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Carlos Esperança

7 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Tentativa de suborno no Euro – 2004

A selecção espanhola foi a Santiago de Compostela implorar a bênção divina para influenciar os resultados desportivos a seu favor. A tentativa de corrupção teve lugar na própria catedral, junto do apóstolo Santiago, por intermédio do Deão. O crime foi detectado por uma operação denominada «Apito Abençoado», mas os dois investigadores principais foram transferidos para outras localidades por ordem do Anjo da Guarda, sensível às preces dos créus:

«Santa Celeste, S. Valentim, S. Gilberto, todos os santos, rogai por nós…»

Já se sabe que as análises não acusam dopping e que, no caso de serem encontradas doses excessivas de superstição, o médico da selecção garantirá que faz parte de um tratamento prescrito para a asma.

Apesar da gravidade das notícias há quem argumente que, embora seja nítida a tentativa de suborno, não afectará os resultados. E dão como prova um pedido recente feito no mesmo local, ao mesmo apóstolo e santo, pelo cardeal de Santiago, a favor dos militares que foram para o Iraque e que teve efeitos contraproducentes.

De qualquer modo, a tentativa de fraude saltou para a comunicação social, com o nome dos cúmplices, como se pode ver no Diário de Notícias: « Tu iluminas e dás forças a quem de ti se acerca. Por isso estamos aqui. Somos a selecção espanhola de futebol, quer dizer, representamos de alguma maneira todos os povos da Espanha unida por uma paixão comum: o futebol», dizia o Deão da Catedral de Compostela, Manuel Calvo, na visita da equipa de Iñaki Saéz ao apóstolo Santiago.

6 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Peregrinos atropelados a caminho de Fátima

«Dois peregrinos morreram e quatro ficaram feridos, dois em estado grave, atropelados por um automóvel às 03:30, perto de Pombal, quando se dirigiam para Fátima» – informa o Portugal Diário.

Os resultados preliminares desta peregrinação apontam para 2 mortos, 4 feridos e 0 ressuscitados. Há muito que o número de mortos bate claramente o dos miraculados. E de ressuscitados não há qualquer registo.

Não se sabe a graça que imploravam ou as promessas que cumpriam. Sabe-se apenas como Deus os atendeu. Tudo o que Deus faz é bem feito – dizem os padres.

Quanto a estes mortos e feridos, o Santuário ainda não reconheceu o milagre.

5 de Junho, 2004 Carlos Esperança

7 Notas piedosas

João de Deus Pinheiro – «Não acredito na Virgem. Perdão!!! Acredito! Não acredito é que ela nos resolva os problemas.» – disse Deus na campanha eleitoral para o parlamento europeu. Depois das eleições deixa definitivamente de acreditar na virgem e, sobretudo, na virgindade de que a acusam. Mas, se Deus não acredita, só restam os beatos.

Inferno – Os padres não se contentam em vender ilusões, empenham-se a espalhar pesadelos e transformar a coragem e generosidade em fanatismo e violência. As pessoas amam a vida mas os padres envenenam com a morte. Ameaçam com o temor do inferno para fazerem subir as acções do purgatório.

João XII – Foi Papa aos 20 anos, por morte do pai. Reconstruiu o sacro-império, coroando Otão I. Seria hoje santo se no ano de 964 não tivesse sido apanhado na cama com uma mulher cujo marido lhe desferiu uma marretada na cabeça. Em vez de se conformar com as santas protuberâncias que Sua Santidade lhe esculpia, esse marido cometeu o sacrílego acto de o matar. E, assim, foi Deus servido de chamar à sua divina presença esse sucessor de Pedro, com apenas 29 anos de idade.

João Paulo II – Tem em vista mais uma deslocação a França. Este homem adora o avião para perscrutar o céu à procura de Deus mas, com tanto insucesso, a dúvida já o assaltou e, por isso, virou-se para o fabrico de santos.

G. W. Bush – Na visita que fez ao Vaticano (04/06) atribuiu ao Papa a Medalha da Liberdade, a mais alta condecoração civil norte-americana, julgando que era um magnate saudita do petróleo e que estava a entregar uma mensagem de Dick Chenney; o papa julgou que estava com o bispo de Leiria e que acabara de receber a medalha da senhora de Fátima. Enquanto Bush e Vojtyla falavam de paz, o mullah Omar e Bin Laden imploravam as bênçãos de Alá para toda a humanidade – duas formas diferentes de procurar a felicidade. G. W. Bush fez-se acompanhar pela mulher. João Paulo II, não.

E.U.A – Um destes dias G.W. Bush declarava na televisão – «Mando-lhe a minha bênção» (referia-se ao Director da C.I.A.). Eu julguei que o presidente dos EUA tinha resignado ao cargo para se tornar pastor evangélico. Afinal foi para presidente sem abandonar a vocação de pastor.

Ministro da Saúde – Pretende impor quotas para formar médicos. Creio que é influência da ICAR. Espero que ao menos não pretenda 100% de homens como exige o Vaticano para os padres.

3 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Transferências do BCP para o Governo

O BCP – banco gerido pelo Dr. Jardim Gonçalves -, é conotado com o OPUS DEI.

Até hoje não foi provado o gosto de Deus por almas, mas está sobejamente demonstrado o gosto das almas do Opus Dei por dinheiro.

O empréstimo de alguns quadros ao actual Governo não nos deve passar despercebido. É nesse sentido que aqui deixo o texto que hoje publiquei no «Diário As Beiras», de Coimbra, que só remotamente tem a ver com o ateísmo, mas que pode ser pedagógico.

Eis o texto:

A contratação do novo director-geral dos Impostos pela módica quantia de 23.480 euros mensais, deixou algumas pessoas perplexas, mas, como disse a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, por inveja. Aliás, a ministra teve o cuidado de esclarecer que é a forma de preencher lugares com gente competente.

Foi pena que o método não estivesse em vigor quando da formação do actual Governo. Os portugueses contam com isso na formação do próximo cuja remodelação se aguarda. Por enquanto é de manter o critério tradicional pois a convicção é de que a remuneração está de acordo com o mérito dos actuais governantes.

Para já, ficou a saber-se que o Dr. Paulo Macedo, que um Banco teve a bondade de emprestar à ministra das Finanças, é três vezes mais competente que ela própria, palpite que a remuneração amplamente confirmou. Por outro lado provou-se que o Dr. Bagão Félix, que o mesmo Banco igualmente teve a generosidade de emprestar ao Governo, está longe de ter competência para director-geral.

Claro que alguns espíritos mesquinhos aproveitam estes momentos para recordar os dois anos sucessivos sem aumentos na função pública, só para demolir uma excelente decisão.

Se não fosse este Governo, qualquer dia o presidente da República ultrapassava sempre o vencimento de um director-geral e um simples ministro ganharia mais do que os seus assessores.

Além do mais, pode estar em perspectiva um enorme serviço à pátria. Com toda a experiência adquirida nas privatizações, para salvar o défice, pode estar em curso uma experiência piloto para privatizar a cobrança dos Impostos. A contratação de um quadro bancário é uma tentativa subtil para arriscar uma experiência pioneira na Europa.

Depois disso já não é o Governo de Durão Barroso que vai a reboque do dos EUA para o atoleiro do Iraque, serão os EUA a exaltarem a experiência portuguesa.

2 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

PIO IX – Este papa, um dos mais tenebrosos, fez há pouco tempo um milagre que o promoveu a beato. Quando perdeu o poder temporal dedicou-se às excomunhões e ao fabrico de dogmas. Quanto às excomunhões escolheu a democracia, o livre-pensamento, a maçonaria, o liberalismo, o comunismo e os pérfidos judeus a quem carinhosamente chamava cães. Quanto aos dogmas, serviu o da imaculada Conceição e o da infalibilidade papal. Se em vez dos 44 hectares de Vaticano o tivessem reduzido a 22 hoje tínhamos o dogma da quadratura do círculo.

João Paulo II – O próximo encontro com Bush podia tornar-se uma bênção para a humanidade. Bastava que juntassem os trapos e ficassem a viver no Vaticano. Bush mandava fazer uma piscina de água benta aquecida.

Dr.ª Ana Manso – A deputada do PSD declarou durante a campanha para as Europeias: « À frente da lista do PS temos um homem sem categoria e não é por lhe faltar alguma coisa em termos físicos». O que faltará a Sousa Franco, em termos físicos, que eu não noto e de que a deputada sente tanta falta?

Preservativo – O papa tem toda a legitimidade em opor-se a semelhante adereço pois há fundadas suspeitas de que tem sido exemplar a dar o exemplo.

Espanha – O Governo não cede à chantagem dos bispos contra a reforma das leis sobre reprodução assistida, aborto, uniões de facto e casamentos homossexuais. Mas o porta-voz da conferência episcopal já ameaçou que a ICAR apoiará mobilizações contra os projectos legislativos.

Da parte do Governo não há planos de retaliação. As missas podem continuar chatas, as hóstias a ser servidas uma vez por dia aos interessados, os clérigos a praticar travesti litúrgico na via pública, as freiras a viver em cárcere privado e as procissões a integrar mascarados. O Governo recusa-se a apoiar manifestações contra o terço e a novena.

Portugal – Os bispos continuam a ser contra o divórcio, legitimidade que lhes assiste pois nem um só usou da faculdade legal que o Estado lhes confere.

1 de Junho, 2004 Carlos Esperança

Indulgências perdidas – 3.º conto piedoso

Jerónimo Felizardo estava a aliviar do luto a que a perda da amantíssima esposa o obrigara. Não se pode dizer que lhe fora muito dedicado em vida, nem excessivamente fiel. Mas habituara-se a ela como um rafeiro ao dono que o acolhe.

Sentia-lhe agora a falta. Deolinda de Jesus dera-lhe tudo. Mesmo tudo. Até o que é obrigação e nela nunca foi devoção e, muito menos, entusiasmo. Deu-lhe independência económica, boa mesa, respeito e uma filha. Deixou-lhe uma pensão de professora, metade do ordenado do 10.º escalão, que acrescentava a outros proventos e o punham ao abrigo de sobressaltos.

Com a filha não podia contar. Fora para Lisboa frequentar a Católica a cujo curso e influência deve hoje o desafogo em que vive e o lugar importante no Ministério. Metera-se no Opus Dei e enjeitou a família. Mesmo a mãe, a quem fora muito chegada, só lhe merecera duas breves visitas nos três anos de doença prolongada com que Deus quis redimi-la do pecado original.

Era natural que substituísse as visitas por preces, que não exigiam deslocações nem hora certa, que haviam de prolongar a vida e o sofrimento, assim Deus a ouvisse. E ouvi-la-ia de certeza porque, além de omnipotente e omnisciente, vinham duma devota fiel à instituição que o Papa amava quase tanto como à bem-aventurada Virgem Maria.

A poucos meses de fazer meio século Jerónimo empanturrava-se de comida que Carolina, afilhada do crisma de D. Deolinda, se esmerava a cozinhar com um desvelo que a filha nunca revelara. Bem sabia que a gula era um pecado capital mas que a prática e o exemplo eclesiástico largamente tinham despenalizado. Nem mesmo o Prefeito para a Sagrada Congregação da Fé, tão cioso guardião da moral e dos bons costumes, o valorizava demasiado. A gula não é propriamente a luxúria que é das maiores ofensas a Deus, pecado dos maiores e, de todos, o que mais contribui para a perdição da alma.

Em tudo o mais era Jerónimo um viuvo modelo. Dera-se à tristeza e à oração. Arrependia-se das vezes em que não cumpriu o dever da desobriga, da frequência escassa à eucaristia, das missas a que faltou, em suma, das obrigações de cristão que não cumpriu com a intensidade, duração e frequência que recomendava a Santa Madre Igreja. Mas, de tudo, o objecto maior de arrependimento era o adultério que cometera e em que, sempre confessado, reincidiu.

Mas isso terminara há muitos anos. A infeliz que seduzira casara e virara fiel ao marido a quem agradecia tê-la recebido canonicamente apesar de já não ir como devia. Conformado, aceitando ficar com mulher que já não ia inteira, nunca suspeitou de ornamentos de homem casado, sempre julgou que o autor era um antigo namorado que a morte por acidente impediu de reparar a desonra.

Desse pecado se redimira Jerónimo, pela confissão, penitência e promessa de nunca mais pecar. À castidade que se impôs, ao cumprimento dos mandamentos a que se devotara, juntou a vontade forte de conquistar indulgências no ano 2000 do Grande Jubileu.

Bem sabia que as indulgências requerem sempre a confissão sacramental, a comunhão eucarística e a oração pelas intenções do Papa, condições sine qua non para a sua obtenção. Quanto às disposições para a sua aquisição não era difícil cumpri-las. Bastava peregrinar a uma Basílica, Igreja ou Santuário designado para o efeito, e eram várias as opções na diocese, e rezar o Pai Nosso, recitar o Credo em profissão de fé e orar à bem-aventurada Virgem Maria, tarefas de que se desobrigava com prazer e entusiasmo. Mesmo a recomendável contribuição significativa para obras de carácter religioso ou social estava ao seu alcance e não deixava de fazê-lo.

Embora gozando de excelente saúde e de razoáveis análises nunca é demasiado cedo para o sincero arrependimento e cuidar da alma. Veio a calhar o ano do Grande Jubileu que Sua Santidade avisadamente instituiu nesse Ano da Graça de 2000.

Jerónimo, tomou como bênção do Céu ter ficado Carolina a cuidar dele. Antes de recolher-se ao quarto rezavam os dois, todos os dias, por D. Deolinda, Esposa e Madrinha, respectivamente, para que a sua alma mais rápido entrasse no Paraíso, aliviada das penas do Purgatório.

Passava os meses dedicado à oração, à penitência e à agricultura, outra forma de penitência que alguns teólogos interpretam como a mensagem do anjo do 3º. ex – segredo de Fátima. Disse-me padre amigo, e não incréu militante, que a penitência que o anjo três vezes pediu era uma forma de exigir dedicação à agricultura, modo de empobrecer e salvar a alma, vacina contra os sectores secundário e terciário onde os homens perdem a fé e a Igreja os devotos.

No primeiro dia de Maio, a seguir ao jantar, horas depois de os comunistas ateus se terem manifestado nas ruas de Lisboa e Porto, enquanto Carolina ficou a arrumar a cozinha, foi Jerónimo ao mês de Maria, acto litúrgico que na sua cidade de província sobreviveu à conversão da Rússia e à consagração do Mundo ao Imaculado Coração de Maria.

À saída da igreja entrou no carro, dirigiu-se à quinta que distava duas léguas da cidade, deu umas ordens ao caseiro e uma olhadela às vitelas, distribuiu-lhes ele próprio um pouco de ração, mandou verificar a pedra que tapava o buraco das galinhas, para protegê-las da raposa, deu a bênção aos afilhados, filhos do caseiro, e regressou à cidade onde morou em vida de D. Deolinda, por vontade dela que detestava a lavoura e o campo, e agora por hábito e fidelidade à memória da falecida.

Ao regressar a casa admirou-se de ver todas as luzes acesas, excepção para o seu quarto que a luz do corredor iluminava discretamente.

Ia entrar em busca da santa Bíblia quando, sobre uma colcha de seda, na cama, deparou com o corpo esbelto de Carolina, esplendorosa escultura de 20 anos à espera de ser percorrida, vestida apenas de penumbra e longos cabelos castanhos, esparsos sobre o peito, donde brotavam túmidos mamilos à espera de afago.

O quarto parecia iluminar-se progressivamente. Já uns lábios carnudos se ofereciam sequiosos, já um corpo arfava em pulsações rápidas, num incontido furor de ser possuído, numa ânsia insuportável de ser saciado, primícias ávidas à procura de ser saboreadas.

Jerónimo sentiu sobrar-lhe roupa e minguar-lhe a resistência.

Foram-se as indulgências.

31 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Ponte Europa foi aberta ao trânsito

Com a presença do Dr. Durão Barroso, único especialista português vivo a rubricar concordatas e do pio edil Carlos Encarnação, danado para missas, hóstias e alcunhas (crismou a ponte de Rainha Santa Isabel), teve lugar ontem a inauguração da ponte Europa, em Coimbra.

Houve bandeiras, possíveis bandalhos, força pública, público à força, numerosos figurantes, alguns figurões e um bispo contratado para benzer a obra de arte.

O bispo, D. Albino Cleto, farol da diocese de Coimbra, exorcista, especialista em bênçãos, utilizador experiente do hissope, habituado a aspergir imóveis, envergou vestes talares para dar mais vigor à benzedura e brilho à festa, não esquecendo uma enorme cruz para que quase lhe faltava o peito.

Os engenheiros da obra desconhecem a eficácia da água benta no reforço das fundações e os bombeiros não se pronunciaram sobre a prevenção de acidentes graças à divina guarda cuja protecção D. Albino foi contratado para intermediar.

As pessoas de Coimbra ficaram muito contentes com a alcunha da ponte Europa, mas as promessas de percorrer de joelhos a nova ligação do Mondego estão desaconselhadas por causa da circulação automóvel.

Um sexagenário com ar jacobino avisou uma devota, que se preparava para percorrer a nova ponte de joelhos, que aquilo era uma rodovia e não um piedoso joelhódromo.

28 de Maio, 2004 Carlos Esperança

O novo protectorado do Vaticano

A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em 2002 deixou as piores apreensões sobre os bastidores das negociações da Concordata. O então MNE, Martins da Cruz, prometeu o que não podia, nem devia, prometer? o reforço da influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no domínio «do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja activa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais». É sempre através da rede de assistência social (lares, hospitais, escolas, creches, templos) que a Igreja se infiltra para controlar o quotidiano dos cidadãos. A tragédia dos países árabes onde o islamismo tem hoje a mesma influência que a ICAR tinha na Europa, na Idade Média, devia fazer reflectir os cidadãos, os crentes e os não crentes.

E, com total impunidade, afirmou ainda: «Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação».

O país livrou-se do ministro mas não se escapou à Concordata. A experiência de 1940 devia ter-nos vacinado contra a reincidência. A própria ICAR, refém da ditadura fascista e associada à repressão de meio século, devia evitar a tentação dos privilégios, embora ninguém, com privilégios, admita que os tem.

Acontece que esta Concordata foi negociada à sorrelfa e não foi fácil aceder-lhe, mesmo alguns dias depois de assinada. É importante discutir o texto que, depois de ratificado, se torna direito interno português, directamente aplicável.

A religião não se impõe por tratados nem a propagação da fé se confia aos Estados. O mundo islâmico é o exemplo trágico. A Concordata, não pode ser um tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um país a que a Cúria trace o meridiano. A subserviência à tiara não augura um futuro de tolerância e esta revisão ficou à mercê do promíscuo contubérnio entre ministros de Deus e de Durão Barroso. O resultado está aí.

Não consta que a ICAR tenha sentido qualquer limitação ao exercício do seu múnus nestes anos de democracia. Que pretendia mais, ou o que pretende proibir?

A concordata fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela; opõe-se à lei geral na medida em que a ICAR exige tratamento especial naquilo que lhe diz respeito; e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado o total alheamento quanto a tais «deveres».

Por ser bizarro, cite-se o n.º 2 do Art. 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio».

Imagine-se que, por dever de reciprocidade, havia um n.º 3 com esta redacção: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Esta concordata não serve, e outra não é precisa. Não foi objecto de negociadores, foi um arranjo de negociantes.

Talvez só o facto de ter sido assinada apenas entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano nos tenha poupado à primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».

27 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Notas piedosas

João Paulo II – O velho hipócrita odeia divorciados e casais alérgicos à hóstia e à água benta, mas enviou uma mensagem a Letícia Ortiz, com um casamento civil e um divórcio anteriores, quando soube que adquiriu a bênção para pernoita e prossecução da espécie com o príncipe Filipe.

Espanha – A coroa espanhola está em vias de prescindir de um varão para descendente real, a fim de evitar um anacronismo. Mas haverá maior anacronismo do que uma monarquia?

O culto silenciado – Em Asseiceira, Rio Maior, onde a Mãe do Redentor apareceu várias vezes a um menino chamado Carlos Alberto, há 50 anos que se pedem graças, pagam promessas e se movimenta dinheiro. A ICAR, com apurado sentido de marketing, tem prejudicado este milagre.

Letícia Ortiz – A nova gata borralheira espanhola precisou de uma missa e algumas hóstias para se tornar princesa, mas merece a simpatia de quem prescindiu dessas exibições no primeiro casamento e posterior divórcio. E não é um mero cabide para dependurar fatos, tem um corpo que dá vida aos trapos, sem precisar deles.

Constituição Europeia – A referência religiosa faz tanta falta como a gasolina nos incêndios mas o governo português, à espera das indulgências do Vaticano, bate-se por essa deformidade como uma beata pela sua ração de incenso.

Concordata – A concordata de 1940, celebrada entre o ditador fascista, Salazar, e o papa PIO XII, autoritário e anti-semita, tinha como primeira frase «Em nome da Santíssima Trindade». Desta vez, assinada pelos cúmplices, Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano, o Vaticano deve ter achado excessivo e despropositado para dois.

Bernard Law vai para Roma – O ex-cardeal de Boston, obrigado a resignar, depois do escândalo de pedofilia na Igreja dos EUA recebeu um novo cargo, atribuído pelo Papa. Bernard Law vai ser agora arcipreste de uma das principais basílicas de Roma – diz a TSF. Não foram tomadas medidas especiais de protecção às crianças.

Suíça – 74,2% dos suíços são de opinião de que o papa devia resignar. Desde quando é que um ditador abandona o poder de livre vontade? Às vezes, no Vaticano, em tempos que já lá vão, era hábito ajudar o papa a ir mais cedo encontrar-se com Deus.

27 de Maio, 2004 Carlos Esperança

Fátima, futebol e fados. Outra vez, não

Longe vão os tempos em que um médico português vaiado no estrangeiro por demorar três horas na extracção de um dente – segundo a comunicação científica que fazia – acabou com a plateia a aplaudi-lo de pé, depois de informada de que em Portugal não se podia abrir a boca.

Era o tempo em que o eterno ditador de serviço conseguia bater os especialistas a estabelecer a idade das múmias que eram encontradas no Egipto dos faraós. Bastava-lhe entregá-las à PIDE que elas acabavam por confessar.

Era quando um pobre bêbado que acabara de desabafar «que merda de País este…», encontrava logo um esbirro que o prendia. Depois de lhe ter jurado que se referia a Cuba, quando já recuperara a liberdade, o mesmo esbirro vinha de novo prendê-lo com o argumento, aliás respeitável, que «merda de país» só podia ser o nosso.

Os métodos anticoncepcionais que a Igreja e o Estado então consentiam reduziam-se à castidade e a atirar pedras às cegonhas, espécie de intifada contra a explosão demográfica. E ensinavam-nos que a Igreja era a nossa mãe e Salazar o pai, num país ansioso por ficar órfão de pai e mãe.

Ser patriota – diziam – era amar a pátria, do Minho a Timor. Não se contentavam com o amor à própria, exigiam a pátria dos outros.

Admiravamo-nos então que a Suíça, sem costa marítima, pudesse ter um ministério da Marinha, sem nos darmos conta que nós próprios tínhamos um ministério da Educação.

Vão longe esses tempos mas voltaram outros parecidos. Há no ar uma atmosfera que prenuncia um regresso. Postergam-se os interesses colectivos para atender caprichos particulares, vergam-se as consciências ao peso dos interesses, sepultam-se os princípios nos terrenos onde floresce o medo e medra a ambição.

Há outra vez um país do futebol onde os senhores da bola viram dirigentes políticos enquanto ao som do fado se vai de novo a Fátima à espera de um milagre.

Mas, para além dos três efes tradicionais que regressaram à sociedade há o receio de que a nós próprios nos atinja outro efe . E que a sua dimensão obscena nos esmague.

Longe vá o agoiro do quarto efe.

Estamos f