Não sei como se sentem os protetores de embriões, óvulos e células correlativas, quando uma alma por erro de navegação ou capricho da natureza se infiltra num feto estacionado fora do parque, em sítio proibido.
Refiro-me às gravidezes ectópicas. Trata-se de asneira de Deus ou produto do acaso, mas, para quem tudo o que acontece de bom é obra de Deus e o mal fruto do Diabo, deve ser um dilema que perturba o entendimento e consome os neurónios.
Para os pios, a ejaculação é um genocídio e o aborto uma alma que se desperdiça. Só assim se percebe a sanha com que os protetores das almas encaram o sexo e a irritação que lhes causa a reprodução medicamente assistida.
Há neste negócio das almas obscuros interesses e perturbações mentais.
Dos caminhos rurais abalaram as caixas de esmolas das alminhas do Purgatório e, lentamente, vão acabando as missas de sufrágio e os lucrativos trintários, moedas celestes para antecipar a vaga no veículo que liga(va) o Purgatório ao Paraíso.
As almas estão à guarda de Deus, que as manda em correio azul aos espermatozoides capazes de atingir os óvulos. Não sei se envia várias para a hipótese de falharem o alvo ou se apenas uma, para não irritar os padres.
Após a morte, a alma viaja para os destinos do costume: Purgatório, Inferno ou Paraíso, pois o Limbo foi extinto por falta de interesse comercial por Bento 16. Só não percebo a obsessão dos padres com a alma dos que se desinteressam do seu destino e desprezam o Paraíso.
Deve ser a vocação totalitária que os consome.
Vítor Julião
Dou as boas-vindas ao novo colaborador do Diário de uns Ateus esperando que a entrada de um ateu militante enriqueça este blogue e inverta o declínio a que a longevidade e o cansaço dos velhos colaboradores o estavam a condenar.
Carta escrita há 13 anos. Mudaram os governos e os autarcas e a situação mantém-se.
Sr. Ministro de Estado e da Administração Interna
Dr. António Costa – Lisboa
Excelência:
Carlos Esperança, residente em Coimbra, eleitor n.º 1675, vem expor e solicitar o seguinte:
1 – Grassa na cidade de Coimbra uma onda de tal santidade que levou o presidente da Câmara, Carlos Encarnação, a baptizar a Ponte Europa com o nome de Rainha Santa Isabel;
2 – Uma procissão católica recente (creio que do Corpo de Deus) contou com a presença e terminou com uma homilia do dito autarca, temendo eu que, de futuro, em vez da gestão do Concelho, que lhe cabe, passe o pio edil a dedicar-se a tarefas religiosas e à salvação da alma;
3 – Nada tenho contra a presença particular nos actos litúrgicos mas vejo a laicidade do Estado ameaçada quando o autarca participa na qualidade das funções que exerce;
4 – Agora, a Junta de Freguesia passou a exibir um imenso painel na ampla parede que dá para a via pública com uma enorme imagem de Santo António e encimada com os seguintes dizeres: «António, cidadão de Coimbra». Ao fundo destacam-se as letras
garrafais de «Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais».
Em face do exposto, venho solicitar a V. Excelência, senhor ministro, o seguinte:
a) Que peça à diocese de Coimbra para colocar numa das paredes da Igreja de Santo António, sita no lado oposto do largo que a separa da Junta de Freguesia, um painel de dimensões equivalentes onde se leia: «Afonso Costa, Lente da Universidade de Coimbra», com a foto de igual tamanho à do santo.
b) Na impossibilidade de se prestar homenagem ao antigo primeiro-ministro nas paredes da Igreja, que seja mandado retirar o painel do Santo, da Junta de Freguesia, para evitar a promiscuidade entre a autarquia e a sacristia.
Certo de que o País não deve menos ao estadista do que ao Santo, confio no ministério da Administração Interna para exigir o respeito pela laicidade do Estado e preservar o pudor republicano.
Apresento-lhe respeitosos cumprimentos e saudações laicas e republicanas.
a) F…, 16_06_2005
Há folhetos que valem dezenas de páginas de um compêndio, panfletos que se tornam o libelo acusatório de um regime e da cumplicidade que o perpetuou, papéis que ficaram a atestar uma época, um regime e a Igreja de que o ditador foi o produto.
Para os que esqueceram as rezas das missas pela longevidade dos governantes e orações pias de agradecimento aos próceres do fascismo, aqui fica um documento para gáudio dos democratas e vergonha dos fascistas.
O Paraíso não é um bar de alterne nem um lugar particularmente bem frequentado. A avaliar pelos santos que o defunto JP2 tirou das profundezas do Inferno ou do estágio no Purgatório, há hoje uma multidão de patifes a jogar as cartas com o divino mestre e a servir bebidas ao Padre Eterno. Até o papa Francisco continua a criar santos como os oleiros das Caldas a fazer recordações.
Não sei se é Torquemada que toma conta do armazém das almas de crianças por nascer ou de adultos por batizar, pois sabia-se de ciência certa, com aquela honestidade que se reconhece ao clero, que os não batizados eram destinados ao Limbo, um sítio insípido, sem divertimentos nem crueldades como os que o Deus de Abraão criou como destino dos bem-aventurados ou das almas penadas. No entanto, num ápice, Bento 16 extinguiu o local e não se voltou a falar no destino das almas que ali se tinham amontoado.
No armazém das almas o negócio anda próspero com a explosão demográfica a que se assiste. Mas Deus é um comerciante insatisfeito que quer despachar mais mercadoria.
É por isso que a ICAR é contra o planeamento familiar, a contraceção, o preservativo, a IVG, o DIU e a pílula. No Céu há uma alma para cada espermatozoide e é por isso que tanto o pecado solitário como a ejaculação noturna são uma catástrofe para o negócio.
Os clérigos, encarregados de tratar das almas e olhar pelo negócio, andam estarrecidos com a possibilidade do fim da perseguição criminal ás mulheres que interrompam a gravidez. Na última quarta-feira, na Argentina, o Parlamento votou a legalização da IVG, com os padres a ameaçarem com labaredas as mulheres que comentam tal pecado.
Aliás, para as religiões do livro, a mulher é um ser inferior que deve obediência ao marido e serve apenas para a reprodução e os louvores ao Deus da zona de residência.
AAP – Comunicado sobre o nome da nova Ponte sobre o Douro
Ref.ª – Manoel de Oliveira
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