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David Ferreira

23 de Junho, 2013 David Ferreira

Hóstia dominical – I

A atitude mais perversa que se pode ter para com uma pessoa ignorante é convencê-la da existência indubitável de verdades estanques e invioláveis. O pensamento autocrítico tende a desvanecer-se progressivamente em todos os que julgam conhecer o essencial e o orgulho narcísico que o privilégio dessas verdades despoleta cega-os demasiado para que o possam reconhecer.

15 de Junho, 2013 David Ferreira

Eu vi

Alguma vez alguém se questionou o porquê de as manifestações do sobrenatural apenas acontecerem a quem tem predisposição para crer nelas? É que a explicação dessas manifestações está tão simplesmente nessa constatação.

10 de Junho, 2013 David Ferreira

Até à eternidade

Sempre que leio um artigo de opinião do beato João César das Neves, a noite cai sobre mim. Um manto nevoento de obscurantismo escorre das paredes e desagua a meus pés, formando ao meu redor um pântano lodacento e nauseabundo a exalar um cheiro ominoso a lucidez estropiada. Nesse breve e eterno momento em que me deixo envolver espontaneamente na memória mofenta de fogueiras a carbonizar gritos desesperados e de cães enraivecidos em condicionada convulsão a espumar ignorância das gengivas apodrecidas a escorbuto e devoção, sinto nascer em mim uma força redobrada, uma vontade incontrolável de ser vulcão, de me cuspir com violência sobre os dejectos estupidificantes que os esgotos incontinentes da superstição e do proselitismo religioso evacuam sobre a razão.

João César das Neves é uma aberração mental. Um ser de inusitada e hermafrodita espiritualidade que fede a pergaminho carunchoso e a bolas de naftalina por cada poro de letra que escrevinha, em altaneira posição de submissão, entre um aperto de correia do cilício e uma chibatada no lombo macerado.

Diz o espécime que “desde o Iluminismo um punhado de ideologias tenta defender a tese ingénua de que a realidade se limita ao que vemos e tocamos”. E continua, referindo-se ao falhanço do ateísmo teórico, ao secularismo e ao materialismo que inundou a sociedade como causa dos nossos males, desenhando a sangue cerimonial pérolas da interpretação económica como: “Se o juízo divino não existe, os maus ganham sempre e este mundo não tem salvação. Quem vive só para o sucesso e prosperidade, na recessão perde a razão de viver. Quem apenas conta com a justiça humana assume vingança ou impunidade. Quem não tem a perspectiva da eternidade só pode ver uma crise financeira como o inferno.”

Critica quem se manifesta nas ruas veementemente contra a injustiça da tirania das elites endinheiradas, não percebendo que um grito de revolta não tem cotação na bolsa de valores, é uma catarse libertadora de quem não se permite à castração existencial, seja ela de origem ideológica, material ou metafísica. Confunde materialismo filosófico com a avidez de possuir bens, como se o segundo não fosse, porventura, apenas o resultado de uma patologia sociocultural, não tendo absolutamente nada a ver com o primeiro. Termina o economista com estilo e em apoteose, numa conclusão que não destoaria dos primitivos escritos bíblicos, onde alimenta a dependência e acalma o vício: “Alguns anos de aperto parecem muito pouco a quem se dirige à vida eterna. Sofrer na companhia de uma Providência benevolente, que acompanha amorosamente cada passo da nossa vida, permite afrontar sem medo os perigos mais assustadores. O testemunho dos mártires de todos os tempos é um consolo para quem apenas enfrenta falência ou desemprego. A certeza de que o Deus de amor terá a última palavra em todos os assuntos humanos liberta-nos de dúvidas ou temores. Da sua fé, o crente obtém a liberdade face aos acasos, a segurança nas tribulações e, acima de tudo, o bem mais raro nas crises financeiras, a esperança.”

João César das Neves é um crente inveterado, um cruzado moderno que a comunicação social parcial, abstrusa e politicamente correta patrocina desavergonhadamente. Acredita na vida após a morte. Não explica como será essa vida. Mas, como não é ingénuo como os ateus, tem a certeza que ela existe. A história faz-se de pessoas inteligentes como João César das Neves. Não da realidade, mas da interpretação que essas pessoas fazem dela. Basta ter poder, basta ter dinheiro. É com estas duas realidades que se constroem e cimentam as mentiras que a ilusão de uns determina como status quo para que os outros lhes satisfaçam as vontades e lhes apaziguem o medo, o medo do desconhecido, o pior dos medos, pelo sim pelo não.

Para o beato indefetível, a crise é uma bem-aventurança. O desespero que provoca deixa campo aberto para a espiritualidade, para a servidão e para as oferendas do pouco que sobra a bonecos de madeira e barro, ouro que a caridade pia da hierarquia católica derrete para oferendar ao seu Deus invisível e indiferente majestosas catedrais de adoração, quiçá mais umas quantas pistas de rastejamento a acrescentar ao joelhódromo da Nossa Senhora da Inocência.

A caridade torna-se então mais que uma necessidade, uma inevitabilidade. É desta virtude que se alimentam os parasitas sociais; os que falam em nome da fome sem lhe saber o gosto; os que falam nos valores da família mas cuja cobardia moral os impede de apontar o dedo aos amigos da mesma cor que, nos bastidores das elites, tomam opções políticas e económicas que irão contribuir para desmembrar essas mesmas famílias, as famílias dos outros; os que querem atribuir culpas à sociedade pela pandemia que eles próprios criaram em laboratório.

Para o esbirro de Escrivá, os problemas da humanidade apenas se resolvem sobre os joelhos, de mãos postas a adorar dois paus em cruz. Deus, esse ser que a imaginação pia confirma, não obstante toda a realidade não o demonstrar e muito menos certificar, entretanto, vai assistindo a tudo, impávido e sereno, enquanto querubins, seres imateriais mas luzentes como uma estrela a emitir fotões, se atarefam na construção do tribunal onde um dia o criador irá julgar todas as almas pelos pecados cometidos com que ele próprio os infetou à nascença.

O julgamento de Deus faz tanto sentido como a doutrina cristã. Os que introduzem a doença são os mesmos que incriminam os doentes por não serem sãos.

João César das Neves será, neste teatro surrealista onde rasteja a loucura credibilizada que publicita, uma alma privilegiada que atravessará a passadeira vermelha rumo à eternidade. O ter dado esmola a um pobre e não se ter coibido de ter feito alarde de tão caridoso e honroso ato num artigo de sua autoria, confere-lhe toda a credibilidade, que os Santos atestarão em consonância. Para todos os que vivem com os pés assentes na terra, é apenas um ser inferior a merecer escárnio, porque o seu discurso é um atentado à inteligência de todos os seres humanos, crentes ou não, tenham-na ou não; um economista transtornado, cujo estado avançado de insanidade o impede de ajuizar com clareza os verdadeiros “pecadores” apesar de conviver com eles todos os dias. Um verdadeiro religioso, então, como gosta de se auto-intitular.

Deus, um Deus qualquer, teria vergonha desta gente que o vende para obter lucro, mesmo que seja um lucro imaterial, metafísico. Um lucro narcisista até à eternidade.

27 de Maio, 2013 David Ferreira

Francisco e as mafias

O Papa Francisco criticou as mafias que exploram os homens e os reduzem a uma espécie de escravatura moderna. Gabo-lhe a coragem. Quem conhece os meandros das mais perigosas organizações criminosas sabe que é necessária uma grande dose de coragem para as confrontar. Ficarei atento, contudo, para poder aplaudir de igual modo as medidas que Francisco por certo tomará no sentido de se alhear das contas bancárias dos grupos mafiosos que alimentam o IOR e os seus abutres…

27 de Maio, 2013 David Ferreira

Liderança e coragem

Muitos louvam os discursos banais do recém eleito democraticamente Papa Francisco. Frases feitas, discursos repetidos ad eternum que caiem em saco roto e, invariavelmente, no esquecimento.

Ouça-se aqui um verdadeiro líder a discursar, com coragem, com sabedoria. Um discurso que não cai em saco roto, antes pretende romper alguns sacos hermeticamente selados e que não deve cair no esquecimento:

 

http://www.youtube.com/watch?v=uru9W6YUaA8