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Carlos Esperança

15 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

A confissão e o crime

Por

ONOFRE VARELA

Num dos últimos textos que aqui publiquei (Gazeta de Paços de Ferreira) abordando crimes sexuais cometidos pela Igreja australiana, disse que «a Conferência Episcopal local fez saber que os sacerdotes não podem revelar abusos sexuais de que tenham tido conhecimento através da confissão, nem podem ser forçados a fazê-lo, porque violar essa norma “vai contra a fé e a liberdade religiosa”. Esta directiva religiosa desobedece à comissão governamental que desde 2012 investiga casos de abusos a menores em instituições religiosas, e que propõe sanções penais contra quem não denuncie este tipo de crimes».

O que então não disse, digo agora: os jornalistas também estão obrigados à confidencialidade, e por isso não divulgam as suas fontes de informação. Faz parte do seu código deontológico, protegê-las. Porém, os valores humanos sobrepõe-se a qualquer código seguido por uma classe profissional, e um jornalista não pode calar um crime hediondo quando dele tem conhecimento e a sua denúncia pode salvar vidas. Por uma questão de Humanidade e Justiça, deve comunicá-lo às autoridades competentes. Os padres que calam um crime, na convicção de “a confissão” ser assunto que não pode sair do triângulo “pecador-sacerdote-Deus”, estão a colocar-se ao lado do criminoso, consentindo que a vítima não seja ressarcida dos danos que sofreu, nem o criminoso seja julgado. Sendo Deus uma criação humana, calar um crime em seu nome… é calá-lo em nome da nada!…

O jornal espanhol El País dispôs-se a investigar crimes sexuais, e tem um canal aberto ([email protected]) para os leitores sabedores de algum caso que não tenha sido divulgado, poderem fornecer elementos para investigação jornalística.

O jornal já conta com mais de uma centena de relatos de abusos sexuais alegadamente cometidos por padres e que, até agora, permaneciam ocultos. Supostas vítimas de abusos sexuais cometidos em paróquias e colégios religiosos em várias épocas, desde os anos quarenta até aos últimos anos, contaram, por escrito, os seus dramas ao El País. Até agora não os tinham contado a ninguém, por vergonha ou por respeito aos seus pais que não queriam ver a sofrer. Há quem o faça agora porque os seus pais já faleceram, e porque a sua “impotência, raiva, angústia e dor, continuam vivas”.

Um dos testemunhos diz que “a raiva ainda me acompanha 53 anos depois; sofri abusos de um padre e sei que não fui o único”. Outros, disseram: “o director do colégio abusava de mim na secretaria”; “o arcebispo ameaçou que era a minha palavra contra a sua”; “o bispado silenciou os abusos que sofri”; “ameaçou-me de que, se contasse, me enviava para um internato”.

A Igreja Espanhola silenciou, durante décadas, os casos de pederastia que conheceu, e instruiu os tribunais eclesiásticos para que não registassem todos os casos.

Conseguir informações da Igreja é tarefa impossível para os jornalistas. As dioceses negam o fornecimento de dados. Só 17 responderam, com evasivas ou negativas, e 53 optaram pelo silêncio. A Máfia e a Cosa Nostra também funcionam assim…

(Texto de Onofre Varela, in Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 15 de Novembro de 2018)

14 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Sobre a existência de Deus

Não tenho a mais leve suspeita ou o menor indício da existência de Deus e, por isso, sou ateu.

Ontem num auditório da Universidade de Coimbra ficou provado que as religiões podem ser tolerantes e aceitarem o diálogo. É o caso da religião dos meus interlocutores

Joel Oliveira

Uma honra conversar sobre a fé cristã/ateísmo e a liberdade de expressão com o Prof. Carlos Esperança, Presidente da Associação Ateísta Portuguesa.
Hoje às 19h no Pólo Zero no Porto, o senhor que se segue é o meu amigo Rui André, um dos ateus mais inteligentes que eu conheço 

It is an honor to talk about the Christian faith/atheism and freedom of expression with Prof. Carlos Esperança, President of the Portuguese Atheist Association. Today at 7pm in Porto, the next gentleman with whom i will engage in conversation is my friend Rui Andre, one of the most intelligent atheists I know 

– Carlos Esperança
Agradeço o convite e felicito quem procura o contraditório sem fogueiras a crepitar no pensamento ou fatwa emitida contra os ateus.

Foi uma honra dialogar convosco.

11 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Fé, loucura e Paraíso

«Convertida ao islamismo, Sinead O’Connor diz não querer passar mais tempo com ‘gente branca’

Nas redes sociais, cantora também critica os teólogos cristãos e judeus que atacam sua nova fé

EFE

08 Novembro 2018 | 12h43

A cantora irlandesa conhecida como Sinead O’Connor até sua recente conversão ao Islã afirmou que não quer “passar mais tempo” com “gente branca porque são nojentas”.

Em uma série de mensagens publicadas no Twitter, Shuhada’ Davitt, seu nome atual, pede “perdão” pelo que diz, pois reconhece que pode ser “racista”, mas assegura que “o senhor” necessita de “trabalhadores para fazer o trabalho sujo”.

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Cantora Sinead O’Connor anuncia conversão ao islamismo. Foto: Foto: Reprodução/Twitter
“O que vou dizer é tão racista que nunca acreditei que a minha alma poderia se sentir assim. Mas, sério, nunca vou passar mais tempo com gente branca (se assim é como se chama os não muçulmanos). Nem um minuto a mais, por nenhum motivo. São nojentas”, escreveu a artista de 51 anos.

Nos tuítes, a cantora também critica os teólogos cristãos e judeus que atacam sua nova fé e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao mesmo tempo que questiona se o Twitter irá censurar seus comentários, enquanto ao líder republicano é “permitido vomitar imundícies satânicas inclusive sobre meu país”.

“Todo mundo diz que os pobres americanos são vítimas de Trump. Mas vocês é quem o contrataram. Por isso, despeçam-no. Caso contrário, são cúmplices. É o mesmo que acontece com o chamado terrorismo islâmico. Que é exatamente o que o diabo quer e adora”, disse Shuhada’.

“Nenhuma pessoa irlandesa sobre a terra estaria em desacordo. Nós não demitidos a Igreja. Deixamos que abusassem de nossos filhos sob nossos narizes”, prosseguiu.

O’Connor ganhou fama mundial nos anos 90 com a música do americano Prince Nothing Compares 2 U, embora também seja lembrada por rasgar em 1992 em uma rede de televisão americana uma fotografia do então papa João Paulo II, em protesto contra os abusos sexuais cometidos contra menores.

Nos últimos anos, a cantora também declarou que luta contra a depressão e um transtorno bipolar e que teve frequentemente pensamentos suicidas, após confessar que ela mesma foi vítima de abusos na infância.»

9 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

O que o Opus Dei pensa da mulher

A FRASE:

«Cada mulher tem em si a capacidade de ser quem cuida casa»

(José Rafael Espírito Santo, líder do Opus Dei, em Portugal) – in Visão n. 1340, pág. 30 (8/11-14/11/2018)

8 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Irlanda despenaliza a blasfémia

A blasfémia ou é um crime contra o que não existe ou uma forma de censura contra a liberdade de expressão. O ‘crime’, uma herança medieval, persiste em numerosos países civilizados, Áustria, Canadá, Itália, Alemanha, Chéquia, Grécia, Irlanda, Espanha, Malta, Polónia, Reino Unido, Montenegro, San Marino e outros de duvidoso índice de democraticidade, Turquia e Cazaquistão, sem referir países onde o fascismo islâmico mostra a natureza totalitária através da sharia.

Quer assuma a forma de insulto ou a mera negação de um dogma, a sua criminalização é sempre uma forma de impedir a crítica aos preconceitos de quem se julga com direito e força para a impedir. A crítica ao deus dos outros é o direito que a inteligência impõe, enquanto ao próprio é a ofensa que só a morte repara.

Dizer que Maomé violava crianças, pois casou com uma de seis anos cuja consumação ocorreu aos nove, é blasfémia contra o Islão, e uma evidência que os crentes confirmam e perpetuam no seu piedoso desprezo pela mulher e compra de crianças para casamento.

As recusas de dogmas, alguns bem recentes e tão idiotas como a virgindade de Maria ou a infalibilidade papal, são blasfémias que enfurecem fundamentalistas, especialmente os membros do Opus Dei. O último dogma inventado data de 1950. Foi o da Assunção de Maria, cujo corpo subiu ao Céu, fique lá isso onde ficar, certamente em sítio alto, pois, de outro modo, o corpo que foi procurar a alma, desceria em vez de subir.

Que as religiões criem verdades absolutas, inquestionáveis, é um direito seu, tal como a vergonha de as verem questionadas e reduzidas ao ridículo, mas é intolerável que as queiram impor e, sobretudo, punir quem as enjeite.

Apesar da religiosidade de muitos crentes, há entre eles tradições blasfemas que tocam as raias da obscenidade. Espanhóis dos meios rurais ameaçam fazer à hóstia e à Virgem o que um ateu, por educação, é incapaz. No entanto, as mais deliciosas blasfémias são as dos italianos, sobretudo no sul do País, que aliam o maior respeito ao clero, à máfia, à liturgia e aos dogmas, com as mais divertidas expressões de afronta ao Divino.

Na Irlanda, ainda há poucos anos uma reserva do catolicismo jurássico, no referendo do último sábado de outubro, quase 65% dos eleitores votaram a eliminação de tão arcaico delito da Constituição, decisão que abolirá o anacronismo.

A votação é tão relevante que mereceu um comunicado de Harlem Désir, representante para a Liberdade de Imprensa da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) a felicitar o povo irlandês por “um passo positivo para a liberdade de expressão” e a fazer apelo aos 16 países da OSCE, onde a blasfémia continua a ser um delito, para seguirem o exemplo de Irlanda, porque esse tipo de leis “são incompatíveis com as normas internacionais sobre liberdade de expressão”.

Desacreditada a Igreja católica autóctone por numerosos escândalos e crimes graves, a liberdade de expressão deu um salto enorme na Irlanda. Em poucos anos, o País tornou-se uma democracia onde a saúde reprodutiva da mulher, o divórcio e a educação sexual deixou de se submeter à vontade do clero e aos preconceitos da tradição.

7 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

O ateísmo e o deus de cada um

Às vezes, por ironia, provocação ou humor, dizem-me: você é ateu, graças a Deus. E é um facto, contrariamente ao que julgam.

Tal como o anticlericalismo só existe porque há clericalismo, também o ateísmo é fruto de um ser imaginário que os homens criaram para se tornar a explicação por defeito para tudo o que desconhecem, a boia de salvação para todas as aflições e a esperança que resta para o que não tem remédio –, a própria vida e o seu fim.

Sem teísmo não existiria ateísmo. O primeiro é a tese, o segundo a antítese. A dialética entre um e outro levam ao livre-pensamento. Há quem cristalize numa religião, a que se habituou desde a nascença, e quem se interrogue sobre a verosimilhança das verdades que as religiões consideram imutáveis.

A crença é tão legítima como a descrença ou a anticrença. Grave é quando alguma delas produz um efeito nefasto e atenta contra os direitos humanos. Não há mal em acreditar que existe o Abominável Homem das Neves, o monstro de Loch Ness ou as adoráveis sereias, havendo no último caso testemunhos de pessoas tão credíveis como Cristóvão Colombo, que afirmou tê-las avistado nas costas da América.

Estes exemplos, que hoje merecem apenas sorrisos, não são menos incoerentes do que o nascimento de um deus, de uma virgem e de uma pomba, e, no último caso, a descrença provoca o ódio, a violência e, quiçá, a morte. O que pode levar pessoas normais a odiar a dúvida religiosa e a tolerar a descrença sobre as vacinas ou sobre uma lei da Física?

Só um processo de fanatização, apoiado por um forte dispositivo ideológico e um forte aparelho repressivo, onde não faltam os constrangimentos sociais, pode perpetuar uma ideologia patriarcal, nascida na Idade do Bronze, numa cultura tribal e xenófoba.

Depois…bem, depois os interesses criados tendem a perpetuar-se.

6 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Franco e a memória histórica

Abra-se o Google, procure-se uma enciclopédia, leia-se um pouco da História do século XX , e Franco está sempre entre os mais inclementes e frios assassinos da Humanidade.

Como pode, pois, uma família que se locupletou com os roubos que o ditador lhe legou, reclamar do opróbrio do presumível ascendente a honra de que se ufana e condicionar o Estado espanhol na tardia reparação que deve às centenas de milhares de vítimas, com a trasladação do cadáver para um sítio discreto?

A transição pacífica para a democracia permaneceu cheia de equívocos, com o medo a espreitar dos quartéis, as estátuas do ditador a decorarem as praças e as academias, e o franquismo a manter-se vivo no paço real, nos tribunais, nas escolas e nas igrejas.

Quando o ditador morreu, o rei que ora é julgado pela opinião pública por comissões em negócios, fuga de capitais e branqueamento de capitais, defendido de uma investigação por uma iníqua imunidade perpétua, deu-lhe como túmulo um monumento faraónico no Vale dos Caídos, um monumento de exaltação da vitória fascista sobre a República e de afronta às centenas de milhares de vítimas da sedição contra o regime legal.

Mais tarde, quando a viúva faleceu, Filipe Gonzalez deu-lhe, em terreno do Estado, um túmulo digno de figuras históricas que honram o passado de Espanha. Estes equívocos alimentaram o ego e a cleptomania dos descendentes, indiferentes aos crimes que não cometeram, mas de que se honram.

Hoje, quando a Igreja católica se tornou mais cauta, como sucede com todas as instituições, em democracia, e procura esquecer o seu passado sombrio na ditadura, é surpreendente como os herdeiros de Franco ainda detêm poder para estorvarem a reparação histórica que a democracia exige e os familiares das vítimas merecem.

Por que motivo Hitler, Mussolini, Pétain, Tiso, Salazar, Mosley ou Pinochet, bem como outros facínoras europeus de países colaborantes dos dois primeiros, ou Tojo Hideki, no Japão, não têm monumentos fúnebres a perpetuarem-lhe a memória?

Certamente, os familiares também haviam de gostar, mas, contrariamente a Franco, não tiveram sucessor imposto nem condições que o permitissem.

A urgência da trasladação dos restos mortais de Franco é uma questão de salubridade política e de justiça histórica.

4 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

Epifania

2 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

A bênção do Multibanco

A caixa do Multibanco

Compreendo a bênção do gado para evitar moléstias que o dizimam, embora considere o ato mero placebo, assim como a bênção das armas dos países de determinada religião, para que o deus dos autóctones as ajude a matar os inimigos de um deus diferente.

Habituei-me cedo a ver crentes convocados para as novenas quando apertava a canícula e o renovo estiolava, às vezes com efeitos devastadores de uma trovoada a dizimar o que sobrava, talvez por excesso de rezas ou devoção a mais dos mendicantes.

As medalhinhas e santinhos ficavam valorizados com os sinais cabalísticos que o padre desenhava para os abendiçoar, mas as caixas multibanco não faziam parte da memória da minha infância, nem a água benta aspergia alfaias mecânicas porque, se as havia, não tinham ainda substituído a enxada, o arado e a foice ou não eram conhecidas.

Foi, pois, com enorme júbilo que tomei conhecimento do batismo católico de uma caixa multibanco, com o alto patrocínio da Câmara Municipal de Vila do Conde, depois de a anterior, certamente não abençoada, ter sido explodida e assaltada. À explosão violenta, com fins criminosos, procedeu bem o presidente da Câmara ao promover uma explosão de fé, com fins piedosos, à guisa de exorcismo.

A inauguração da caixa de multibanco com a bênção do padre da freguesia pode não ser demonífugo bastante para novo crime, mas o exorcismo patrocinado pelo edil e oficiado pelo abade, se não faz bem à alma dos paroquianos é uma bênção para o fígado dos incréus.