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Carlos Esperança

22 de Março, 2004 Carlos Esperança

O assassinato do xeque Yassin põe a paz em xeque.



O assassinato do xeque Yassin hoje perpetrado é mais um passo na abominável escalada do terrorismo religioso. Além de crime abjecto é um erro clamoroso que confere o estatuto de mártir a um troglodita que o ambicionava. Atingiu-se um novo patamar na escalada do terrorismo de Estado.

Ao terrorismo não se responde com terrorismo. O acto revela a natureza de Ariel Sharon, idêntica ao do facínora assassinado. Um tetraplégico pouco recomendável, é certo, não pode ser responsabilizado pelas vítimas israelitas que o terrorismo islâmico tem sacrificado. E o Estado não pode comportar-se como o bando de fanáticos que o querem destruir.

É precisa demasiada fé para tamanha crueldade.

22 de Março, 2004 Carlos Esperança

Saudações ateias à aniversariante Lúcia



Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, ou Lúcia, simplesmente, faz hoje 97 anos.

Manifestou muito cedo queda para visões. Depois disso a oração e a penitência foram a sua principal ocupação. 6 entrevistas da Senhora de Fátima, em exclusivo, granjearam-lhe imenso prestígio em Portugal e no estrangeiro. Foi invocada pelo cardeal Cerejeira como fonte de prova para dizer a Salazar que tinha sido enviado pela providência divina e JP2 mandou consultá-la sobre a autenticidade da batina com que foi baleado, batina que ela conhecia das visões, antes de a indústria têxtil ter fabricado o pano.

A longevidade atrasou-lhe a carreira de santidade deixando-se ultrapassar pelo Francisco e Jacinta que se anteciparam a fazer 1 milagre, na área da locomoção, na pessoa da D. Emília que morreu completamente curada por intercessão destes dois que preferiram a oração à escola.

Lúcia vive nas Carmelitas donde obteve saídas precárias para votar e ver o papa. Foi a única pessoa a quem a senhora de Fátima preveniu dos malefícios do comunismo e ensinou o truque para o combater – rezar o terço.

Adversária do divórcio e de mini-saias, a cuja moda nunca aderiu, escreveu a Marcelo Caetano a pedir a sua proibição. Continua solteira e virgem, características que, no futuro, lhe auguram uma fulgurante carreira de santidade.

Foi também a Irmã Lúcia que confirmou ao cardeal Cerejeira a missão divina de Salazar, prontamente transmitida ao enviado de Deus, em 13 de Novembro de 1945. Foi assim que os portugueses souberam que foi Deus, e não o diabo, o autor do castigo.

21 de Março, 2004 Carlos Esperança

A fé é uma doença contagiosa e altamente letal



Há um ano, George W. Bush ao pedir a Deus que abençoasse a América e os seus exércitos, limitou-se a imitar Ussama Ben Laden que, muito mais beato, se antecipara com um pedido semelhante acrescido do desejo suplementar de morte a todos os infiéis.

Na luta contra o terrorismo, cuja urgência e necessidade são óbvias, convém dispensar Deus do trágico jogo das paixões humanas.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Organização das Nações Unidas, é o código de conduta onde o mundo civilizado se revê, independentemente da religião ou da sua ausência.

Ninguém duvida que Ben Laden usa a religião como instrumento do seu próprio poder, razão acrescida para Bush evitar o uso do poder como instrumento da religião que professa, o que é injusto e perigoso.

Em todo o Médio Oriente perpetuam-se, sob pretexto religioso, ditaduras obscuras e cruéis, formas de opressão violentas e retrógradas, teocracias sinistras e tenebrosas. Não pode, pois, aceitar-se que o Presidente de um país livre misture a justiça com a oração, confunda a liberdade com a religião, ou faça depender da fé a democracia..

Para não comprometer Deus basta a Bush defender os valores humanistas da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, legado da Revolução Francesa que a Constituição Americana honradamente acolhe. E que, relativamente a estes princípios, se torne praticante.

É preciso que haja cada vez menos gente a morrer em nome de Deus e cada vez mais a viver ao serviço do homem. Para que a religião deixe de ser vista como ópio do povo e, sobretudo, evite transformar-se em anfetamina do terrorismo.

21 de Março, 2004 Carlos Esperança

O Iraque foi invadido há um ano

Pior desgraça do que a vitória de Bush só a improvável vitória de Saddam. Construir a Europa sobre os escombros de uma guerra que não levou apenas a morte e o ressentimento ao médio oriente, mas feriu gravemente a unidade europeia, é a tarefa que nos cabe com outro governo americano e novas lideranças ibéricas.

É possível que cem Ben Ladens surjam ainda e é urgente que se alterem as condições onde medram os facínoras de Deus. Pior seria que mil Bushes florescessem no pântano do fundamentalismo cristão. Esperar-nos-iam amanhãs que disparam, num mundo de joelhos. É execrável o estilo e obscena a substância desta administração americana, numa postura simétrica com o fundamentalismo islâmico.

Quem espezinhou o direito internacional para o fazer cumprir, quem assassinou um povo para libertar um país, quem desafiou a ONU para fazê-la respeitar, levou demasiado longe a hipocrisia e não está em condições de promover a paz.

Quando se paga com notas verdes, onde se lê “In God we trust”, a traição e o suborno, quando se pede a um país civilizado que faça jejum e oração pelos soldados que invadem outro que é obrigado a fazê-lo, quando um presidente se comporta como pastor evangélico antes de agredir um ditador que escraviza o povo em nome de Alá, quando se exibe a Bíblia para afrontar o Corão, quando se faz do poder uma tribuna religiosa, não existe um presidente, há um beato empenhado numa cruzada.

Foi longa e trágica a quaresma do Ano da Graça de 2003. Continuamos à espera da redenção de uma liturgia laica. E a ressurreição dos ideais da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. E sepultemos de vez esta letal confusão entre poder e religião.

Para partirmos para a construção democrática de uma Europa alargada e solidária, no interesse de europeus e americanos, parceiros iguais e não vassalos.

Não é de uma guerra entre o Eixo do Bem e o do Mal que precisamos. É da vitória do Eixo da Vida sobre o da Morte, da paz sobre a guerra, da tolerância sobre o fanatismo.

A derrota de Aznar, há uma semana, foi a primeira boa notícia. E, contrariamente ao que pretendia fazer crer o apaniguado do Opus Dei, não faltará aos que se opuseram à guerra determinação para combaterem o terrorismo. Com a vantagem de não terem apoiado uma invasão injusta e criminosa.

19 de Março, 2004 Carlos Esperança

Comunicado da Associação República e Laicidade – (18-03-2004)

NA TOMADA DE POSSE DA COMISSÃO DE EXCLUSÃO RELIGIOSA

1. Reagindo à posse −dada pela Ministra da Justiça no dia 17 de março− da Comissão de Liberdade Religiosa, a Associação República e Laicidade reafirma que um Estado laico não deve reconhecer ou discriminar igreja ou comunidade religiosa alguma, devendo limitar-se a garantir a liberdade de consciência individual −que inclui a liberdade de ter e de não ter religião−, a igualdade de todos os cidadãos perante o Estado −independentemente das suas convicções religiosas ou filosóficas− e a liberdade de associação dentro dos limites legais, conforme aliás é garantido pela Constituição da República Portuguesa.

2. Nesse sentido, consideramos que o Estado deve assumir a sua absoluta incompetência em questões de religião, sendo por conseguinte inadmissível que se institua uma Comissão estatal com as funções de emitir pareceres sobre o reconhecimento pelo Estado do carácter religioso de uma associação, sobre os acordos a celebrar entre estas associações e o Estado e com atribuições quase policiais de investigar os “novos movimentos religiosos”!

3. As funções e a composição da Comissão de Liberdade Religiosa −que inclui dois representantes designados directamente pela Igreja Católica e três nomeados ministerialmente por indicação de outras confissões religiosas, e cinco outros escolhidos quer pela sua alegada “competência científica” quer pela sua participação no “diálogo ecuménico” promovido pela Igreja Católica− objectivamente coloca as confissões religiosas minoritárias sob a tutela da Igreja Católica e das confissões que esta decidir reconhecer. Institui-se, desta forma, uma Comissão de Exclusão Religiosa comandada pela Igreja Católica Apostólica Romana (a única Igreja a que a Lei nº16/2001 não se aplica!), que presumivelmente tratará como “seitas” as confissões protestantes pentecostais e outras, algumas das quais estão mais expressivamente implantadas no nosso país do que algumas confissões religiosas representadas na Comissão.

4. A Associação República e Laicidade recomenda que a Lei da Liberdade Religiosa seja revogada, repondo assim a igualdade constitucional entre os cidadãos, entre as suas associações (religiosas ou não) e assegurando a neutralidade do Estado em matéria religiosa.

Luis Manuel Mateus

(Presidente da Direcção)

Ricardo Gaio Alves

(Secretário da Direcção)

17 de Março, 2004 Carlos Esperança

Um ano após a cimeira dos Açores



Um ano após a cimeira dos Açores, Bush e Blair passam a reunir a dois. Perderam o cúmplice espanhol e dispensaram Durão Barroso, encomendando os cafés a uma empresa de catering.

Aznar, após o primeiro ataque das forças aliadas, declarou que “O regime iraquiano consumou o seu desafio à legalidade”. Com toda a razão.

Ficou claro que a ONU era contra a legalidade. Se fosse a favor teria autorizado os EUA a invadir o Iraque. Bush bem se esforçou, como é sabido. O invasor só não respeitou a lei porque não foi alterada. De quem foi a culpa? De Blair, Aznar, Berlusconi e Barroso? Claro que não, foi do mundo que não quis apoiar os libertadores.

Tenho um vizinho acusado de ofensas corporais por ter ido às trombas a um gajo detestável. Não é justo. Sei que é inocente, que só o agrediu, em legítima defesa, porque o outro se pôs a jeito e lhe provocou a paciência.

O advogado que constituiu ao arrepio da jurisprudência de Guantánamo, quer atribuir a culpa ao meu amigo. Eu sou testemunha de que o outro pôs o nariz à frente do seu punho, que desafiou com as mãos nos bolsos, que o trespassou com o olhar.

Mas afinal quem é o agressor, o que desafia parado ou quem se defende em movimento? Quando a agulha pica a costureira ninguém responsabiliza a agulha. Só faltava absolver a parede e acusar o condutor quando um carro se despista.

Há, nas democracias, a lamentável exigência do contraditório como pressuposto da justiça. Se este pensamento deletério fizesse escola acabaríamos por nos pôr ao lado dos índios que enjeitaram a evangelização, absolver os negros que recusavam o degredo e a escravatura, condenar os nazis que concentraram e albergaram judeus, censurar os inquisidores que forneceram lenha gratuita aos hereges.

E, entre um qualquer desconhecido de mau porte e um amigo nosso que embirre com ele, não podemos ficar neutros (parecer do jurista Durão Barroso). Finalmente, entre um deus que sabemos do nosso lado e um deus que suspeitamos estar do outro não podemos vacilar em relação ao verdadeiro.

Há um ano os cidadãos do mercado de Bagdade puseram-se à frente dos mísseis para lhes impedir a cirurgia a que se propunham. Foram eles, iraquianos, os responsáveis pela inutilização dos mísseis. Tal como os jornalistas do Hotel Palestina.

A provar que Deus esteve ao lado dos aliados esteve o facto de terem sido os únicos com direito ao céu. A bordo dos bombardeiros. Para os iraquianos ficou o inferno das bombas inteligentes. Mas deus está visivelmente cansado e já abandonou Aznar. Palpita-me que vai fazer o mesmo aos outros.

P. S. – O carácter obsceno do massacre de Madrid não legitima retroactivamente a invasão do Iraque.

O combate ao terrorismo – necessário e urgente – não pode subverter as regras da democracia.

A vitória do PSOE, em Espanha, é excelente para os que repudiam o carácter provocatório de uma referência religiosa na futura Constituição Europeia.

14 de Março, 2004 Carlos Esperança

Em verdade, em verdade vos digo, Mel Gibson é um excelente católico – cruel, supersticioso e anti-semita.

Acabei de ver a Paixão de Cristo, de Mel Gibson. É uma excelente encenação da fábula de Cristo para promoção da burla de Deus.

Não admira que JP2 tenha dito que foi mesmo assim que as coisas se passaram. Era o que, ainda há meio século, as catequistas ensinavam às crianças – medo e terror ao serviço da superstição e da fé. Ao menos o filme destina-se a maiores de 16 anos.

O realizador sabe da sua arte e conhece a bíblia. O filme reflecte não apenas o sofrimento que terá sido infligido a Cristo mas também a crueldade de que os católicos são capazes para impor a sua verdade. E fá-lo com indisfarçável gozo.

Tal como o árabe é a língua sagrada para difundir os versículos do Corão, indispensáveis ao terrorismo islâmico, também o aramaico e o latim são línguas com que Mel Gibson acerta contas com os judeus e faz a apologia do cristianismo. O filme exulta com a violência e exalta a morte, bem ao gosto da tradição católica. O terrorismo ideológico e a crueldade visual já estavam nos evangelhos. Mel Gibson é um fanático, reaccionário e cruel – futuro santo da ICAR – que se masturba com o sofrimento e traz de regresso o anti-semitismo que, após a segunda grande guerra, tem estado entre parêntesis.

14 de Março, 2004 Carlos Esperança

Santana Lopes foi pedir a bênção ao papa

O presidente da Câmara de Lisboa rastejou 6.ª feira para uma audiência com JP2 a quem afirmou que «enquanto presidente da UCCLA segue os ensinamentos do papa».

Dada a sua megalomania permitiu-se interceder «em nome de todos os que se exprimem em português» e «por aqueles que falam em castelhano», donde se depreende que, sem a preciosa cunha, o homem que tem a santidade como profissão e estado civil, se desinteressaria deles.

Além do abuso de falar em nome de quem não deve, o autarca anunciou-lhe a construção da nova catedral de Lisboa, que ficará situada junto ao Parque das Nações.

Assim, os portugueses ficam a saber que, para lá dos numerosos bordéis de que já dispõe, Lisboa vai ter dois modernos equipamentos – um casino e uma catedral.

Pedro Santana Lopes ofereceu ao maior fabricante de santos da história da ICAR uma imagem de São Vicente e, após a audiência, repetiu o deprimente beija-mão da chegada, em subserviente genuflexão de pio vassalo.

Agora falta explicar aos munícipes a que título ameaça a cidade com uma nova catedral – equipamento que nos países laicos é da responsabilidade dos fregueses.

13 de Março, 2004 Carlos Esperança

Um beato islâmico anuncia novos ataques

Ouvi na televisão e não acreditei. Li e fiquei perplexo. Será possível que o líder religioso, Omar Bakri, na mais obscena desfaçatez, possa referir-se ao hediondo atentado de Madrid (cerca de duzentos mortos e milhar e meio de feridos), como «uma mensagem»? E que, a partir de Londres, insinue um eventual novo atentado, algures em Itália, como quem faz o anúncio prévio de uma manifestação cívica?

Não bastam uns versículos do Corão para autenticar a assinatura da Al-qaeda, como umas estrofes d’Os Lusíadas não seriam suficientes para incriminar portugueses, mas o islão político é, tal como o cristianismo já o foi, uma ameaça à paz e segurança dos povos, a começar pelos árabes.

O terrorismo é a face mais boçal e cruel da devoção religiosa e precisa de ser contido.