8 de Junho, 2019 Carlos Esperança
Tradições
– Mulher, queres aborrecer o Misericordioso Profeta ou que eu chame a terceira?
– Mulher, queres aborrecer o Misericordioso Profeta ou que eu chame a terceira?
Nos estados laicos, sem risco de recidivas teocráticas, é inadmissível e paradoxal usar qualquer proibição para assegurar a liberdade individual. Vão longe os tempos em que as mulheres católicas eram obrigadas a usar véu, na igreja, porque o apóstolo Paulo de Tarso considerou o cabelo e a voz das mulheres coisas obscenas, convicção que teve outro efeito secundário – a castração de jovens para evitar mulheres nos coros sacros.
Surpreende que quem defende o direito ao uso do véu islâmico não reflita nos motivos da sua proibição por Mustafa Kemal, o Atatürk, fundador da Turquia moderna, e na oposição, aparentemente paradoxal, dos sectores laicos e progressistas.
Em primeiro lugar a exibição pública do adereço é um confronto aberto com a laicidade estimulado pelos sectores clericais cujo proselitismo tem na agenda, logo que Alá o queira, a imposição da sharia. Alá não se pronunciou mas o apelo das mesquitas fez-se ouvir e levou à emenda constitucional que permitirá às alunas o uso do véu islâmico dentro das universidades.
Não é preciso ser profeta para prever a pressão oriunda da função pública a exigir igual «regalia», sem ter em conta que o véu é um símbolo de opressão da mulher, visto com entusiasmo por homens conservadores e por uma sociedade cuja reislamização não tem parado.
O problema não reside na permissão, surge quando o direito se converter em imposição, os islamitas moderados se tornarem fundamentalistas e o véu for substituído pela burka.
(escrevi este texto em 10 de fevereiro de 2010)
A tara judaico-cristã, comum aos três monoteísmos, foi sendo atenuada pela civilização, mas permanece na matriz genética das religiões do livro e no espírito dos hierarcas que as divulgam, e delas vivem, bem como dos crentes que as seguem.
Paulo de Tarso, o autor da primeira cisão conseguida do judaísmo, preservou o horror à mulher, em perfeita consonância com a lei moisaica de que, aliás, só divergiu quando se convenceu de que o Messias anunciado era Jesus Cristo, um judeu que morreria sem se aperceber que originara uma nova seita, que o imperador Constantino, por necessidade de cimento para o Império Romano, havia de converter em religião, dando-lhe a liberdade de culto, em 313, o que seria fundamental para a futura conversão total do império. Teodósio, algumas décadas depois, em 380, tornaria obrigatório o cristianismo.
Todavia, o apogeu da demência misógina seria atingido com Maomé na cópia grosseira dos monoteísmos anteriores. E não vale a pena dizer que é a versão errada do islamismo que dá origem à violência. É isso que o Corão, manual terrorista elevado à categoria de livro sagrado, ensina. Foi assim que o «Profeta Maomé, o Misericordioso», alcunha do beduíno analfabeto e amoral, pensou.
O horror causado pela discriminação da mulher leva os crentes a desculpar as religiões o que, independentemente da crença ou descrença, não permite alhear-nos da influência no sofrimento secular imposto a metade da Humanidade, por discriminação sexual.
É verdade que o cristianismo se civilizou, graças à repressão política sobre o clero, e o judaísmo se reduz a menos de 20 milhões, a maior parte secularizados, o que não deixa de ter influência nefasta na violência sionista, mas existe a possibilidade de retrocesso.
Só o islamismo, no ocaso da fracassada civilização árabe, permanece virulento e não foi surpresa, para quem acompanha a sua deriva política, cunhada como fascismo islâmico, que o Estado Islâmico, à semelhança do que acontecera com os talibãs no Afeganistão, tenha ordenado às mulheres severas restrições à liberdade depois de, em junho de 2014, ter tomado Mossul. Foi assim que o uso do véu integral e a mutilação genital feminina [não sendo esta uma imposição de todo o Islão] foram exigidos, bem como a cobertura dos pés e mãos, sob pena de «castigos severos».
É difícil perceber que, sob o álibi do respeito pelas religiões, não se combatam no plano ideológico, à semelhança das doutrinas políticas consideradas perversas.
Deixo aqui a opinião de dois ‘santos doutores’ do cristianismo cuja censura me levaria à fogueira se não tivesse havido o Renascimento, o Iluminismo e a Revolução Francesa.
“No que se refere à natureza do indivíduo, a mulher é defeituosa e malnascida, porque o poder ativo da semente masculina tende à produção de um perfeito parecido no sexo masculino, enquanto que a produção de uma mulher provém de uma falta do poder ativo.” (Tomás de Aquino, Summa Theologica)
“Nada rebaixa tanto a mente varonil de sua altura como acariciar mulheres e esses contactos corporais que pertencem ao estado do matrimónio.” (Santo Agostinho, “De Trinitate”)
Apostila – Alterei o texto na parte que atribuía erradamente o carácter obrigatório do cristianismo a Constantino o que só veio a acontecer com Teodósio.
Abraão levou o filho para o deserto…. amarrou-o a uma árvore e acendeu uma fogueira debaixo dos seus pés.
De repente, uma voz diz:
– Abraão, Abraão, que é isso????
– Senhor, Senhor eu estou sacrificando o meu filho, conforme a Vossa ordem!!!!
– Não, Abraão, eu só queria medir a tua fé!!
– Mas Senhor…!!!!
– Abraão, solta o menino!!!!!
Abraão soltou o filho. O menino saiu disparado…correu, correu, correu, e Abraão gritava:
– Filho volte, filho volte, o Senhor libertou-te!!!!
O menino parou, longe, e gritou:
– Libertou o caraças!!! Se eu não fosse ventríloquo, estava bem lixado!!!
Esperava-se, não do arcaico bispo de Lisboa, mas de alguns dos outros 20 titulares, dos 7 auxiliares ou dos 17 eméritos e dois eméritos-convidados, que defendessem a honra da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que o seu presidente achincalhou com a reincidência perturbadora ao serviço de partidos reacionários e fascistas.
Nem o vice-presidente da CEP, também ornamentado com barrete cardinalício, nem um emérito, onde consta o nome honrado de Manuel Vieira Pinto, nenhum teve a coragem de limpar a nódoa que o patriarca lançou sobre a Igreja de todos eles.
O Sr. Manuel Clemente, que o país julgou ter recebido o Prémio Pessoa pela sua grande intelectualidade e, afinal, deve a imagem ao prémio, com influência de António Barreto e de toda a direita portuense, podia pedir ao Vaticano a restituição do ouro a que deve o título de patriarca, que lhe afaga o ego.
De cada vez que é tratado por Sr. Patriarca, devia lembrar-se de quanto esse título para o bispo de Lisboa e o de Senhor Fidelíssimo para o rei custaram a Portugal, com ouro do Brasil enviado ao Vaticano, quando D. João V era apenas Fidelíssimo nas deslocações ao Convento de Odivelas, bordel da nobreza, onde a troca da madre Paula, amante de um nobre, custou duas freiras ao rei para ser a sua favorita.
O sr. Manuel Clemente é mais rápido a abanar a mitra, agitar o báculo, colocar o anelão na boca dos crentes e a mão na gamela do Orçamento, em defesa dos colégios privados, do que a penitenciar-se por se imiscuir nas eleições e condicionar o voto dos eleitores.
O respeito que exige para si e para a religião que representa perdeu-o há muito. Restam-lhe as genuflexões dos incondicionais, o desprezo dos próprios crentes e a humilhação dos resultados eleitorais dos partidos que apoiou.
O Sr. Manuel Clemente deve ter perdido as eleições em todas as paróquias da diocese e resta-lhe ciliciar-se no próximo retiro espiritual.
O silêncio dos bispos não é distração de inocentes, é cumplicidade de quem se habituou aos privilégios da Concordata e pressente a falta coragem dos partidos hostilizados para a denunciarem.
Há 3 anos, a advogada-geral do Tribunal Europeu de Justiça, Julianne Kokott, considerou que as empresas podem não aceitar símbolos religiosos no interior das suas unidades e, assim, proibir o véu islâmico, porque vulnerabiliza a neutralidade religiosa.
Foi a primeira vez que a justiça comunitária se pronunciou sobre o que, aparentemente, se afigura como interferência nas liberdades individuais. Não faltará, pois, quem considere abusiva a medida e perigoso o precedente que mais não pretende do que evitar o desafio à laicidade e ao carácter secular da civilização europeia.
É um facto que algumas muçulmanas, por hábito e tradição, se sentem confortáveis com o adereço, mas, por cada uma que o aprecia, há centenas obrigadas a conformar-se.
Os constrangimentos sociais de guetos, onde as mulheres são a mercadoria que cabe aos homens transacionar, deve levar uma sociedade civilizada a evitar que comportamentos misóginos se perpetuem. O véu é o símbolo de submissão onde alguns veem um direito e quase todos a perpetuação de uma humilhação em função do sexo.
Foi primeira vez que, perante um despedimento numa empresa que proíbe a exibição de símbolos políticos, religiosos ou filosóficos, se vai pronunciar o Tribunal Europeu de Justiça, que habitualmente acolhe a posição da sua advogada-geral.
A exibição de símbolos religiosos como manifestação pública de comunitarismo que se perpetua terá de dar lugar à cidadania integradora. A identidade que se preserva na luta contra a igualdade de género e na afronta às sociedades abertas e cosmopolitas não é um direito, é uma provocação.
Quando se procuram sinais positivos de uma Igreja, especialmente através do seu líder, e se cria uma imagem favorável, a realidade acaba por desiludir.
O atual Papa católico, Francisco, que teve a coragem de condenar a pena de morte, que persistia no catecismo romano, que humildemente se interrogou sobre o direito de julgar comportamentos que o clero mais jurássico considera pecados graves, acaba por assumir uma inaudita intolerância contra as mulheres, na linha dos antecessores.
A condenação dos meios precoces de diagnóstico pré-natal, se tiverem em vista a IVG nos casos de malformações, não é apenas um caso de insensibilidade masculina, é uma opção que compromete a saúde da grávida e a obriga a carregar fetos teratogénicos.
A condenação da IVG, em qualquer circunstância, mesmo em caso de violação, incesto, risco de vida da mãe e malformação fetal, revela a insensibilidade de que só os clérigos são capazes. É o delírio misógino das sotainas contra as mulheres.
O Papa Francisco é contra o aborto por malformação do feto: “Será lícito contratar um assassino para resolver um problema?” – pergunte ele –, e apela aos médicos para se recusarem a interromper a gravidez, em qualquer circunstância.
O Papa condena a IVG, sem remorso nem vergonha, perante grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida; quando há motivos seguros para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita; quando há a certeza de que a gravidez resultou de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da mulher.
Grave não é o que pensa o Papa ou o que, a esse respeito, decida cada mulher, alheia ao sofrimento próprio e do filho que gera, perigoso e inaceitável é impor, através de leis, a violência do preconceito, a maldade da crença e a crueldade da alegada vontade divina, de que se julga intérprete, a quem recuse ou não possa suportar tal fardo.
Se o aborto fosse masculino, o bairro de 44 hectares de celibatários, de conduta suspeita e duvidosa sensibilidade, talvez o elevasse a sacramento, mas como a vítima é sempre a mulher, a misoginia dos dignitários do único Estado mundial sem maternidade, ignora a humanidade e o mais elementar respeito pela decisão da vítima.
A este Papa não se aceita a sintonia com a Liga, de Salvini, à semelhança do patriarca Clemente com a coligação Basta, de André Ventura.
As Igrejas permanecem cruéis e veículos de retrocesso civilizacional.
Não há evidência estatística que prove que a bênção das pastas beneficie os benditos ou seja a carta de recomendação para o primeiro emprego.
Não há ensaios duplo-cegos que provem a correlação positiva entre a fé e a preparação académica, entre a hóstia e o conhecimento científico, entre as orações e o domínio das sebentas.
Tirando o colorido coreográfico de um bispo paramentado a rigor e estudantes vestidos a imitar padres, não há nos borrifos de água benzida, arremessados a golpes de hissope, a mais leve suspeita de que a benta humidade preserve o coiro da pasta ou do próprio.
Há, todavia, no circo da fé, genuína alegria, uma absoluta demissão do sentido crítico, a força poderosa da tradição que arrasta os estudantes para a missa, a suplicar a bênção da pasta e a prometer que vão espalhar a felicidade.
Começam no confessionário a confessar os «pecados» em que reincidirão, continuam na eucaristia, despacham umas ave-marias e acabam na cerveja, mergulhando na estúrdia da semana de todos os excessos.
Deus é o aperitivo que a tradição manda e a festa é o ritual que os corpos e os sentidos exigem. O bispo leva Deus para o Paço episcopal enquanto os estudantes vão fazer a digestão da hóstia em hectolitros de cerveja ou acabar no banco do Hospital, em coma, espécie de êxtase místico induzido por abuso alcoólico.
Até à data não se registaram intoxicações por excesso de hóstias. Talvez a eucaristia tenha lugar no início dos festejos porque, no fim, não há estômago que ainda aguente.
No final do curso, os alunos começam a festejar de joelhos e, quando desempregados, acabam de rastos.
Eleição é escolha – Por ONOFRE VARELA
Escrevo esta crónica às 11 horas da manhã de Domingo. Acabei de votar para o Parlamento Europeu e saí da secção de voto a filosofar com os meus botões. Não vi por lá muita gente. Já vi aquela assembleia de voto mais concorrida à mesma hora noutros actos eleitorais. O meu pensamento ia para a necessidade que os cidadãos sentem, ou não sentem, de votar. Sentimento esse que não provém do mais básico da nossa natureza animal, como é, por exemplo, a necessidade que sentimos de comer. Se não comermos morremos. Mas se não votarmos… continuamos vivos!
Aqui o problema coloca-se no nível social, e não no particular. Vivemos em sociedade, a qual é uma construção política. Vivendo nela temos de ser participativos. Sem prática política, que qualidade de vida construímos? Não participando na construção do destino da nossa sociedade, o que é que esperamos do futuro? Se não construirmos a nossa casa com eficiente telhado, não nos admiremos por vermos a chuva cair-nos na cama!
Este rudimentar raciocínio levou-me para o pensamento religioso deífico: os crentes entram na igreja para ouvirem um padrediscursar, no qual confiam. Aceitam as suas palavras como verdade… mas não o elegeram para ele estar ali a dar-lhes sermões! O próprio Papa é eleito pelos seus iguais (os bispos), e não pelo povo crente que consome missas por hábito familiar e social.
A Igreja é uma monarquia absolutista onde o crente só tem que ser crente e dizer ámen com a vontade do Vaticano. Não tem que escolher. Não tem que entender. Não tem que pensar. Não tem que ter vontade própria… só tem que se sujeitar à vontade divina que não existe na Natureza de onde provém, e acreditar nos sacerdotes (e noutros exploradores da crença) que existem mesmo!…
A Filosofia é cada vez mais necessária a todos, para a construção do raciocínio que nos impele a ir, ou não, votar; a ir, ou não, à missa. Mas quando o fazemos, ou não fazemos, devemos ter nessa atitude a força da Razão que nos impele a viver:bem, ou mal? Todos queremos viver bem?
(Crónica ateísta de Onofre Varela a sair no jornal Gazeta de Paços de Ferreira do dia 30 de Maio de 2019)
O ecumenismo de que o Vaticano se reclama não é mais do que um golpe publicitário para a hegemonia que procura, a tentativa de reunir forças para liderar a cruzada contra o ateísmo e a laicidade.
Não há ideologia mais odiada do que o ateísmo nem postura que mais descontrole o clero que a indiferença perante os dogmas e as sotainas.
As três regiões do livro são idênticas na sua intolerância, no ódio à liberdade e ao livre pensamento, na obsessão prosélita e na presunção de que cada uma é a verdadeira.
As sociedades ocidentais, na sua luta pela liberdade e emancipação, limaram as garras eclesiásticas, contiveram a prepotência religiosa e empurraram o Papa para o Vaticano.
Os protestantes, após as guerras da reforma e contra-reforma, em que o ódio cristão explodiu em torrentes de sangue, foram-se reduzindo à liturgia e à oração e perderam o fervor que agora regressa impetuosamente através de seitas cada vez mais agressivas.
O islão, inculto e radical, misógino e beato, impõe cinco orações diárias, o poder do clero e uma legião de dementes submissos às crueldades do Corão – um livro execrável que apela em quase todas as páginas à destruição dos infiéis, da sua religião, cultura e civilização, assim como dos cristão e judeus, em nome de um Deus misericordioso.
Os islamistas não são piores do que os cristãos ou os judeus, apenas se mantêm na Idade Média, com maior medo dos parasitas que pregam nas mesquitas do que do Deus que está no Paraíso com 70 virgens e rios de mel à sua espera.
A tragédia da humanidade não está nos crentes, está na droga das religiões e nos charlatães que as promovem e impõem.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.