17 de Maio, 2004 Carlos Esperança
Portugal está em vias de se tornar um novo protectorado do Vaticano?
Cresci a ouvir acusar a 1.ª República de anti-clericalismo pelo iniquidade das leis cujo repúdio atingia particularmente a do Registo Civil obrigatório e a do Divórcio. Lamentando a intolerância recíproca, vejo como se tornaram consensuais os motivos da indignação e não se abandonou a calúnia.
Foi Salgado Zenha quem impôs ao Vaticano a eliminação da crueldade que obrigou Sá Carneiro e milhares de outros portugueses a uniões de facto numa altura em que eram jurídica e socialmente condenadas. Sem o 25 de Abril ainda hoje vigoraria a impossibilidade do divórcio para casais que celebrassem casamentos católicos. E, para os outros, não faltaram tentativas subtis. A mais desastrada foi a carta de 24/02/1971 da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, vidente de Fátima, a apelar ao Prof. Marcelo Caetano para que a lei do divórcio fosse abolida do Código Civil.
Em Junho de 2002, ao querer impor aos advogados católicos a objecção de consciência em relação ao divórcio, JP2 reincidiu na tentativa de subversão do ordenamento jurídico, numa tentativa de esvaziar de consequências um importante instrumento legal, num país democrático.
JP2, também conhecido pela alcunha de Santo Padre (usa o mesmo adjectivo que era apanágio da Inquisição), tem a Santidade como profissão e esmera-se, entre outras patifarias, a sabotar o ordenamento jurídico dos países laicos, para o que conta com o reacionarismo militante do seu clero.
É por isso que estou apreensivo com a Concordata que amanhã vai ser assinada entre Portugal e o Vaticano. Negociada em segredo, teme-se o pior. Sendo inútil para garantir a liberdade religiosa, que é total, só pode destinar-se a garantir privilégios, o que é uma infâmia. Voltarei a este assunto quando conhecer o texto.
Apostila 1 – Se, como defende o primeiro-ministro português, devemos criar uma diplomacia económica talvez se consiga, como compensação pelo texto concordatário, uma larga exportação de vinhos portugueses das Adegas Cooperativas para celebração das missas, grandes encomendas de alfaias litúrgicas para dinamizar a ourivesaria de Gondomar, alguns barcos de farinha para hóstias, a partir do trigo alentejano e, finalmente, algumas toneladas de oliveiras envelhecidas para fazer relíquias do santo lenho.
Apostila 2 – Se Deus criou a ICAR, é demasiado desleixo seu não ter procedido a um único melhoramento.
Apostila 3 – Se amanhã vir JP2 a rir das orelhas à tiara é um mau prenúncio para Portugal.