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David Ferreira

19 de Maio, 2013 David Ferreira

O Inverno do nosso descontentamento

O Inverno recusa a hibernação e vai ressuscitando sem convite, como se chamado a assear as bermas das estradas onde se amontoaram resquícios de sofrimento e faturas de promessas por pagar que um extenso carreiro de luzicus intermitentes transportou lastimosamente para reduzir a cinzas nas chamas de um mar de velas devotas, chorosas e ignaras.

Em Fátima, o 13 de Maio é sempre 1 de Abril, um dia de mentiras a alardear-se fora de tempo. Como este Inverno que teima.

 

Casos da semana:

I

Dom José Policarpo presidiu à bênção das pastas que decorreu no Terreiro do Paço. O cardeal patriarca fez questão de dizer aos jovens que estes são tempos difíceis e recomendou-lhes o recurso à fé e à criatividade em tempos difíceis e ensombrados pela perspetiva do desemprego.

Há que dar um desconto à senilidade provocada por demasiados anos de penitência autoinfligida e de abstinência racional. A fé encontra-se nos antípodas da criatividade e muitas vezes lhe subtrai o potencial.

 

II

O líder da República de um país laico, eleito por uma minoria mas eleito em todo o caso, sublinhou, num acesso incontinente de beato em fim de prazo, a importância do fim da sétima avaliação da ‘troika’, falando de uma “inspiração” da Nossa Senhora de Fátima, após chamada de atenção da sua Primeira-Dama, não eleita pela mesma minoria mas impingida à maioria.

Dizem que por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher. O contrário também se pode inferir.

 

III

A reforma da Educação aprovada pelo Governo espanhol do Partido Popular prevê que a nota na disciplina de Religião no ensino secundário volte a contar para a média.

As seitas católicas que conjuram no subsolo do obscurantismo, financiadas pelo dinheiro provindo do crime organizado que o IOR se encarrega de lavar, reforçam as suas penitentes atividades e exultam com o regresso ambicionado da Santa Inquisição.

1 de Maio, 2013 David Ferreira

Somos apenas

Somos. E questionamo-nos o porquê de sermos e o que somos apenas porque somos.

Houve um tempo em que não eramos o que somos e como tal não questionávamos. Mas já havia. O Universo já era muito antes de nós sermos o que somos, muito antes de o sabermos. Como tal, também já eramos. Porque somos parte dele. Somos uma parte do Universo. Só não o sabíamos porque não eramos como somos.

Quando não sabíamos que eramos também o Universo, uma ínfima parte da sua vastidão, inventámos explicações para o que eramos porque nos tornámos acidentalmente como somos e não o compreendemos. E fomos evoluindo. Porque, tendo reconhecido que eramos, sonhámos e inventámos. E porque para inventar tivemos necessidade de questionar. De questionar o Universo e de nos questionarmos. Só não sabíamos que eramos o Universo. Por isso imaginámos outros Universos, extrínsecos ao Universo e a nós, para explicar o que eramos, incapazes de saber o que eramos quando não eramos o que somos e como somos.

Surgimos apenas, por acaso. E julgámos que para surgir tínhamos de ser criados. Porque a ilusão de tudo o que observamos surge de algo. Só não sabíamos que eramos uma parte do Universo a questionar-se sobre si próprio e que não fomos criados, porque já eramos sem o conhecer, apenas não como somos. E agora que o sabemos, porque continuamos a não aceitar o que somos?

Somos insignificantes perante a grandeza do Universo que somos também. A única subtileza do acaso que nos torna especiais é a capacidade que temos para o reconhecer. Nós, o Universo que somos.

28 de Abril, 2013 David Ferreira

A verdade católica do Papa Francisco

O Papa Francisco referiu ontem que a fé dos católicos não era alienação, mas a verdade, em contestação a alguns filósofos que afirmam o contrário, e convidou os crentes “a viver com os olhos postos na Pátria definitiva”.

Eu não duvido que a fé de um católico praticante seja verdadeira e sentida. Se não o fosse, todas as fundações da instituição ruiriam como uma má construção perante a ocorrência de um sismo devastador. Mas não duvido, de igual modo, que a fé dos crentes de outras e distintas religiões também o seja.

Tenho contudo muitas dúvidas quanto ao facto de não ser alienação. Porque, vejamos, não sendo a fé católica uma alienação da realidade, mas a verdade última e absoluta, que epítetos ou adjectivos atribuirá então o líder da Igreja Católica à fé sentida pelos crentes que professam outras religiões? Uma má interpretação dos sinais divinos? Uma false flag urdida pelo Senhor das Trevas com o intuito de baralhar os carecentes humanos?

Se o Deus cristão é o mesmo do Islão e do Judaísmo, um Deus que tem tanto de metamórfico como de metafórico, tal não acontece em todas as outras religiões teístas ou não teístas que abundam no mundo. O que nos deixa perante um dilema existencial. Porque, para podermos afirmar inequivocamente que aquilo em que acreditamos é verdadeiro, estamos a assumir inconscientemente que a verdade em que os outros acreditam não a é na sua totalidade. E uma vez que os líderes das outras religiões reclamam as mesmas certezas absolutas relativamente às suas doutrinas, sendo elas tão díspares, e na impossibilidade de estas estarem todas certas, todas se tornam, em relação às outras, alienadas.  Poderemos concluir que a única verdade existente numa determinada crença não é aquilo em que ela se consubstancia, mas apenas a certeza, ou a fé, com que os crentes que a confessam a sentem, ou são levados a sentir, não podendo descurar-se nesta apreciação a subjetividade inerente às caraterísticas particulares do que se entende por sentir, seja a nível pessoal ou coletivo.

Não, eu não duvido da fé de um católico. Apenas duvido da alienação de quem afirma que basta crer para que exista. Sobretudo quando tudo aquilo que se quer haver não faz sentido absolutamente algum a não ser para quem quer à força acreditar no que julga sentir, abstraindo-se, para tal, da legitimidade do sentir alheio.

A verdade da Igreja Católica, assim como os seus pilares de proselitismo tão eficazmente cimentados, não ruirá devido a uma catástrofe repentina, seja ela de origem humana ou natural. Esboroar-se-á aos poucos com o desenrolar do tempo, tal como as pirâmides do antigo e grandioso Egipto, até não ser mais do que um deserto informe de conceitos, desejos e interpretações que o vento se encarregará de reformular com indiferença.

Nada é eterno na sua forma. E ao tempo nenhuma verdade sobrevive.

21 de Abril, 2013 David Ferreira

Hierarquia Católica

Conceito que permitiu aos mais inteligentes dos ignorantes dominar sagazmente
os mais ignorantes dos ignorantes para que não se sentissem tão iguais, não
somente porque a noção de igualdade nunca careceria, não determinaria e muito menos
justificaria termos de comparação entre semelhantes, mas sobretudo porque a não
existência de uma hierarquia consubstancial, controladora, manipuladora, vital
e vitalícia nunca lhes permitiria uma identidade tão pretensiosa e entufada que
os distinguisse dos demais.

13 de Abril, 2013 David Ferreira

Parabéns Christopher Hitchens

Hoje, 13 de Abril de 2013, faria anos, se ainda fosse vivo, um dos maiores e mais importantes intelectuais das últimas décadas, Christopher Hitchens.

Ateu orgulhoso e antiteísta sempre que as circunstâncias o exigiram, foi um temível orador que enfrentou e humilhou intelectualmente todos os prosélitos de crenças, mitos e superstições, inteligentemente alheio a ameaças, à desonestidade intelectiva e ao mais puro ódio, que só o fanatismo de quem adora um Deus criador de tudo mas impotente para resolver as questões mundanas da espécie humana pode atear.

Descobri-o um pouco tarde. As vicissitudes da vida levam-nos a empenhar os recursos disponíveis em várias frentes de combate. Mas, do muito que aprendi com ele em tão curto tempo, só tenho a agradecer.

No imaginário dos crentes existe uma vida para além da morte, onde nos reuniremos com os nossos antepassados. Quer a balança do julgamento final ceda para um ou outro lado, encontraremos sempre alguém. Como ateu, sei que serei apenas uma insignificante mas importante parte do rejuvenescimento da natureza. E sou feliz assim. E sei também que, de certa forma, todos somos imortais. Enquanto vivermos na memória de todos os que nos amam, seremos sempre vivos. Nada mais existe, nada mais importa e nada é mais belo.

Parabéns, Christopher. Porque continuas vivo.

10 de Abril, 2013 David Ferreira

Natalidade

Reunidos em Fátima, os bispos portugueses apelaram a incentivos fiscais para a promoção da natalidade.

Não deixa de ser irónico que um grupo de eunucos mentais, homens que voluntariamente se abstêm de contribuir para a natalidade do seu próprio povo, obedecendo de uma forma obtusa a uma imposição verdadeiramente asinina da sua torpe hierarquia, venha a público manifestar a necessidade de implementação de medidas para a resolução de uma questão da qual há muito se lamentam todos os jovens casais cujas contingências económicas os impedem tantas vezes de se sustentar dignamente, quanto mais de aumentar a sua prole.

Sendo que não se preveem melhorias na situação económica nacional nos próximos e longos tempos, e tendo em conta as manobras de bastidores com que algumas organizações cristãs se têm imiscuído sorrateiramente nos assuntos de Estado, opinando a favor da sua visão social, obscurecida pela necessidade caprichosa de prestação de cuidados paliativos ao sofrimento alheio como forma de manutenção e de certificação da sua existência, só posso descortinar no horizonte mais um aumento de impostos para todo o tipo de contracetivos como única medida sustentável que possa contribuir para o aumento da taxa de natalidade.

9 de Abril, 2013 David Ferreira

Como lavar o cérebro a criancinhas inocentes

CATECISMO DA ICAR

ICAR:

Pergunta: Quem criou o mundo?

Resposta: O Pai, o Filho e o Espírito Santo são o princípio único e indivisível do mundo, ainda que a obra da criação do mundo seja particularmente atribuída ao Pai.

 

Livre pensador: Se a trindade é indivisível, porque é que a criação do mundo é atribuída particularmente ao Pai?

 

ICAR:

Pergunta: Para que foi criado o mundo?

Resposta: O mundo foi criado para a glória de Deus, que quis manifestar e comunicar a sua bondade, verdade e beleza. O fim último da criação é que Deus, em Cristo, possa ser «tudo em todos» (1 Cor 15,28), para a sua glória e para a nossa felicidade.

«A Glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus» (Santo Ireneu).

 

Livre pensador: Porque é que Deus precisava de glória ou sequer de se manifestar? E porque é que tinha necessidade de comunicar? Excesso de solidão? E porque é que criou um filho? Porque não uma filha? E quem é a progenitora, ou o progenitor? E qual a função e a missão do espírito? E porquê? E se Deus é um, porque é que é interpretado como trindade, sendo três em um simultaneamente?

“Só sobrevivemos se respirarmos. Respiramos para poder sobreviver” (Santo Inocêncio).

 

ICAR:

Pergunta: Como é que Deus criou o universo?

Resposta: Deus criou o universo livremente, com sabedoria e amor. O mundo não é o produto duma necessidade, dum destino cego ou do acaso. Deus criou «do nada» (ex nihilo: 2Mac 7,28) um mundo ordenado e bom, que Ele transcende infinitamente. Deus conserva no ser a sua criação e sustenta-a, dando-lhe a capacidade de agir, e conduzindo-a à sua realização, por meio do seu Filho e do Espírito Santo.

 

Livre pensador: Como poderia um Deus criador criar uma coisa de outro modo que não fosse livremente? E se Deus criou o mundo do “nada”, significa isso que Deus e o “nada” existiam ao mesmo tempo? E se do nada se pode criar, porque é que os teólogos boicotam cegamente a proposta científica de que o Universo poderia ter surgido do “nada”, por um acaso não causado, mas apenas consistente com leis físicas que ainda não conseguimos descortinar?

31 de Março, 2013 David Ferreira

Que futuro?

O que há de racional no ato de automutilação? O que há de racional nas práticas rituais de sacrifício humano a deuses incognoscíveis? O que há de racional na concetualização de uma entidade superior a quem se atribuem características supremas de bondade, filantropia e graça, sem racionalizar que uma tal entidade não necessitaria em absoluto de sacrifício algum por parte da insignificante obra criada, a não ser que fosse dotado, de igual modo, de características supremas de egocentrismo, sadismo, narcisismo, entre tantas outras alheadas do frescor da verdade, da racionalidade e da sanidade mental?

Vivemos um período da história que se revela importantíssimo na determinação do modo como a humanidade se pode preparar inexoravelmente para enfrentar os desafios de uma nova era que se avizinha e cujos pilares deveriam ser erigidos, como sempre deveriam ter sido em todas as épocas, com base nas sólidas fundações dos erros reconhecidos e aprendidos do passado e na firmeza de um planeamento pragmático para o futuro. No entanto, a irracionalidade parece insurgir-se a cada dia que passa.

A crise económica, surgida de um sistema bancário internacional manipulado pela cegueira do lucro fácil, célere e a qualquer custo, abate-se por todo o mundo civilizado, ensombrando os dias de incerteza e as noites na esperança de que ela não seja uma certeza duradoura. A Este, um louco deificado declara guerra à democracia, exibindo um arsenal militar desmesurado e exulta como uma criança imberbe perante a vitória num qualquer jogo de estratégia de tabuleiro. No Bangladesh, durante o período da Páscoa cristã, dezenas de milhares de muçulmanos aglomeram-se em simultânea genuflexão na capital do país, como coelhos acometidos de mixomatose, não para pôr ovos, mas para rezar pela morte de um corajoso blogger ateu que alegadamente insultou o Islão, exigindo de volta as ancestrais e irracionais leis punitivas do ato de blasfémia. Ainda no mundo islâmico, crianças são atingidas a tiro de caçadeira na cabeça, por elementos da própria família, pelo crime de quererem estudar; outras são chicoteadas até à morte pelo crime de terem sido violadas. No Brasil, a emocionalmente descontrolada seita evangélica tenta insurgir-se a todo o custo contra as leis seculares de um estado laico, patrocinada pela exorcização de demónios e financiada pelo dízimo de um povo com um potencial enorme de desenvolvimento, mas que ainda soçobra perante o infortúnio da incultura, da superstição e do obscurantismo, que nem o excesso de Sol mingua. A Norte, os criacionistas empenham-se dia e noite, investindo largas somas de dinheiro com o intuito de elucidarem a humanidade acerca da inquestionável veracidade das metáforas do Velho Testamento e para a inclusão da sua surreal histórico-pseudociência no ensino escolar nacional. No mundo católico, os fiéis não se poupam nos elogios a um Papa elegido democraticamente pela intervenção do Espírito Santo e que a comunicação social se encarrega de elevar a Superstar; um Santo a ser caldeado numa forja que apenas produz Santos, calcinando nesse ato a memória do seu pensamento misógino e homofóbico, que se manterá imune a verrina, ao mesmo tempo que exorta o rebanho a combater pela persistência da oração os ardis que um tal de Diabo tece, como se o seu Deus omnipotente fosse incapaz de refrear as obras de tal subalterna, chifruda e vilipendiada figura de estilo. Nas Filipinas, jovens mutilam-se simulando a morte de um mito que pretendem eternizar de uma forma pornográfica e que a hierarquia da Igreja não tem o decoro de desaprovar em público de forma veemente e a comunicação social de não exibir, ao mesmo tempo que organizam debates sobre o nocente excesso de exibição de imagens violentas na formação cívica e moral das crianças.

Para quem é crente inveterado, todos os atos tresloucados se tornam congruentes quando neles se introduz o fator fé.

Que futuro queremos construir? Que futuro poderemos almejar para as novas gerações neste mundo que se ressente e se esboroa incessantemente com funestas dualidades cognitivas e contradições evolutivas?

O avançado saber científico que possuímos progride diariamente, permitindo-nos não só uma existência mais digna e menos sofredora, embora muitas vezes devastadora do natural equilíbrio do ecossistema, mas também o conhecimento da nossa condição de humanos e do lugar que ocupamos na natureza. Ao mesmo tempo, a falta do conhecimento mais básico irroga-se como realidade para milhões e milhões de seres humanos que, não tendo a capacidade para descortinar os mais elementares porquês das coisas, se deixam enredar sem constrangimento e de braços abertos nas teias debilitantes de quem julga ter todas as respostas sem necessidade de colocar todas as perguntas, perpetuando instituições que, pese embora a boa vontade propalada, não passam de organizações socioculturais primárias e impeditivas do hígido progresso da nossa espécie.

Estamos, de momento, num impasse. Resta-nos escolher. Essa escolha resume-se à luta entre o esclarecimento, com base no conhecimento, da mente mortal, das suas contingências e do seu aperfeiçoamento, contra a opressão irracional da perpetuação ilusória da posse de uma alma que só na concretização tão ardentemente ambicionada da imortalidade pode adquirir contornos perenes de perfeição.

20 de Março, 2013 David Ferreira

Apenas um sonho

Tive um sonho.

Sonhei que um defunto mental em avançado estado de jactância se dirigia a um enclave social da cidade de Roma, em voo Low Cost ( low para ele, cost para mim), com o intuito de negociar, com uma multinacional de seres imaginários, um empréstimo vitalício de esperança  para os pobres habitantes de um país que ele próprio contribuiu para empobrecer.

Ao seu lado, a estadear-se, uma nevoenta e redundante figura velada de negro, que me pareceu ser um morcego desasado, não pela forma, mas pela viseira rendada que a coroava e que lhe obstruía a visão, apenas lhe permitindo a orientação por intermédio de umas pavlovianas ondas sonoras  linguajadas em frequências impercetíveis ao comum dos racionais.

Acordei em sobressalto. Teria morrido? Encontrar-me-ia no Inferno?

De supetão, lembrei-me que era ateu e que até o pobre Diabo tinha sido despejado do seu domicílio privado com aquecimento central por falta de comparência às reuniões de condomínio. Tinha sido apenas um pesadelo.

Não volto a dormir a sesta depois de enfardar um lauto e sempre indigesto cozido à portuguesa…

13 de Março, 2013 David Ferreira

Dualidade extrínseca

O povo que se queixa das mentiras com que o poder da era presente o engana, é o mesmo povo que se regozija com as falsidades que o poder de um passado sombrio eterniza.