados correntemente em diversas aplicações da engenharia. A forma como JCN descreve o processo de falsificação do conhecimento é típica de quem não compreende a Ciência, acabando na situação caricata de apontar defeitos onde eles não existem.

De seguida JCN diz-nos que «a era nascida em 1905 veria muitos cientistas, incluindo Einstein, ansiosos por desaprender resultados desse progresso». O que quer JCN dizer com “desaprender”? Se a leitura que pretende fazer é a de que os resultados de alguns proveitos técnicos gerados pelo conhecimento científico, como a bomba nuclear, criaram algum remorso em cientistas como Einstein, então JCN está enganado. Einstein nada teve a ver com a bomba. E por muitas questões que esse tipo de problemas traga à sociedade isso nada tem a ver com desaprender seja o que for. Por muito que todos os cientistas envolvidos no projecto Manhattan se tenham arrependido, o que eles criaram foi conhecimento – a bomba foi criada por militares e posta em uso por políticos.

6 de Dezembro, 2005 fburnay

Reacções alérgicas

Eu sou a favor da remoção dos crucifixos das salas de aula públicas. São símbolos particulares, representativos de crenças pessoais e não devem ser mantidos em locais cuja neutralidade ideológica o Estado se prestou a garantir.

Mas de resto vejo uma enorme reacção alérgica na sociedade por causa disso. Os defensores da remoção dos símbolos são acusados de

1) Laicismo fanático;
2) Passar ao lado do problema real da Educação;
3) Quererem impôr a sua mundividência aos outros;
4) Negarem a tradição aos portugueses;
5) Perderem tempo com um assunto irrelevante.

Quanto ao “laicismo fanático”, tenho apenas a dizer que o meto no mesmo saco que a “fé céptica” e o “dogmatismo científico”. Simplesmente não faz sentido caracterizar conceitos incompatíveis com as ideias das quais deriva a adjectivação… É, no mínimo, orwelliano. O laicismo serve para permitir a convivência no espaço público providenciado pelo Estado sem sobreposições ideológicas nem fanatismos.

O argumento de que os portugueses têm mais com o que se preocupar do que com os crucifixos não vale nada – de facto, existem uma série de problemas aos quais se pode atribuir uma ordem prática de importância. Mas essa ordem é relativa e seja como for nada impede que se resolvam os problemas de forma simultânea. Senão teríamos de esperar pela resolução do problema da fome mundial antes que pudéssemos abordar a questão da Ota. O mesmo se aplica à educação. De facto a iniciativa de remover os ditos crucifixos não é uma reforma educativa nem pretende minimizar o estado da Educação em Portugal.

Os defensores da remoção dos crucifixos não pretendem impôr ideologia nenhuma a ninguém. Aqui há uma confusão recorrente entre ateísmo e laicismo, como se não houvesse crentes do lado dos defensores do laicismo nas escolas públicas. Se há imposição de alguma coisa é da iconografia de uma crença particular à comunidade que pode não se rever nessa crença. De facto é a Igreja que quer impôr a sua leitura – os crucifixos simbolizam a Paz e o Amor para os católicos logo devem simbolizar o mesmo para toda a gente… Se é verdade que há pais que não podem pagar uma educação religiosamente orientada aos filhos também é verdade que há pais que não podem pagar para garantir uma educação livre de religião aos filhos.

O argumento da tradição é velho e falacioso demais. De facto a “tradição” dos crucifixos começou com o Estado Novo e se nas políticas totalitárias do salazarismo há alguma herança cultural que se aproveite digamos que não é propriamente subscrita por ninguém que eu conheça. De resto a questão dos crucifixos é vista como um ataque à Igreja Católica (leia-se Igreja Católica Apostólica Romana) como se os crucifixos ou aquilo que simbolizam fossem propriedade desta religião. Que eu saiba, os crucifixos são símbolos assumidamente cristãos mas a sua utilização não é exclusiva de uma só confissão mas de várias. Portanto mesmo que se tratasse de um ataque, nunca seria um ataque unilateral.

Para cúmulo, ainda têm o descaramento de vir dizer que os crucifixos são irrelevantes e que não fazem mal a ninguém. Se o assunto é assim tão irrelevante, acho no mínimo insólita a forma como praticamente todos os comentadores e opinion makers da nossa praça se pronunciaram sobre o assunto – especialmente os que se opõem ao cumprimento da Constituição. Alguns chegando a afirmar coisas absurdas como o “agnosticismo do Estado”, no caso de Francisco Sarsfield Cabral. Claramente alguém se sente muito incomodado com a remoção dos “inofensivos” crucifixos.

14 de Novembro, 2005 fburnay

Galileu e a Igreja (I)

Quando Galileu abjura das suas heresias não é a primeira vez que se apresenta à Inquisição. Na verdade, até à morte do papa Paulo V, Galileu tinha uma relativa segurança em relação à Igreja.

Parte dos problemas de Galileu começam com Giordano Bruno. Se bem que este teve muitas oportunidades de abjurar o seu hermetismo (foi isso que o levou a aceitar o heliocentrismo – porque se ajustava à sua visão religiosa, de inspiração greco-egípcia, do mundo) não deixa de ser possível que se não fosse ele seria outro o culpado pela inclusão, em 1616, do herético De Revolutionibus Orbium Coelestium de Copérnico no Index Librorum Prohibitorum da Igreja Católica (do qual só foi retirado em 1835). Bruno é de facto, um mártir do livre-pensamento mas não um mártir da Ciência. Apesar desse hipoteticamente evitável dano feito à Ciência, é tendo presente o exemplo da execução de Giordano Bruno que Galileu toma cuidado com o modelo de Copérnico.


A ideia «louca e absurda e formalmente herética» de Nicolau Copérnico, «na melhor das hipóteses, errónea de verdade».

Galileu começa os seus estudos em casa mas mais tarde é enviado para um mosteiro, em Vallombrosa. Mas depois de contrair uma infecção ocular o pai levou-o para Florença para o tratar e, apesar de Galileu ter ficado registado como padre não consagrado, nunca mais lá voltou.

Desde a sua entrada na universidade de Pisa para estudar Medicina, que Galileu questiona o “conhecimento” aristotélico que lá é ensinado. Dadas as ligações que a sua família tem à corte, nomeadamente a da Toscânia que passava o Inverno em Pisa, o aluno entra em contacto com o matemático da corte toscana, cujas aulas frequenta. É então que Galileu abandona a Medicina para abraçar a Matemática, disciplina que lecciona na universidade a partir de 1589. Nestas aulas de matemática, o que se ensinava era uma forma primitiva de Física, na altura designada por Filosofia Natural (até mesmo ao tempo de Newton – basta ver o título da sua grande obra). E como não poderia deixar de ser, Galileu é obrigado a ensinar a visão aristotélica… No entanto, como o seu lugar na universidade é mal pago (60 coroas contra as 2000 pagas a um professor de Medicina), Galileu alberga e dá aulas privadas a alguns dos seus estudantes mais ricos, para conseguir sobreviver. Nessas aulas ele ensinava as suas ideias sobre o funcionamento do mundo. Mas Galileu estava ciente do perigo que era tomar esse partido e, juntamente com a falta de interesse que tinha em leccionar em Pisa e os seus problemas económicos, isso levou-o a procurou um lugar em Pádua – na altura uma cidade controlada por Veneza, um estado suficientemente forte para fazer frente a Roma.

Galileu consegue, graças à sua grande habilidade diplomática e aos conhecimentos anteriormente obtidos na corte toscana, a permissão do grão-duque da Toscânia para ocupar a cátedra de matemáticas da Universidade de Pádua. É aí que conhece dois membros do clero que irão influenciar o seu futuro – frei Paolo Sarpi, que viria a tornar-se seu grande amigo, e o cardeal Roberto Bellarmine, um dos homens mais poderosos do Vaticano e o principal responsável pela perseguição de Giordano Bruno por heresia.

7 de Novembro, 2005 fburnay

Momento Zen de Segunda-Feira

João César das Neves presenteou-nos novamente com um número literário.
Escreve João César das Neves no DN de hoje:

«[…] eu sei que é difícil, mas suponha por momentos que Cristo não está vivo. Suponha por um instante que Jesus não ressuscitou, que não é o filho de Deus […]»

Não sei porquê mas não me parece lá muito difícil. Porque difícil, mesmo difícil, é acreditar que:

1) Jesus é filho de Deus e Deus ao mesmo tempo;
2) Jesus morreu e ressuscitou três dias depois, tendo subido para o céu onde sobreviveu em carne e osso mais de dois mil anos;
3) Jesus ressuscitou mortos, curou leprosos, cegos, paralíticos, multiplicou pães e peixes e transformou água em vinho;
4) A mãe dele deu à luz sem ter tido relações sexuais, morreu há dois mil anos e não obstante apareceu umas tantas vezes empoleirada em azinheiras ali para os lados da Cova da Iria;
5) A hóstia e o vinho transubstanciam-se no corpo e sangue de Jesus;
6) A Bíblia faz sentido;
7) A ICAR é uma instituição benemérita;
8) O cidadão Joseph Ratzinger é infalível e representa o criador do Universo.

Mas que grande sapo…

27 de Outubro, 2005 fburnay

Religião e Sociedade

Desenganem-se os que afirmam que a religião é necessária para a coesão social. O artigo citado na Times, publicado na Religion and Society, um jornal académico dos EUA, é mais uma prova de que a decadência da sociedade não anda de mãos dadas com o secularismo nem a ausência de crenças. Chega mesmo a afirmar que a crença religiosa causa danos à sociedade, contribuindo para mais elevadas «taxas de homicídio, aborto, promiscuidade sexual e suicídio». Muitos cristãos liberais acreditam que estes males que afligem a sociedade são minorados com a crença no divino. Mas de acordo com o autor do estudo, existe uma correlação positiva entre a taxa de crença num deus e elevadas taxas de homicídio, mortalidade juvenil e adulta, infecção com DST’s, gravidez na adolescência e aborto.

Deus é um mal desnecessário…