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Carlos Esperança

3 de Julho, 2019 Carlos Esperança

Conselhos pios de um bispo católico


José Ignacio Munilla

“Mortifique-se, mas com regra e, em caso de calor sufocante, faça-o com ar condicionado desligado. O que não faz sentido é usar o cilício com o ar condicionado ligado.

E se em vez de nos queixarmos tanto do calor, o oferecêssemos com alegria, unidos ao #SagradoCorazondeJesus?”.
(José Ignacio Munilla, bispo espanhol de San Sebastián)

https://www.publico.es/politica/obispo-munilla-mortificaciones-corporales-no-sentido-cilicio-aire-acondicionado-puesto.html

2 de Julho, 2019 Carlos Esperança

O Estado relativamente laico e as capelanias absolutamente intoleráveis

Doentes, presos, militares e polícias, à semelhança de quaisquer crentes, podem recorrer aos ministros do culto das suas religiões, se isso lhes dá prazer ou conforto. Faz parte da liberdade religiosa, inerente a qualquer democracia.

Já não se percebe que os hospitais, prisões e quartéis tenham padres católicos privativos, os únicos que, na ditadura, tinham o monopólio desses espaços. É uma ofensa ao Estado laico e a prorrogação da regalia da Concordata de 1940, agora alargada às forças policiais, assinada no apogeu do fascismo, entre o Estado salazarista e o Vaticano de Pio XII, o Papa de Hitler.

Se o Estado permite que a Igreja católica domicilie os padres nos hospitais, prisões e quartéis, ainda que teoricamente aceite a invasão de outras confissões, não se percebe por que motivo os exclui das repartições de Finanças, centros de emprego, ministérios, autarquias, lojas do cidadão e outros organismos públicos.

Se é intenção capitular perante o proselitismo religioso, abdicar da ética republicana, ajoelhar perante as sotainas e esquecer a Constituição, é justo solicitar um sacristão para cada edifício público e uma freira para vigiar as consultas de planeamento familiar.

A Concordata de 2004, desnecessária e indigna de um Estado laico, foi uma concessão ao clero católico que cria desigualdades entre as várias religiões e ao País sujeições inaceitáveis.

Portugal recorda o ridículo das mais altas figuras do Estado a integrarem a comissão de honra da canonização de Nuno Álvares Pereira, herói nacional que a Igreja capturou. O PR e o presidente da AR caucionaram a cura do olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com óleo de fritar peixe, por intercessão de D. Nuno. Cavaco e Jaime Gama, exorbitando as funções, integraram a junta médica que confirmou o embuste e injuriaram todos aqueles que negam ao Estado competência para certificar milagres.
Agora é Marcelo que se desdobra em missas, procissões e outras diversões pias, genufletido e osculador dos anelões episcopais a mostrar que acima da República estão os encarregados dos negócios distritais da fé.

O Governo em vez de defender a laicidade no aparelho do Estado, como deve, abre as portas ao incenso e à água benta sem respeitar a pituitária e a pele dos que não suportam o odor do primeiro e o contacto da última, por alergia às benzeduras.

Lentamente, as sotainas vão invadindo o espaço público à semelhança dos países islâmicos, enquanto a ciência dá lugar à fé e a cidadania às genuflexões.

1 de Julho, 2019 Carlos Esperança

Renzo Fratini – A saída do núncio apostólico de Estanha

Renzo Fratini

O embaixador do Vaticano em Espanha, Renzo Fratini, que amanhã cessa funções, por limite de idade, 75 anos, concedeu uma entrevista à agência espanhola Europa Press.

O primata paramentado enjeitou a discrição diplomática para se assumir como fascista, ao arrepio da neutralidade do Papa Francisco, na transladação do genocida Francisco Franco, usando os argumentos da extrema-direita, dos netos do ditador e dos herdeiros da Falange, em sintonia com o Supremo Tribunal espanhol.

‘Deixá-lo em paz era melhor, já passaram 40 anos, o julgamento cabe a Deus, não ajuda a viver melhor recordar algo que provocou uma guerra civil, por trás da exumação está uma ideologia política que pretende dividir os espanhóis’, foram expressões usadas na entrevista concedida pelo clérigo, em desafio à democracia e na grosseira ingerência na política de um Estado soberano que ainda julga protetorado do Vaticano.

O que o prelado não disse foi que o Vaticano apoiou o genocida sedicioso que fuzilou centenas de milhares de compatriotas, depois de derrubar o governo legal. Não teve uma palavra de solidariedade para com as famílias das vítimas assassinadas nem para os que aguardam a exumação dos seus familiares das numerosas valas comuns para onde foram atirados pelos franquistas.

Este clérigo, envilecido e envelhecido, ignorou os prisioneiros políticos tiranizados que escavaram a basílica onde jazem com o mais cruel torcionário de todos os tempos da Península Ibérica, este em lugar de destaque, de romagens e homenagens pias.

Representante de um Estado criado por Mussolini, o enviado da Providência, como lhe chamou o Papa Pio XI, sem que o Divino interferisse na sua viagem de regresso, fez jus à conivência fascista da Igreja católica que o Papa Francisco se esforça por esbater.

Segundo o El País, o ainda núncio, numa ameaça boçal, disse que é preciso “esquecer o mal” porque “se não, regressa a luta, a Guerra Civil”. “A Franco uns chamam-no ditador, outros dizem que libertou a Espanha de uma Guerra Civil, que solucionou um problema. Não continuemos discutindo sobre se tinha razão ou culpa”, concluiu.

Quando um falsificador da História e provocador fascista faz tais afirmações, ainda em representação do Vaticano, não faz do único Estado teocrático da Europa um farol da liberdade, mas um instrumento do obscurantismo ao serviço do regresso ao fascismo.

O Sr. Renzo Fratini não é diplomata, é guerrilheiro da jihad romana, um talibã católico, avatar dos bispos que colaboraram com Hitler e Mussolini no Holocausto.

O combate democrático passa obrigatoriamente pela exigência da laicidade e a denúncia da ingerência religiosa, seja qual for a religião, sejam quais forem os parasitas da fé ou o deus de que são funcionários.

30 de Junho, 2019 Carlos Esperança

A razão, a superstição e os exorcismos


Quando a razão dorme, acordam os monstros. É esta mensagem de Goya num dos seus «Caprichos», um Iluminista com o pincel e as tintas a fazer mais contra a superstição do que grandes escritores em milhares de páginas. Goya zurziu, em finais do século XVIII, a nobreza e o clero, com o génio do talento e a coragem dos heróis, através de uma das armas mais mortíferas – a sátira –, com que abalou o prestígio de Ordens religiosas e os preconceitos do seu tempo.

O fanatismo religioso, a Inquisição e as superstições foram denunciadas nas 80 gravuras do genial pintor que só por sorte escapou às garras da Inquisição. Ele não foi apenas um precursor da pintura moderna, foi um arauto da sociedade liberta das trevas e conduzida à razão pelo Iluminismo.

Quando o cardeal Rouco Varela nomeou. em 2013 oito exorcistas para a diocese de Madrid e se soube que as dioceses católicas têm peritos no tratamento das possessões demoníacas, não é o atraso de uma Igreja que desprezo que me preocupa, é o regresso da sociedade aos medos medievais e forças ocultas que apavoraram gerações de crentes.

Depois de um Papa ter negado a existência do diabo logo outro veio reiterá-la, não fosse a superstição desaparecer. Quando os crentes perdem o medo dos demónios, acabam por duvidar do interesse do seu Deus mas o que é terrível é a crença do clero nas possessões demoníacas, nesse regresso ao obscurantismo que encobre o autoritarismo eclesiástico e o imobilismo ideológico característico das seitas.

No caso espanhol, o velho cardeal franquista convidou ainda psiquiatras para fazerem o diagnóstico diferencial entre doenças do foro psíquico e da alçada do demo. Claro que à declaração clínica não é alheia a crença do médico e não é por acaso que a única doença exclusiva dos crentes seja a possessão demoníaca, moléstia que não atinge agnósticos, ateus, céticos e outros livres-pensadores.

É o regresso ao autoritarismo romano que está em marcha. Denunciar os desvarios pios é uma obrigação de quem recusa o regresso à época das trevas. Há mais de dois séculos, já Francisco Goya nos alertava para o mundo obscuro que os conventos e as sacristias preservavam tal como hoje o fazem, às escâncaras, as madraças e mesquitas.

28 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Laicismo e laicidade

Separação da Igreja e do Estado

É frequente encontrar beatos embrutecidos pela fé, e crentes moldados pelas Igrejas, que dizem ser a favor da laicidade e contra o laicismo. Há quem o faça de boa fé e quem use um artifício semântico para iludir a discussão.

Normalmente, os que defendem a laicidade e condenam o laicismo são os que apoiam a laicidade quando são minoritários e reprovam um tratamento igual, para o que designam diferente, quando estão em maioria.

Laicismo é o nome de uma doutrina do séc. XVI que pretende para os leigos o direito de governar a Igreja, mas, hoje, diz-se da doutrina que tende a emancipar as instituições do seu carácter religioso. Foi esta a evolução semiológica da palavra.

O Laicismo defende a exclusão da influência religiosa no Estado, na cultura e na educação e tende a libertar as instituições estatais do carácter religioso. Expandiu-se na Revolução Francesa e deve-se-lhe a separação entre a Igreja e o Estado. O laicismo facilita a irreligiosidade, mesmo a anti-religiosidade, mas não é a causa nem impede às religiões os direitos de ensino e organização que confere às outras associações.

Laicidade é o modo concreto da tradução e aplicação prática desse preceito. O laicismo é, pois, a doutrina, e a laicidade o modo de a levar à prática.

A laicidade conduz à neutralidade do Estado e à obrigação de se declarar incompetente em questões religiosas. Cabe-lhe, isso sim, respeitar todas as crenças, descrenças e anti-crenças. O Estado não tem o direito de ser católico, protestante, budista ou ateu e, muito menos, de se pronunciar sobre ‘verdades da fé’. Todos somos ateus em relação ao deus dos outros, os ateus só o são em relação a mais um.

A religião não é um direito do Estado ou das suas instituições, é um direito individual.

Quem distingue o laicismo da laicidade é quem, habitualmente, confunde crenças com os crentes. Estes respeitam-se, aquelas seguem-se, desprezam-se ou combatem-se, fazem parte da disputa do mercado da fé. Um Estado que aceita criminalizar a heresia, a apostasia, a blasfémia ou o sacrilégio não é uma democracia, é a sucursal de uma qualquer madraça, como se as ‘verdades da fé’ de qualquer religião não fossem heresias para a concorrência, e a conversão não fosse pecado gravíssimo para a que se abjurou e um ato heroico para a que se abraçou.

Temos de nos habituar a respeitar todos os crentes e a pôr em dúvida todas as crenças. Só o código penal laico pode proteger os cidadãos, indiferente aos seus credos.

Não há novidades neste texto, mas é cada vez mais necessário distinguir os crentes das crenças, i.e, as vítimas dos seus preconceitos, porque vale mais cada um dos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos do que todos os versículos herdados das tribos patriarcais da Idade do Bronze.

27 de Junho, 2019 Carlos Esperança

As religiões e o proselitismo

Nada tenho contra os crentes e tudo contra as crenças, sobretudo quando os fiéis querem impor aos outros a sua fé e, muito especialmente, se recorrem à violência.

O ateísmo também merece igual censura se for sectário e violento. As guerras santas são devastadoras e a Europa tem longa tradição nesse desvario. Por mais que a componente económica influencie os conflitos, é o ódio religioso que aparece como o mais violento detonador de guerras.

Que raio de deuses inventaram os homens que precisam de religiões como agências de promoção e instrumento de coação?

A laicidade é a vacina que interessa a crentes de todas as religiões não dominantes, no espaço em que se inserem, bem como a todos os não crentes, e não pode ser descurada.

É tão perverso um Estado ateu como um confessional. O Estado deve ser neutro e evitar intrometer-se na vida das associações cuja liberdade lhe cabe respeitar e defender. Só o código penal deve limitar a demência do proselitismo e a violência dos prosélitos.

Não posso deixar de recordar Voltaire no leito da morte, a quem, como era hábito, para terem o troféu «converteu-se na hora da morte», pretendiam que «negasse o Diabo», ao que respondeu com fina ironia: «Não é o momento apropriado para criar inimigos».

Mais sarcástico, Christopher Hitchens, influente escritor e jornalista britânico, autor do livro «Deus não é grande», quando soube que, na sequência do cancro que o consumia, se faziam apostas na NET sobre se se converteria antes de morrer, declarou: «se me converter é porque acho preferível que morra um crente do que um ateu».

26 de Junho, 2019 Carlos Esperança

São Josemaria – 44.º aniversário do seu passamento

São Josemaria – 44.º aniversário do seu passamento

Há 44 anos esqueceu-se de respirar o indefetível apoiante do genocida Francisco Franco e fundador do Opus Dei. Apoiou a política de João Paulo II, responsável pela falência fraudulenta do banco Ambrosiano, e a criação de centenas de santos espanhóis, todos mártires do mesmo lado da guerra civil.

Ao serviço de Deus e do fascismo, acompanhou as tropas sediciosas a Madrid, e os seus fiéis, a quem indicou o Caminho, levaram à falência os impérios Matesa e Rumasa, para maior glória da prelatura e benefício dos desígnios do Monsenhor.

Os contributos pecuniários obtiveram a imunidade da seita, que passou a ter como única obediência o Papa, e o diploma da santidade, a ser conferido post mortem, depois de dois milagres certificados, um para a beatificação e outro para a santidade, como é uso. Foram-lhe creditados 3 milagres, não se pense que foi protegido, o primeiro no ramo da oncologia, a uma freira, prima de um ministro de Franco, que morreu curada.

O bem-aventurado, mal refeito da defunção, já tinha obrado 3 milagres, adjudicados por João Paulo II, amargurado Papa que não se poupou a esforços para evitar a prisão ao seu amigo Pinochet, sem êxito. JP2 era rápido a farejar milagres e santidade e não teria sido preciso que, quando da morte do franquista, 69 cardeais, cerca de 1300 bispos de todo o mundo e 41 superiores de congregações religiosas tivessem pedido o início da causa de sua beatificação e canonização. Estava paga e prometida.

JP2 criava santos com a mesma rapidez com que uma incubadora cria frangos, e o ora S. Josemaria tinha dado provas de martírio com o silêncio que guardou perante centenas de milhares de fuzilamentos pela ditadura e com o cilício que usou para deliciar o deus que defendia o generalíssimo, a monarquia, o catolicismo e o garrote, em Espanha.

S. Josemaria, quando deus foi servido de o chamar, como se diz em termos de afición, foi sepultado na Igreja Prelatícia de Santa Maria da Paz, na sede central da Prelatura, em Roma. Em 6 de outubro de 2002 foi canonizado pelo Papa João Paulo II, abandonando o ramo dos milagres, mas, em 2005 Bento XVI abençoou uma estátua em mármore de São Josemaría Escrivá, no exterior da Basílica de São Pedro, em Roma.

Depois de dois pontífices seus devotos, o Espírito Santo iluminou mal os cardeais do consistório e negou-lhe o terceiro e último.

O Santo mantém um exército de prosélitos, aptos a enfrentar o Islamismo e a subsidiar o Vaticano, enquanto rezam para que o Papa Francisco desapareça. Deus faz sofrer os que mais ama 😊.

26 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Ser ou não ser…

Um amigo faceboquiano postou um desabafo de religioso sentindo-se agredido no seu raciocínio. Diz ele: “Para alguns, ser católico é ser palerma… e ser ateu é ser esclarecido, moderno, intelectualmente superior (…)”. O meu amigo virtual não se sinta assim, tão negativamente tratado, porra!… Uma das questões que muitas vezes me coloco, é esta:

Porque é que um licenciado (médico ou advogado, por exemplo) tem do conceito de Deus a mesma convicção de um servente de pedreiro analfabeto? Será que o licenciado não aprendeu nada, ou o analfabeto sabe muito?!…

Não é verdade que a crença em Deus pertença aos ignorantes. O saber e a crença podem coabitar na mesma mente. A religiosidade é natural, é um atributo humano, e a ideia de Deus está alojada no cérebro de todos nós. O berço de cada um, o meio em que cresce e é educado, pode ditar o interesse e o valor que cada indivíduo dá à ideia do divino. O culto de Deus está presente nas famílias desde que se nasce (pelo baptismo na igreja da paróquia), na celebração religiosa da Comunhão (como referente da passagem da meninice para a juventude), no casamento frente ao altar, e mais tarde no baptismo e na Comunhão dos filhos, até ao enterramento depois de finado, com funeral presidido por um sacerdote que encomenda a alma do defunto ao Altíssimo!…

Toda a vida do temeroso crente é votada à religiosidade, e isso tem o seu peso na vida de cada um de nós, pois não há quem possa fugir à ética social e religiosa presente na construção das suas origens e do seu dia-a-dia. Para além desta verdade antropológica e sociológica, há o comércio religioso nas lojas que as igrejas são (veja-se Fátima), prestando assistência à alma a qualquer hora do dia. Igrejas, capelas e alminhas de parede estão mais disseminadas pelo país do que as caixas Multibanco (o deus-dinheiro). Qualquer produto religioso que se mostre de interesse geral (ou mesmo sem se mostrar; a fé basta) passa a ser comercializado, a alimentar indústrias, a ser massivamente publicitado e consumido, tal como a Coca-Cola, os hamburgueres e as telenovelas (veja-se a seita IURD!).

O “produto-Deus” está colado a nós. Tem a mais valia de nos acompanhar desde o Paleolítico, com reforço na Idade do Ferro, acrescentado pelo medo dos castigos divinos induzidos na Idade Média, e embelezado com a espectacularidade da Arte Renascentista. Na nossa civilização a história de Deus já vem de longe, desde a Idade Clássica, importadora dos enigmáticos deuses da Mesopotâmia, e acompanha-nos nos momentos mais emblemáticos das nossas vidas, o que, por si só, exerce muita influência no nosso modo de ser. Mas há muitíssimo mais por detrás da ideia de Deus!…

Também serve interesses políticos, sociais e económicos, o que tem muito peso e demasiada importância para os mandantes deste mundo. Agora já percebe porque é que a ideia de Deus também habita as cabeças com raciocínio superior ao de um servente de pedreiro analfabeto?!…

(Artigo de Onofre Varela a ser publicado no jornal Gazeta de Paços de Ferreira na edição do dia 27 de Junho)

24 de Junho, 2019 Carlos Esperança

A tragédia das verdades únicas

Trinta e um anos de ditadura, quatro anos e 4 dias de tropa, com 26 meses de desterro em Moçambique, na guerra colonial, moldaram o homem que sou e a compreensão de que me sinto capaz, contra as aparências.

Não me surpreendem os homens e as mulheres que pensam o contrário do que eu penso, mas não aceito o pensamento que nega a expressão ao entendimento oposto e combato o que oponha ao direito de quem discorda de mim.

Não há verdades absolutas e, por isso, só o maniqueísmo pode defender a verdade única de uma religião, de um partido político ou de uma corrente filosófica. Na Matemática e na Física as verdades são elaboradas a partir dos factos e postas em dúvida por método. Na ciência tudo é verdade até prova em contrário. Na fé, a verdade é eterna e imutável ainda que todos os factos a desmintam. Por isso, os cientistas andam sempre carregados de dúvidas enquanto os crentes vivem cheios de certezas.

Não há regime político, partido, credo ou tradição que mereça respeito se não aceitar o contraditório. O esclavagismo, a antropofagia e a misoginia foram tradições que ainda não estão completamente erradicadas. Ai de nós, se nos deixarmos convencer pelo peso da tradição ou vencer pela violência do dogma.

Uma sociedade discriminatória é uma sociedade doente. Por isso, valem mais os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos do que todos os versículos de todos os livros sagrados, quaisquer tradições, por mais consolidadas que estejam, ou qualquer utopia totalitária por mais risonha que pareça.

23 de Junho, 2019 Carlos Esperança

Há seis anos o Vaticano reconheceu o segundo milagre de João Paulo II

«Em abril de 2013, os médicos do Vaticano reconheceram a cura inexplicável de uma mulher.»

Julgava-se que, com o papa Francisco, chegara ao Vaticano uma pessoa normal, que não podendo evitar o poder do lóbi gay e a corrupção que o aguardavam, poderia ainda suspender os milagres já preparados para a indústria da santidade.

É um truísmo banal afirmar que «o que pode ser afirmado sem provas, pode igualmente negar-se sem provas», mas surpreende que no século atual ainda se inventem milagres para alimentar o comércio da fé.

Quando «a cura inexplicável de uma mulher» se transforma em milagre e se descobre logo o autor, há uma boa dose de superstição ou uma deliberada encenação do embuste.

Esqueçamos o Papa que perseguiu os teólogos da libertação, que os reduziu ao silêncio e que deixou à solta a Opus Dei, o negócio dos milagres e o encobrimento dos casos de pedofilia. Fica ainda a cumplicidade com Reagan e a proteção a Pinochet, cujos crimes silenciou ao contrário dos esforços para lhe evitar o julgamento. Não houve ditador sul-americano católico que não tivesse a sua bênção e ações contra o comunismo que não tivessem a sua subvenção pia sem escrúpulos sobre a origem do dinheiro.

A proteção ao arcebispo Marcinkus, cuja extradição impediu, para evitar o julgamento e a condenação que esclareceria a lavagem de dinheiro no Vaticano e a falência do banco Ambrosiano, era suficiente para manchar o pontificado de João Paulo II.

Quem protegeu os mais reacionários movimentos católicos, Opus Dei, Legionários de Cristo e Comunhão e Libertação, grandes contribuintes dos cofres do Vaticano, todos envolvidos em escândalos à escala planetária, apenas porque lutou contra o comunismo, não merece que lhe adjudiquem um milagre para o colocarem nas peanhas das igrejas e nos santinhos que distribuem pelos garotos do Terceiro Mundo.

Afinal, o Papa Francisco apenas continuou o negócio com outros modos. A santidade é o estado civil e a profissão do velho celibatário, à semelhança dos seus antecessores.