12 de Março, 2004 Carlos Esperança
O clitóris e o CDS/PP
Miguel Paiva, piedoso deputado do CDS/PP
Quando, há dias, na sequência de um debate sobre mutilação sexual feminina, ouvi um clemente deputado do CDS a divagar sobre o clitóris pensei que era montagem de algum maçom, quiçá de um ateu, a desacreditar o soldado de Cristo-Rei, uma forma de ridicularizar um devoto da senhora de Fátima.
Só quando a comunicação social escrita começou a reproduzir as suas palavras, roubando ao anonimato o insigne cruzado, confirmei a verdade.
Chama-se Miguel Paiva o bem-aventurado, deputado do CDS por Aveiro.
Transcrevo da Visão (N.º 575) o registo da sua inteligente reflexão: «[A importância do clitóris] é algo subjectiva. Tem uma função essencial no prazer sexual mas, para além disso, a sua mutilação não afecta nenhuma função vital [nomeadamente] a função reprodutiva.»
Que sólido talento! – diria o Eça – bem confessado e melhor comungado, a afastar os cinco sentidos, que agradece a Deus, da tentação de um clitóris. O demo, esse tinhoso, convida-o para essa excrescência feminina que tem como única e insuportável função o prazer! Satanás é capaz de lhe solicitar a visão, atrair o olfacto, orientar o tacto, convocar o paladar ou desafiar a casta audição para insuportáveis gemidos. Mas a sólida formação católica defende-o, graças a um ror de padre-nossos e ave-marias que actuam como poderoso demonífugo.
Não é a primeira vez que a Pátria deve tão relevantes serviços ao CDS/PP. Já há anos o não menos casto e igualmente devoto deputado João Morgado tinha afirmado na AR que «o acto sexual só é legítimo para fazer filhos». E, tal como agora, em vez de lhe louvarem o contributo para a moral e o esforço para a salvação das almas, mereceu da então deputada do PSD, Natália Correia, estes versos que aqui reproduzo:
Já que o coito diz Morgado
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menino ou menina
E cada vez que o varão
Sexual petisco manduca
Temos na procriação
Prova que houve truca-truca
Sendo só pai de um rebento,
Lógica é a conclusão
De que o viril instrumento
Só usou ? parca excepção! Uma vez.
E se a função faz o órgão
– diz o ditado –
Consumada essa excepção
Ficou capado o Morgado.