3 de Abril, 2004 Carlos Esperança
Liberdade religiosa em risco
Foi hoje publicado na secção «Meu caro DN» do Diário de Notícias um texto que, pela sua importância, aqui se transcreve. Os cortes, devidamente assinalados, não prejudicam o essencial. De qualquer modo aqui fica a reprodução com esses cortes assinalados em itálico:
A tomada de posse da Comissão de Liberdade Religiosa (a 17 de Março) passou quase desapercebida na imprensa. Trata-se porém de um evento de enorme gravidade, pois instaura uma hierarquização das igrejas e comunidades religiosas, e confere a um grupo de confissões religiosas – cooptadas pela Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) – a prerrogativa de se pronunciarem sobre o reconhecimento estatal das outras confissões religiosas. Numa República laica, o Estado deve garantir as liberdades de consciência, expressão e associação necessárias ao exercício da liberdade religiosa, assumindo simultaneamente a sua incompetência em matéria de religião. A Constituição garante essas liberdades e a igualdade entre cidadãos independentemente das suas convicções filosóficas ou religiosas, e torna dispensável inconstitucional qualquer legislação, seja a Concordata ou a chamada Lei de Liberdade Religiosa (Lei n.º16/2001), que crie direitos específicos para uma dada confissão religiosa. Esta, infelizmente, institui uma autêntica comissão de exclusão religiosa formada por representantes nomeados pela ICAR (curiosamente, a única igreja a que a lei não se aplica) ou indicados por outras confissões e nomeados pelo Estado devido à sua «respeitabilidade», adquirida pelo «diálogo ecuménico» promovido pela ICAR (o despacho da ministra da Justiça, que nomeia a comissão é explícito a este respeito). A comissão será competente para emitir pareceres sobre o reconhecimento pelo Estado do carácter «religioso» das associações (apenas as confissões religiosas benquistas pela ICAR serão assim reconhecidas) e sobre os acordos a celebrar entre estas e o Estado, e elaborará um relatório anual sobre os «novos movimentos religiosos» onde se presume que as confissões religiosas que façam concorrência à ICAR serão referenciadas oficialmente como «seitas» perigosas e falhas de «qualidade religiosa»! A Comissão de Exclusão Religiosa lembra o Tribunal do Santo Ofício. Esperemos que desta feita não acendam Fogueiras. Ricardo Alves – Lisboa