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Carlos Esperança

26 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Ateu, graças a Deus

Há quem por graciosidade ou provocação goste de dizer aos que elegem a consciência como única fonte de valores, que são «ateus, graças a Deus».

E não é que têm razão? Deus é uma explicação por defeito para todas as dúvidas, uma boia para todos os naufrágios, um arrimo para todos os medos – especialmente, para a mãe de todos os medos –, o medo da morte.

Não fora a invenção desse ser imaginário, à semelhança dos homens que o criaram, não haveria necessidade do contraditório. Não há antítese sem tese, nem síntese sem ambas.

Os ateus não têm o direito de perseguir os crentes, tal como a estes não assiste o direito de molestar aqueles. Diferente é o combate de ideias, batalha que cabe aos crentes travar entre crenças ou contra o ateísmo e aos ateus contra as crenças.

É preciso ser destituído do mais leve resquício de humanismo para deixar sem combate a crença nas virgens que aguardam terroristas, os pregadores do ódio e os divulgadores da vontade divina que impõe normas de vestuário, tipos de alimentação e decapitações, por heresia, blasfémia ou apostasia.

A apostasia é um direito inalienável, seja em relação a um partido político, a uma crença religiosa ou a uma doutrina filosófica. Com que direito poderia um ateu perseguir quem, depois de o ter sido, optasse por ir a pé a Fátima, andar de rastos à volta de um ícone, ou intoxicar-se com incenso?

A blasfémia, que permanece no Código Penal português, é um anacronismo sem sentido. Um islamita não tolera uma caricatura de Maomé, um trecho de música ou o desprezo de Alá? Conforme-se, tal como os ateus quando escutam um cardeal a considerar o ateísmo como a maior tragédia da Humanidade.

Idiota, tolice grossa, é animar uma maratona pia, a peregrinação a Fátima “contra o ateísmo”, peregrinação de 13 de maio de 2008, chefiada pelo cardeal Saraiva Martins. Tinha esse direito, porque a peregrinação não foi contra os ateus, que são pessoas, foi contra uma ideia – o ateísmo –, mas revela um carácter belicista a lembrar as Cruzadas.

O livre-pensamento e a liberdade de expressão são mais importantes do que as crenças particulares. Ao Estado, cuja neutralidade é uma exigência democrática, cabe apenas defender a livre expressão de todas as crenças, por mais idiotas que sejam, desde vacas sagradas à transubstanciação das hóstias em corpo e sangue de um judeu defunto, sob o efeito de sinais cabalísticos executados por um clérigo ungido e com alvará.

Mais importante do que qualquer crença é a confiança na Humanidade e na capacidade desta para se transformar e melhorar. Nessa tarefa podem ateus e crentes dar-se as mãos.

24 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Desejo a tod@s um Feliz Solstício de Inverno

Quando os deuses e deusas eram criados à medida das necessidades humanas, eram bem mais diversificados na forma e na substância com que eram idealizados, e diferentes as latitudes e culturas da sua criação.

Foi na Idade de Bronze que patriarcas de tribos nómadas inventaram o deus único, para todas as angústias e medos, sonhos e pesadelos, amores e ódios, criado à sua imagem e semelhança, a exigir imolações bárbaras, para acabar resignado a orações e aos óbolos necessários para alimentar a multidão de funcionários que lhe preservaram a memória e a moldaram ao longo da História, ao sabor dos tempos.

Há dois mil e vinte e tal anos, em data ignorada e local diferente do que lhe atribuíram, foi registado na Palestina o único deus verdadeiro, à semelhança de deuses mais antigos, parido de mãe virgem, no solstício de inverno, judeu circuncidado, desembaraçado em pregações e milagres.

Quem diria que, da primeira cisão triunfante do judaísmo, do golpe de génio de Paulo de Tarso e da necessidade de Constantino unificar o Império Romano, nasceria um deus universal, o mais benigno ícone monoteísta dos dias atuais! São irrelevantes a genealogia do novo deus, os milagres que obrou e as parábolas que lhe atribuem.

Hoje, dia que lhe deram para nascer, é noite de esquecer tragédias e lembrar, no milagre do nascimento, o prodígio da vida, e fazer da alegria de um ágape a festa da família, e do primeiro dia do ano, no calendário gregoriano, o dia da Fraternidade Universal.

Feliz Solstício de Inverno e Bom Ano Novo, car@s amig@s, e exonerem a santidade da ceia de todos os pecados.

P. S. – Façam como eu, não agradeçam, vão para dentro e agasalhem-se, está um frio de rachar. E, por cada solstício de inverno, há outro, de verão, no hemisfério oposto.

23 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

O Natal de um ateu

Por

ONOFRE VARELA

Tenho sentido haver curiosidade, por parte de quem é religioso, em saber como é o Natal de um ateu. É uma curiosidade motivada pela ideia generalizada de que a sociedade está dividida emsegmentos. Há o segmento religioso, o segmento político e o segmento futebolístico… e pensa-se que em cada segmento as pessoas que os constituem funcionarão de modo diverso das outras…

Para satisfazer os curiosos vou, aqui, dizer tudo. Então, é assim: 

Como se sabe, religiosamente, sou ateu. Politicamente sou de Esquerda, e futebolisticamente… sou contra! Não gosto de futebol. Nunca joguei a bola nem entrei num campo de jogos, e não sigo campeonatos, nem pelos jornais, nem pela rádio ou televisão. 

O futebol que nos servem não é Desporto: é indústria alienante. É um coio que alimenta interesses económicos e financeiros, e quem permite que um jogador de futebol ganhe mais do que umoperário especializado, devia estar preso. 

Ronaldo ganha num mês (enquanto jogador, não como industrial de hotelaria) mais do que um operário português ganha em toda a sua vida de 50 anos de trabalho! Isto é pornográfico, é vergonhoso e devia constituir crime! 

Quanto ao Natal… é uma festa religiosa das sociedades cristãs. Cada cidadão é o resultado do meio social em que cresce, embora também seja dotado (felizmente) de um raciocínio próprio e único. A história política e religiosa do país que o acolhe, faz os alicerces da sua educação. 

Por isso eu sou ateu de origem cristã (se tivesse nascido no Afeganistão e continuasse ateu, sê-lo-ia de um modo diferente por ser islâmico… ou, se calhar, já teria sido executado!…).

Ninguém foge à sua História e às suas origens. O Natal e a Páscoa são festas religiosas do meio em que me insiro. Para mim a Páscoa nunca teve significado especial. No meu meio familiar sempre foi um Domingo como qualquer outro.

Já o Natal é a Festa da Família. É um dia em que se reúnem os familiares mais chegados, habitualmente separados por motivos profissionais, num jantar comunitário (designado por Consoada, palavra derivada do latim Consolata que quer dizer “refeição partilhada”) onde se sacrifica um bacalhau salgado, já sacrificado no Mar do Norte, regado com azeite de Trás-os-Montes e acompanhado de um bom vinho. Há sobremesas doces da época e distribuição de prendas por todos, especialmente pelas crianças. Findo o serão vou dormir até tarde, porque no dia seguinte é feriado e não tenho que levar a neta à escola.

Portanto, retirando o presépio, mais as missas e as orações dos Católicos (que nem todos as cumprem), o Natal de um ateu é igual ao Natal de um religioso!…

As datas religiosas da Igreja Católica, como Páscoa e Natal, têm a ver com a vida de Jesus Cristo enquanto ícone deífico dos cristãos… (não como personagem da História), e são ligadas à Natureza, aos Equinócios da Primavera e do Inverno. A vertente histórica de Jesus, faz parte de um outro livro, que não dos contos dos Evangelhos que são, apenas, registos de fé.

Toda a vida dos Seres Humanos é baseada, em primeiro lugar, na Natureza, e depois na sociedade e no seu folclore próprio e sazonal, que pode ser laico ou religioso, mas que é, sempre, folclore inerente a cada grupo social, que a Antropologia, a Etnologia e a Sociologia, estudam e explicam.

(Texto a inserir na edição especial de Natal de 2018, do jornal regional Gazeta de Paços de Ferreira)

20 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

A Igreja católica, o Estado e a Concordata

É-me indiferente o que cada religião decide com os seus crentes, mas não posso deixar de me interessar pelos reflexos decorrentes na estrutura legal do meu país.

Há dois anos, ao ver a notícia de 1.ª Página do JN, interroguei-me sobre as consequências civis da anulação de casamento pela Igreja católica. Podia estar enganado e, por isso, apelei aos juristas que visitam o D1A para nos esclarecerem sobre as consequências de uma anulação do casamento canónico.

Quanto às consequências nefastas da Concordata para a igualdade religiosa não existem dúvidas. Quanto às da anulação do casamento por um Estado estrangeiro (o Vaticano), penso que a razão que leva o Registo Civil a aceitar a validade do casamento canónico o obriga a registar a anulação que os tribunais portugueses serão obrigados a confirmar?

A dissolução do casamento pelo Vaticano obrigará o Estado português a aceitar uma decisão que os tribunais nacionais só têm de corroborar, tornando um Estado soberano num protetorado de uma teocracia?

Não obtive resposta, mas, a ser assim, o vexame do Estado deve envergonhar todos os portugueses e levá-los a exigir a revogação de um tratado que nunca devia ter celebrado. 

18 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Há 3 anos

Madre Teresa de Calcutá iniciou a marcha, continuando defunta, a caminho da canonização. Em 18 de dezembro de 2015, o Papa Francisco reconheceu a cura de um homem que sofria de tumores cerebrais, o que provocou imenso júbilo nos devotos do costume. O homem curado por Madre Teresa foi um brasileiro que esteve em fase terminal e recuperou, em 2008, na diocese de Santos, no litoral de São Paulo.

Segundo as notícias, «Parentes rezaram e pediram ajuda à Madre Teresa, e o homem recuperou, deixando os médicos sem explicações». Não se percebeu se foi o homem que abandonou os médicos, sem explicações, ou estes que não as souberam dar, mas, para o milagre, é igual.

É mais um milagre na área da medicina, vocação dos defuntos católicos que jamais entram no campo da economia, da física quântica ou da nanotecnologia.

Madre Teresa, adversária do preservativo e fervorosa auxiliar do Papa João Paulo II na teologia do látex, sabia que é na dor que os pecadores encontram a redenção e, por isso, contrariava o uso de analgésicos em doentes terminais.

Em recente defunção (F. 1997), aprovada nas provas para ‘beata’, em 2003, ascendeu à canonização em 4 de setembro de 2016, com tese já aceite e dispensada de comparência, 19 anos após a sua morte.

A beatificação tinha sido defendida com um milagre reconhecido em 2002, adjudicado a madre Teresa, cura de uma mulher de 30 anos, de Bangladesh, Monika Besra, que sofria de um tumor abdominal.

Apesar do êxito da defunta na área da oncologia, em dois continentes diferentes, não mais fez milagres. Os defuntos depois de obrarem os milagres obrigatórios para a canonização, dão-se ao eterno ócio e fazem como alguns catedráticos que, após a homologação do concurso, nunca mais apresentam qualquer trabalho.

O Deus de Madre Teresa podia ter evitado ao miraculado os vários tumores cerebrais, mas impediria que madre Teresa, a pedido, lhos removesse em sepulcral telecirurgia.

13 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Allahu Akbar!

“A jihad [guerra santa] é o teu dever sob qualquer governante, seja ele ímpio ou devoto” (hadith, geralmente invocado para justificar ataques aos infiéis e apóstatas).

“Deus é grande” não é só o grito selvagem que precede uma carnificina, é a apoteose da demência mística, o sintoma da intoxicação divina pelo mais boçal dos livros sagrados.

Deus podia ter sido uma ideia interessante, mas converteu-se num pesadelo cujo nome, em árabe, remete para o mais implacável dos homólogos que alimentam o proselitismo dos desvairados da fé. Alá consegue ser o pior dos avatares monoteístas.

O islamismo, plágio tosco do judaísmo e do cristianismo, ditado pelo arcanjo Gabriel ao “beduíno analfabeto e amoral”, como lhe chamou Atatürk, ao longo de vinte anos, entre Meca e Medina, deu origem à mais sombria mutação do deus abraâmico.

O islamismo já foi mais tolerante do que o judaísmo e o cristianismo, o primeiro com a única vantagem de não ser prosélito, mas a decadência da civilização árabe transformou o monoteísmo do condutor de camelos no mais implacável e anacrónico dos três, e fonte da raiva e ressentimento contra o Ocidente.

Hoje, o cristianismo, impregnado pelo Renascimento e o Iluminismo, graças à repressão política do clero, é a religião mais pacífica, apesar do aguerrido proselitismo de algumas Igrejas evangélicas e de raras seitas católicas radicais.

O primarismo ideológico da religião, que se fundamenta em cinco pilares pueris e cuja violência seduz cada vez maior número de pessoas, exige vigilância policial e impõe um combate ideológico determinado, sem medo das fatwas e do clero que expele versículos e hadiths nas mesquitas e transmite os alegados ensinamentos do profeta nas madraças.

A Europa, onde progressivamente recruta bandoleiros de deus, deve obrigar ao respeito pelo ethos civilizacional que a moldou e defender a laicidade sem contemplações com a pedofilia, a poligamia, a opressão da mulher e outras taras especialmente islâmicas.

Podem os crentes rezar as 5 orações diárias, urinar em sentido contrário ao das orações, manter o ódio ao toucinho e aos cães, mas não podem atropelar, esfaquear ou explodir infiéis numa demencial orgia mística que lhes assegure a viagem rumo ao Paraíso.

O respeito pelos Direitos Humanos é a exigência comum a todos os homens e mulheres, sem qualquer discriminação, nesta Europa que afrouxa a defesa dos seus valores.

12 de Dezembro, 2018 Carlos Esperança

Quando formos grandes…

Quando se levanta uma voz que contraria a tradição e a ordem estabelecida, originam-se reacções que vão desde o escândalo dos resistentes a novas ideias, até ao fascínio dos que aderem ao que é novo. Em todos os tempos as vanguardas começaram por ser repudiadas, depois toleradas, acabando por serem aceites. Lembremos Galileu Galilei e Giordano Bruno.

Galileu (1564-1642), astrónomo, construiu o primeiro telescópio e observou os astros. Concluiu que a Lua girava à volta da Terra, e esta rodava à volta do Sol. O conhecimento da sua época não era científico, mas religioso, e a Igreja garantia que o nosso planeta era o centro do mundo e que o Sol e a Lua rodavam à volta da Terra para nosso puro deleite, pois Deus assim quis e fez! Galileu foi condenado pela Santa Inquisição, e fingiu retratar-se, evitando ser morto na fogueira diabólica onde a Igreja adorava queimar aqueles que não diziam amen consigo. No tribunal, terá dito: “eppur si muove” (no entanto ela [a Lua, a Terra] move-se).

Giordano Bruno (1548-1600) foi monge e estudioso do Universo. Concluiu poder ser falsa a ideia (defendida pela Igreja) que só a Terra era habitada por vida inteligente, defendendo a hipótese da existência de muitos outros mundos habitados por gente como nós. Ao contrário de Galileu, não aceitou fazer uma retratação negando as suas ideias, e por isso foi condenado a morrer na fogueira. Os seus algozes foram mais longe. Depois de o amarrarem no poste, e antes de lançarem fogo à lenha que o rodeava, com um alicate puxaram-lhe a língua, pregando-a numa tábua para que não blasfemasse!…

Charles Darwin teve o mesmo problema com a Igreja quando concluiu aTeoria da Evolução, contrariando a Criação Divina. E embora já passassem cerca de 160 anos após a publicação do seu livro Origem das Espécies, ainda há quem defenda o conceito religioso da Criação contra a evidência científica da Evolução! E isto acontece assim porque oraciocínio da maioria do povo é amarrado ao ensino religioso desde criança, impedindo, ou dificultando, o entendimento científico. A sociedade é maioritariamente constituída por interesses supérfluos e serôdios, levando ao desinteresse pelas Ciências e pela Filosofia. Considerou-se ser mais importante jogar à bola do que ler um livro; exercitar a musculatura do corpo do que treinar o músculo do cérebro.Ter músculos esculpindo o corpo é a primeira escolha, porque se vê por fora. Vivemos a cultura do corpo esquecendo o espírito.

No campo destas considerações encontramos o Ateísmo que já faz um quarto da população mundial. Não é muito, mas está a crescer. Quando formos grandes… a maioria de nós dispensará a redutora ideia da fábula de Deus e dos santinhos.

(Onofre Varela in Gazeta de Paços de Ferreira, edição de 13 de Dezembro de 2018)