4 de Julho, 2007 fburnay
A religião e os memes
Neste vídeo, Daniel Dennett explica, à luz da memética, como algumas ideias criam tanta resistência por parte de quem não as compreende.
Neste vídeo, Daniel Dennett explica, à luz da memética, como algumas ideias criam tanta resistência por parte de quem não as compreende.
Descobri no Youtube o vídeo da Ted talk, que já havia referido, em que o pastor Tom Honey coloca a questão sobre como Deus permitiu o tsunami. Aqui fica para quem quiser ver.
À excelente pergunta «Como pode um Deus omnipotente e cheio de amor permitir o sofrimento humano?», o pastor Tom Honey responde com uma cuidadosa reflexão. Procurando várias respostas, ele parece esquecer-se de uma delas. O ateísmo. Nem seria necessário um ateísmo a 100% – bastaria recusar apenas esse Deus que, paradoxalmente, alguns afirmam ser omnipotente ao mesmo tempo que tem um grande amor pela raça humana. Eu duvido que esse deus exista.
Existe um problema em Física que não foi resolvido. Como é sabido, a intensidade da força gravítica F sentida por dois corpos é proporcional às suas massas, m1 e m2 e inversamente proporcional ao quadrado da distância r entre elas.
Quando mais afastadas estão as massas, mais fraca é a força. É a força da gravidade que mantém a coesão da galáxia e por isso a distância entre as estrelas dita a força que mantém a galáxia unida.
Quando David roda a sua funda para atingir Golias, está a exercer uma força na pedra. Quanto maior for a força com que o faz, mais rapidamente a pedra vai rodar e maior velocidade atinge. O mesmo se passa com a Terra e o Sol e com as estrelas na orla das galáxias – é a força da gravidade que mantém a Terra a rodar à volta do Sol e que mantém as estrelas a girar em torno da galáxia.
Mas, como disse, há um problema. É que as estrelas na orla da galáxia estão a rodar mais depressa do que deviam, a julgar pela força gravítica a que estão sujeitas. Conhecendo a luminosidade das estrelas, os astrónomos conhecem a sua massa. Medindo a sua paralaxe, conhecem a sua distância. Conhecendo as distâncias e as massas conhece-se a força gravítica e por estranho que pareça, esta parece ser insuficiente para pôr as estrelas a rodar à velocidade a que estão.
Propôs-se então que talvez exista uma forma de matéria entre as estrelas que fornece a força extra – matéria que, ao contrário das estrelas, não emite radiação tendo sido assim apelidada de matéria escura. Apesar de não ser possivel observá-la directamente pode-se detectar a sua presença porque o seu campo gravítico distorce o espaço-tempo e isso altera a trajectória da luz das estrelas no fundo estelar.
No entanto, há outra possibilidade que alguns físicos tentaram explorar – talvez não seja a massa que está em falta, mas sim a 2ª lei de Newton.
Esta lei diz que uma força aplicada a um corpo vai resultar numa aceleração proporcional à massa desse corpo:
Assim, um corpo parado está sujeito a uma força total nula, um corpo com 1 kg sujeito a uma aceleração de 1 m/s2 estará sujeito a uma força de 1 N, um corpo de 1 kg sujeito a uma aceleração de 2 m/s2 a uma força de 2 N, etc. Portanto, uma função linear.
Esta lei é uma das mais importantes em Física. Já foi posta em causa pela Mecânica Quântica à escala atómica e pela Relatividade nas velocidades próximas da luz e para campos gravíticos muito grandes. Portanto, questionar esta lei foi sinónimo de uma grande revolução na Física. Mas à nossa escala mantém-se perfeitamente válida – sendo que a sua perfeição é a sua adequação à realidade.
Então para quê questioná-la? Para quê questionar aquilo que é tão perfeito? Porque nos apetece. Só se os dados nos derem razão é que temos razões para dar valor à nossa teimosia. E foi isso que alguns cientistas pensaram.
A proposta é que talvez a lei de Newton não seja linear para acelerações muito pequenas. Ou seja, um corpo de massa 0,001 kg sujeito a uma aceleração de 0,000001 m/s2 não resultaria numa força de 0,000000001 N mas numa força superior. Como a aceleração gravítica diminui com a distância isso significaria que as distâncias maiores estariam sujeitas a uma distorção na força que seria suficiente para manter as estrelas a rodar à velocidade observada.
Essa hipótese já foi testada. Mas a 2ª lei de Newton não foi violada… Além desta hipótese não ter dados a suportá-la, a hipótese da matéria escura já tem indícios muito fortes a seu favor. A 2ª lei de Newton resistiu assim a uma tentativa de falsificação.
Publicado também no Banqueiro Anarquista
Esta é uma péssima história de moral, senão pelo menos duvidosamente ambígua. Porquê? Porque ninguém merece ser abandonado à morte por causa das suas más qualidades. A vingança não é uma resposta justa às atitudes incorrectas dos outros e matar aqueles que nos magoaram é desproporcionado, violento e injusto.
É verdade que esta história pretende ensinar que não devemos julgar os outros pela sua riqueza. Será que ensina que a vingança pela morte é uma resposta justa para os gananciosos? Bem, também não deixa de ser verdade que não ensina o oposto. É por isso que não é uma boa lição. Não há histórias perfeitas mas um pai atento deveria questionar o filho sobre a atitude da carochinha para ensinar o que não está lá.
À criança que pergunta como é possível que escaravelhos se casem com roedores, falem uns com os outros e se alimentem de feijoada, responde-se naturalmente que a história é a fingir, não é real e pretende apenas ser um exemplo. Os animais podiam ser outros, podiam ser pessoas ou até mesmo objectos personificados. Isso é irrelevante e o que conta é que interpretemos as acções de indivíduos que têm o mesmo grau de entendimento e que o nosso, sejam eles quem ou o que forem.
Imagine-se agora defender a moral da história como um todo, com base no argumento de que não se pode esquecer o contexto – no fundo, são animais os seus intervenientes. Imagine-se que se argumenta que negar a moralidade desse punimento execrável é negar também o resto da moral da história, é negar a moral como um todo. Imagine-se que se argumenta que é por causa da história da carochinha que hoje em dia nós temos os valores que temos e que o oposto é falso.
Imagine-se que se pretende preservar a veracidade literal da história, dizendo que os animais, no fundo, comunicam entre si de formas ainda desconhecidas pelo homem, que há até animais que roubam objectos brilhantes e outros que mantêm laços para a vida, que as relações interespécies já foram observadas na natureza e que se sabe que os ratos comem facilmente alimentos confeccionados pelos seres humanos.
Imagine-se que se afirma que não é todo e qualquer um que pode avaliar a qualidade moral dos ensinamentos desta história sem primeiro conhecer muito bem Hans Christian Andersen, os irmãos Grimm, a história do folclore e as línguas em que são escritas as histórias populares. Imagine-se que se temem os contos populares estrangeiros com medo de perder a identidade e a moral. Imagine-se que o facto de outros contos populares partilharem preceitos comuns e chegarem a conclusões semelhantes é usado como prova de que o nosso conto deve ser levado a sério. Imagine-se que se diz que substituir a carochinha por outro animal qualquer é adulterar de forma perigosa e irracional a mensagem da história.
Fazer qualquer uma destas coisas seria desnecessário, ridículo e indefensável. Mas é o que acontece se criticarmos a história da carochinha que dá pelo nome de Bíblia.
Muitos portugueses torcem o nariz a tudo o que cheire a laicidade. Acham provavelmente que o laicismo veio para lhes tirar a sua religião e para lhes dizer que não há nada de sagrado na sociedade, para acabar com as procissões e com os seminários.
O Laicismo não serve para nada dessas coisas. Serve para manter a religião afastada dos poderes do Estado para que todos os cidadãos possam viver cada um a sua religiosidade em igualdade de direitos independemente do tipo de culto que praticam.
Mas não só. A Laicidade serve também para proteger as religiões de interferências do Estado. Não cabe ao Estado dizer o que é ou deixa de ser religião, qual delas merece maior atenção nem usar a religiosidade dos cidadãos como factor discriminatório.
A todos os católicos que se esquecem desse outro lado do Laicismo peço-lhes que olhem para a China, onde é o Estado que ordena os bispos católicos independentemente do que os crentes possam pensar disso. Eu até acho possível e legítimo que, em gesto de anátema, alguns crentes decidam por sua mão ordenar um bispo à revelia do Vaticano. Isso já tem acontecido e deu origem a cismas e divisões de cultos. A questão é que não pode ser o Estado a fazê-lo. Na China não há liberdade religiosa porque o Estado não actua de forma laica. Espero que tristes exemplos como este sirvam ao menos para lembrar que a Laicidade é algo de bom para os crentes.
Disse FSC que o papa havia dito esta semana que «o Cristianismo não implica um conflito inevitável entre a fé sobrenatural e o progresso científico».
A mitologia grega não implica um conflito inevitável entre a fé sobrenatural e o progresso científico. Hoje em dia ninguém se preocupa em tentar saber se os cavalos alados podem surgir da mistura entre água marinha e o sangue de mulheres com serpentes em vez de cabelo.
Os mitos tupi-guarani não implicam um conflito inevitável entre a fé sobrenatural e o progresso científico. Ninguém espera que um dia a comunidade científica se retracte e diga «afinal estávamos enganados. O Universo foi mesmo criado por Tupã, o deus-trovão, começando numa pequena região do Paraguai».
Nenhuma mitologia, de facto, cria qualquer tipo de conflito. Mitologias são histórias inventadas. O que cria o conflito é o crédito que se dá a algumas mitologias ou parte delas. É a fé que cria esse conflito.
Existem pessoas dedicadas a estudar o mundo natural. Essas pessoas recorrem à Ciência para conhecer melhor o mundo. A Ciência é a melhor ferramenta de que dispomos para estudar o Universo. Pelo outro lado, não há ninguém no mundo a quem possamos referir-nos como um “especialista no sobrenatural”. Nem o Dalai Lama nem o papa são melhores especialistas no sobrenatural do que Hesíodo ou Tolkien. A diferença entre um mitólogo e um crente é que o crente acha mesmo que a sua crença é real.
Portanto o real não tem qualquer tipo de conflito com o imaginário. O conflito surge quando alguém argumenta que uma fracção do seu imaginário faz parte do mundo real. Isso faz toda a diferença. É que então entramos na área da Ciência.
Os cientistas são assim acusados de recusar Deus nas suas teorias e de fundamentalismo por se fecharem a essa hipótese. Mas o que dizer do oposto? Que dizer dos que querem ver Deus nas teorias científicas e que se recusam a vê-lo sair? Não estarão esses os culpados do conflito? Porque alguns deles dizem que o conceito cristão de criação não está no plano científico. Porque se recusam então a aceitar que Deus não faça parte do plano científico?
No caso da origem e evolução do Universo, as exigências dos católicos não são inocentes. Dizer que Deus está por detrás da criação do Universo pode ser uma tese inocente do ponto de vista de um panteísta – é de facto algo irrelevante cientificamente. Por outro lado, afirmar que esse Deus é inteligente e que criou o mundo com um objectivo é algo completamente diferente.
É como querer dar uma colher de óleo de fígado de bacalhau a uma criança e para isso tentar diluí-la em água – não mistura. Se tentarmos emulsioná-la, continua a saber mal. Há então que diluí-la várias vezes até o sabor a óleo de fígado de bacalhau se perder quase por completo. E depois afirmar que conseguimos dar uma valente colherada ao miúdo.
Assim querem os teólogos forçar o divino na Ciência. Dizem que Ciência e Fé não estão em conflito. Secularizam o divino até se perder o sabor a Génesis na tentativa de ver um dia os cientistas admitirem uma coisa chamada Deus. E para depois alardoarem que afinal, o Universo é uma criação divina – não hindu, nem tupi-guarani, mas cristã.
Se as pessoas se sentem ofendidas com uma marcha é graças a instituições como a ICAR que ajudam a propagar noções erradas e injustas sobre a sexualidade do ser humano. O Vaticano esquece-se que muitos dos que participarão nessa marcha são também judeus, muçulmanos e cristãos. E ignora todos os crentes que se entristecem pelo mundo fora com os preconceitos da Igreja. Não se sentiram eles também ofendidos pelo Vaticano?
A justificação apresentada espantar-me-ia se não fosse apresentada por quem é. O que está em causa é o direito à não-discriminação e à liberdade de expressão. Isso ofende os crentes porquê? É ofensivo fazer uma marcha? É ofensivo ter-se orgulho? Não. O que ofende os crentes é o facto de os outros serem homossexuais. Os crentes sentem-se ofendidos, veja-se, porque os outros não são como eles acham que deviam ser. Os crentes sentem-se ofendidos com a orientação sexual dos outros. Para os crentes, são pecadores os que querem marchar em Jerusalém e isso ofende-os. Isto é que são as «justas limitações» do Vaticano. A susceptibilidade arbitrária das pessoas, o seu humor volátil, o preconceito, o carácter sagrado de uma cidade que alguns julgam que lhes pertence simplesmente porque têm uma determinada fé de entre três. A liberdade ofende? Se a expressão ofende o Vaticano, o Vaticano não gosta dessa liberdade. É justamente a mesma justificação apresentada pelos fanáticos islâmicos em relação às caricaturas de Maomé.
Não esquecer que Bento XVI também “ofendeu” muçulmanos extremistas por causa de uma citação histórica. No exercício da sua liberdade de expressão, tão inviolável como a de qualquer outra pessoa, o papa viu-se a mãos com o mau humor de alguns muçulmanos que se mostraram muito ofendidos com a licenciosidade do bispo de Roma. Não haverá um único espelho em todo o Vaticano?
O avanço da Ciência foi removendo Deus dos modelos explicativos do mundo natural, transformando-o num deus das lacunas, que apenas consegue sobreviver em nichos onde o conhecimento humano ainda não chegou, nichos esses que tanto alento trazem aos que vêm nessa ignorância uma esperança de Deus. De facto, uma das últimas, mais frágeis e importantes lacunas das quais Deus foi removido foi a da origem da vida e do ser humano, com o surgimento das ideias de Darwin – tema esse ao qual várias fés pretendem devolver o estatuto de lacuna. A Ciência dá hoje e cada vez mais uma explicação sólida da realidade, aperfeiçoável, sem recorrer a subterfúgios teístas para salvar a nossa divindade e a dos nossos deuses.
Com a propagação de uma cultura de sociedade democrática e laica e uma outra cultura científica e tecnológica, a Igreja ficou relegada para o plano social, sem que lhe seja dada a mesma importância de outrora nesses campos da sociedade. A principal consequência que o abraçar do racionalismo, nas suas várias formas, teve para a Igreja foi o seu afastamento dos seus campos de actividade tradicionais. Como mote de reconciliação, parece-me que tem sido o esforço de Bento XVI reabilitar a Fé com a Razão. Como? Ressuscitando as velhas dúvidas lacunares, recuperando a antiga noção de Razão (vide “Fides et Ratio”) e apelando ao bom senso como cimento destas ideias. Isto traduz-se em advertências à comunidade científica, condenação dos valores laicistas e uma suposta posição previlegiada na luta contra o terrorismo.
As classificações de absurdidade e erro são uma constante. Se bem que mais tarde retractadas em muitos casos ou rectificadas noutros, porquê a obstinação aos frutos do raciocínio? Porquê esta aversão ao exercício livre da Razão? Durante séculos a ICAR condenou o Individualismo a vários níveis e em particular enquanto possibilidade de exercer o nosso próprio julgamento. E estava errada nas posições que tomou. O modelo de Copérnico afinal, tinha razão de ser. Aristóteles estava enganado na sua descrição do mundo natural. A liberdade de consciência foi considerada, por Paulo VI, como estando «para além da razão de Estado e da razão da Igreja». Porque é que a Igreja não deu ouvidos a quem o havia dito tantos anos antes? A primeira ideia que me vem à cabeça é a dogmática – a sempre intrigante memética do divino.
Se a Igreja se enganou tantas vezes nos julgamentos que fez em relação a temas fundamentais da Ciência ou da vida em sociedade, sendo que nesses julgamentos se baseou na sua estrutura teológica, que dizer da qualidade desses fundamentos? No fundo, porque é que Aristóteles se enganou? Porque recorreu unicamente à sua capacidade de raciocínio para explicar a natureza da realidade. É variada a forma como filósofos se enganaram sistematicamente em relação a descrições do mundo natural. Isto aconteceu porque a especulação filosófica é insuficiente para descrever a realidade sem que se saiba se os princípios de onde partimos têm ou não parecenças com os objectos reais do mundo. Essa herança aristotélica prevalece ainda na ICAR. Essa forma de “racionalismo” não tem, no entanto, grande paralelismo com aquilo a que hoje em dia designamos por Racionalismo – o exercício da razão longe de preconceitos não só como forma de auto determinação (a componente individualista) como o uso desta no aperfeiçoamento do conhecimento empírico que temos do mundo (na Ciência). A versão religiosa é outra e diz respeito à capacidade de articular argumentos teístas num discurso metafísico. Diz respeito, no fundo, um pouco à noção daquilo que a Razão deveria ser para os escolásticos e um pouco aquilo que deveria ser para os tomistas. No fundo, refere-se a uma noção de fé consciente e pensada. Trata de usar as capacidades racionais para fortalecer a fé. A Razão cujos valores eu defendo não tem nada a ver com isto.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.