Loading

David Ferreira

3 de Agosto, 2013 David Ferreira

APARIÇÃO

nesse mundo alucinado

descrito pela crendice

há um ser afeminado

que surge desesperado

a incentivar a doidice

 

se das cidades se aparta

é no ermo que fulgura

se ao douto não escreve carta

porque o delírio o enfarta

ao ignaro aduz a cura

 

e ei-lo que parte luzindo

esse ser hermafrodita

os olhos de luz ferindo

a quem anda desavindo

com sua própria desdita

 

com sussurros se escrevinha

do engano a inocência

traço a traço linha a linha

se  alicia e se adivinha

uma anuente audiência

 

cega-se o espírito ao pobre

com votos de salvação

nega-se o sossego ao nobre

e todo o logro se encobre

comerciando a absolvição

 

os olhos cegos de Sol

não vêem mais que clarões

são espelhos de um farol

com que se engoda o anzol

que naufraga em emoções

28 de Julho, 2013 David Ferreira

Hóstia dominical – VI

Deus é um produto da nossa mente. A nossa mente é um produto do nosso cérebro. O nosso cérebro é um produto da evolução. Como tal, Deus não pode ter existido antes de nós sermos. E sendo que só o que existe pode gerar, Deus é um produto do Homem e não este um produto de Deus.

21 de Julho, 2013 David Ferreira

Hóstia dominical – V

Portugal não é um país católico, tal como não é um país benfiquista. Não
é a maior percentagem de adeptos de uma determinada organização que define a
identidade do que se conceituou ser o conjunto de todas as realidades
socioculturais existentes num determinado território delimitado por fronteiras.

15 de Julho, 2013 David Ferreira

Quando os cães se calam

Não, hoje prometo não açoitar demasiado a abominável lambisgoia de sacristia que deambula existencialmente entre a base do altar e a pia de água benta, num puro reflexo condicionado. Com o excesso de calor, a consistência das neves vai-se derretendo aos poucos até à desidratação mental.

No seu sermão hebdomadário, o luminar abominável translada o seu paliativo fluxo salivar, que o aroma a hóstia faz efervescer, para a língua afiada dos cães raivosos, esses indigentes rafeiros que o infortúnio permitiu multiplicar no anonimato das tabernas, entre minis sempre poucas, dietéticos pires de tremoços e interjeições catárticas endereçadas aos políticos alternantes e seus respetivos familiares. Segundo o abominoso escriba, estes canídeos excedem largamente em produção de perdigotos o que lhes falta em armazenamento de grãos de sabedoria.

O abominável não convive bem com quem se manifesta desagradado pelas miseráveis condições económicas em que nos encontramos, muito à semelhança de alguns Cardeais da nossa praça. Tanto, que vai ao cúmulo de escrever um artigo onde critica o crítico comum. Não o crítico credenciado, o avençado dos Órgãos de Manipulação Social, mas o crítico comum, o Zé da esquina, a Maria do canto, os que falam muito acerca de tudo sem perceberem um pouco acerca de coisa alguma.

Reconheço que ainda tive uma réstia de esperança de ler um comentário da sua parte, por muito lacônico que fosse, ao Reality Show encenado pelas elites governamentais durante a tomada de posse do novo Cardeal patriarca de Lisboa, onde as palmas e as luzes ofuscaram literalmente a propalada doutrina da igualdade entre os homens e do amor aos pobres. Os vendilhões do templo anteciparam-se à chegada de Sua Eminência Reverendíssima, não montado em burro, mas em topo de gama (há que acompanhar os tempos) e montaram um verdadeiro espetáculo de auto veneração a que não faltou a merecida benzedura. Mas não. Não se morde a mão que nos alimenta.

Diz então o soporífero opinante que “Quanto menos se sabe de um assunto, mais se fala dele; e a veemência cresce com a incerteza e a insegurança”. Diz e eu não sei o que dizer à laia de comentário. E continua, estimulado por anos de dedicação extremosa aos dois poderes que adula: “Quando alguém sofre, para mais injustamente, as suas palavras ganham peso especial. Por isso os maiores disparates passam por sabedoria na boca de vítimas.” Zzzzzz…

Acordei já no fim do ominoso artigo ao som de uns longínquos e acanhados latidos: “Nos momentos difíceis, as pessoas sentem uma irreprimível necessidade de falar, normalmente com mais veemência do que juízo. A vantagem desta compulsiva ânsia de dizer disparates é que cão que ladra não morde.”

Foi nesse momento que tive uma epifania! Ouvi bem ouvido, com estes olhos que bem leram o que li, um grito de angústia a cruzar a tarde soalheira:

– Tirem-me os pregos! Tirem-me os pregos!

14 de Julho, 2013 David Ferreira

Hóstia dominical – IV

Debater religião com um crente devoto e caprichoso é como bater com a cabeça
contra um rochedo. Não se consegue mover subitamente com o mecanismo da lucidez o que a
ausência dela moldou e arraigou durante um longo período de tempo.

9 de Julho, 2013 David Ferreira

Um mundo de mentiras e ilusões

Vivemos num mundo onde reina a mentira e prolifera a mediocridade; um mundo onde a vontade de uns poucos se insinua à de muitos ao vender a ilusão da necessidade de uma realidade sociocultural generalizada e em comunhão com a sua visão.

Neste mundo, o pensamento comunitário conforme a um determinado e ambicionado status quo é negociado como imprescindível ao indivíduo, como forma de alcançar uma existência mais gratificante ou como medida necessária a uma integração social mais plena, reconfortante e imune a depreciação.

Esta persuasão à convergência do pensamento e dos comportamentos no sentido de uma exclusiva realidade sociocultural comum a um determinado grupo, é um incesto existencial que gera mediocridade e tolhe a evolução saudável. Vemo-la por todo o lado, na política, na economia, na religião, na comunicação social, no desporto, nas artes, na moda, no Homem. Isto só é possível globalizando a necessidade da mentira e perpetuando essa ilusão.

Como resultado, neste mundo de mentiras e ilusões, a quantidade substitui a qualidade, unifica e certifica a trivialidade e aduba o preconceito ao inferiorizar as minorias e ridicularizar o diferente.

Este mundo de ilusão só existe porque, para a mentira vingar, alguém tem de crer nela. Este mundo só existe porque está pejado de crentes.

7 de Julho, 2013 David Ferreira

Hóstia dominical – III

Racionalizar a premissa de uma primeira causa não causada argumentando que tudo teve uma causa é uma armadilha grotesca de ginástica intelectual.

Se tudo teve uma causa, não pode haver uma primeira causa e se a capacidade que possuímos para deduzir uma primeira causa não causada pode ser aduzida como justificativa de tal possibilidade, a capacidade que igualmente possuímos para racionalizar uma causa causada ad infinitum destrói impiedosamente qualquer noção de primeira causa.

É perante este simples raciocínio que toda a apologética que tenta viabilizar não só a conceção de Deus como também a sua irredutível inegabilidade, implode no seu próprio paradoxo.

 

30 de Junho, 2013 David Ferreira

Hóstia dominical – II

Quando conseguires convencer um grupo de pessoas a acreditarem nas tuas
próprias convicções, por muito absurdas que elas sejam; quando conseguires
moldar esse grupo de pessoas na forja da veracidade soberana e necessária das
tuas próprias ilusões, escudando-as à curiosidade investigativa do espírito
crítico congénito; quando conseguires que essas pessoas interiorizem
maquinalmente a tua visão da realidade a tal ponto que a encarnem compulsivamente
no cárcere que se vão fazendo aos poucos; quando sequestrares o
pensamento individual dos elementos desse grupo de uma forma tão eficaz que os
leve a entoar e a disseminar em uníssono os teus desejos, o teu querer e a tua
verdade mais apaixonadamente que tu próprio; e, sobretudo, quando conseguires
persuadir essa massa de gente informe de que apenas com os olhos fechados e os
sentidos adormecidos poderão ver melhor e sentir mais- terás então concebido não
só a mais perfeita das mentiras, mas também o mais perfeito sistema de controlo
e manipulação do teu semelhante.

 

26 de Junho, 2013 David Ferreira

Da doutrinação religiosa infantil

A formatação intelectual de crianças na mais que questionável veracidade de determinadas crenças primitivas desconformes ao conhecimento hodierno, para além de desconexas da realidade cognoscível, e que acarretam uma carga emocional desproporcionada à sua capacidade cognitiva extremamente moldável, crenças essas fundamentadas numa fé utópica, vazia de racionalidade e razoabilidade, mesmo que façam parte do imaginário sociocultural vigente, deveria ser considerada como uma forma de abuso infantil.

As crianças não são dotadas de um sentido crítico desenvolvido e tendem a crer em tudo o que os seus formadores lhes ensinam, mimetizando e absorvendo conceitos e práticas independentemente da sua real significação.

As crenças religiosas ministradas na infância são, na maioria dos casos, uma forma encapotada de coação repressiva ao normal funcionamento do Eu; são como teclados de um computador aos quais se subtraíram as teclas “Escape” e “Delete”, condicionando e manipulando o normal funcionamento do todo.

 

26 de Junho, 2013 David Ferreira

Proselitismo católico agressivo

In “Tugaleaks”

“Uma pulseira que tem escrito “EMRC,  eu quero” está a ser distribuída um pouco por todo o país. Os pais criticam a falta de liberdade religiosa e a posição da escola.

O Artigo 41º da Constituição da República Portuguesa é bem claro, no seu ponto 4, quando afirma que “[a]s igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto”. Mas o Estado, ou neste caso o Ministério da Educação, deixou várias escolas, um pouco por todo o país, distribuírem estas pulseiras que dizem “eu quero” a alunos que nunca frequentaram sequer a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica.”

A notícia completa pode ser lida aqui: http://www.tugaleaks.com/pulseira-religiao-moral-emrc.html

 

Comentário:

Proselitismo religioso- porque só produtos de fraca qualidade e origem duvidosa necessitam de publicidade enganosa e agressiva.