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Carlos Esperança

27 de Julho, 2019 Carlos Esperança

A fé e a displicência ética

A mãe que reza um terço para que o filho passe no exame está a meter a cunha à santa para que influencie o júri que o há de avaliar.

O construtor civil que manda o cabaz de Natal ao engenheiro da Câmara, agradece o último andar do empreendimento, que não constava do projeto inicial.

O funcionário que promete ir a Fátima, se for promovido, quer apenas que a Senhora se lembre dele para a vaga que, por mérito, pertenceria a um colega.

O cordão de ouro que a minhota deixou no andor do Senhor dos Passos para que o seu homem abandonasse a galdéria que o transtornou e voltasse para ela, imagina que, sem a renúncia ao ouro, o Senhor não lhe levaria de volta o bandalho do marido.

Sempre que há promessas para obter do santo, especializado em certo tipo de subornos, um qualquer benefício, é a admissão do carácter venal da Providência. É o cabrito que se manda ao chefe na véspera das atualizações salariais.

Ao santo pede-se que interceda junto de Deus para fazer ao mendicante o que não faz a outros. Ao chefe solicita-se que trame o parceiro em benefício próprio.

Portugal é um país venal, de pequenas e vis corrupções, feito à imagem da religião que o formatou, espécie de marca que indica a ganadaria de origem e reparte os portugueses por paróquias e dioceses como animais da respetiva quinta.

Que pode esperar-se da Igreja do Papa JP2 que acreditou que a Virgem lhe dirigiu a bala por sítios não vitais poupando-o a ele sem dele poupar os crédulos?

A mentalidade beata cria gente que vê o empenho, suborno e compadrio como virtudes canónicas, que levam as pessoas a condutas que lhes ensinaram a ter com Deus.

Felizmente ainda há gente séria. O mesmo não se pode dizer da fauna mística que povoa o Paraíso, para onde se viaja através de agiotas, à custa de missas, terços, oferendas e da renúncia aos prazeres da vida.

A ligeireza ética é uma consequência da mentalidade autóctone, que nos remete para as “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, bem analisadas por esse grande vulto da cultura portuguesa, Antero de Quental, na 2.ª das históricas Conferências do Casino.

25 de Julho, 2019 Carlos Esperança

A GNR, a liberdade religiosa e a laicidade

«O Estado também não pode ser ateu, deísta, livre-pensador; e não pode ser, pelo mesmo motivo porque não tem o direito de ser católico, protestante, budista. O Estado tem de ser cético, ou melhor dizendo indiferentista» Sampaio Bruno, in «A Questão religiosa» (1907).

Não há laicidade antirreligiosa como não pode haver laicidade religiosa. É uma absoluta impossibilidade conceptual. A neutralidade não pode ser pró nem anti, apesar de a ICAR usar e abusar da acusação.

Defender a liberdade religiosa é um dever do Estado e uma obrigação cívica de qualquer democrata. Diferente é o que certos crentes exigem, o Estado a abrilhantar as procissões pias, os militares fardados a primor e os dorsos vergados ao peso da padiola que exibe a imagem de uma virgem, indiferente aos ombros dos mancebos que a transportam.

Facilitar aos doentes que chamem um clérigo da crença que professam é um dever, mas ter um padre, pago pelo Estado, a prestar assistência religiosa, é um privilégio injusto e discriminatório não previsto no SNS.

Artigo 43.º (CRP) – (Liberdade de aprender e ensinar)
1 –
2 – O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
3 – O ensino público não será confessional.

É difícil mostrar aos crentes acirrados pela fé, desvairados pelo proselitismo e convictos de que o seu deus é o melhor, sem ensaios duplo-cegos que o provem, nem resignação para abdicarem de privilégios que nem a ditadura levou tão longe, que o Estado deve ser alheio às crenças privadas dos cidadãos para respeitar a laicidade que a CRP lhe impõe.

Artigo 41.º (CRP) – (Liberdade de consciência, de religião e de culto)
1., 2.
3. Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
4., 5., 6.

Como é conciliável o n.º 3 do Art.º 41 com a participação militar da GNR na procissão de Faro, sem inquirir os militares se são crentes ou obrigados a fazer a escolta que outra religião ou a ausência de qualquer uma não pode deixar de os constranger!?

Militares da GNR a alombarem o pesado andor ou jungidos às varas do pálio, a proteger do sol o padre e a custódia, não exibem brio militar, prestam vassalagem à Igreja do país que a Concordata transformou em protetorado do Vaticano.

24 de Julho, 2019 Carlos Esperança

GNR e a laicidade – do quartel à sacristia

A separação das Igrejas e do Estado, imposta pela Constituição, é indiferente à GNR, que persiste em ignorar o respeito que lhe deve. Mais uma vez, teve lugar em Faro, a cerimónia onde a GNR presta vassalagem à Igreja católica.

A apresentação de armas à imagem da Santa, dita padroeira, é um ato que a desvanece, extasiada com o aprumo dos militares a desembainharem os sabres e, submissos, a prestarem-lhe juramento!

Tudo isto é ridículo e patético. Até o presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, cauciona, com a presença, um ato inadmissível numa Democracia Laica e Republicana.
Em vez de defenderem a República carregam o pálio como mordomos da procissão e acólitos do padre.

De tanto se baixarem ao Vaticano um dia viram-se para Meca e apresentam armas de joelhos ou de rastos.

23 de Julho, 2019 Carlos Esperança

A GNR e a laicidade

Em Faro, um graduado, com condutor e ajudas de custa, regressa de meter uma cunha à mãe do seu Deus para lhe reservar um lugar adequado, no quartel dos bem-aventurados, quando virar defunto.

Aguardam-no, à saída, dois mendigos que lhe imploram, em silêncio, o óbolo que lhes mitigue a fome e prorrogue o tempo de vida.

Pela foto, percebe-se que o silencioso pedido dos pobres não foi atendido.

23 de Julho, 2019 Carlos Esperança

Ainda sobre santos

Por

ONOFRE VARELA

Na última edição da Gazeta falei de Frei Bartolomeu dos Mártires, o santo Português que dispensa milagres para o ser eque, por ordem do Papa Francisco, será canonizado em Novembro de 2020, 430 anos depois de ter morrido. Não sei se este longo tempo de espera para ser elevado aos altares transformará o nosso Bartolomeu no santinho dotado de mais paciência por esperar tanto tempo para ser santo… e, mesmo assim, parece que está impedido de fazer milagres substituindo os médicos do Serviço Nacional de Saúde na cura de doenças esquisitas e tidas por incuráveis.

Mas sei de um outro santo, também Português, que bateu o recorde de menos tempo de espera para subir aos altares: o Santo António. Nasceu a 15 de Agosto de 1195, morreu a 13 de Junho de 1231, e foi canonizado a 30 de Maio de 1232 (apenas 11 meses e meio após a morte!).

Se os processos de canonização merecem investigação demorada, para se poder fazer um estudo sério, peneirando muito bem a vida e os actos do candidato a santo, evitando santificar-se qualquer mafarrico, parece que com António de Lisboa e de Pádua, o crivo não foi necessário. Aquilo foi automático: morreu, santificou! Parece que se criou aí o verdadeiro Simplex, mais tarde adoptado por José Sócrates!

A vida de Santo António tem um caso curioso entre os muitos casos curiosos que lhe permitiram ascender ao altar das igrejas num abrir e fechar de olhos. Numa viagem marítima pelo Mediterrâneo, fazendo o trajecto Marrocos – Lisboa, uma tempestade naufragou a embarcação e o náufrago António foi ter a Itália. Se fosse hoje, o governo da Direita de Giuseppe Conte não seria hospitaleiro e devolvia-o à sua terra. Em consequência não haveria dúvida de que o santo António era mesmo de Lisboa, porque nunca lhe permitiriam pôr os pés em Pádua!

Uma outra santinha que viu Maria, a mãe de Jesus, numa gruta de Lourdes (França) em 1858, foi Bernardette Soubirous, menina de 13 anos, pastora e filha de moleiro pobre. Teve mais 18 visões da senhora de branco vestida, viveu até aos 35 anos, e 34 anos depois (1933), foi canonizada.

Parece que a mãe de Jesus é uma senhora pouco recatada! Quase todos os anos, e desde a Alta Idade Média, há quem a veja por aí, a aparecer inopinadamente em tudo quanto é sítio… mas nem em todos os sítios a levam a sério. Se o fizessem, havia mais santas com o nome de Maria, do que moscas!

A história de Bernardette serviu de matriz para a fabricação das aparições de Fátima, e a principal protagonista, Lúcia, que morreu em 2005, já tem o processo de santificação a correr, e é bem capaz de ganhar a Bernardette no tempo de espera para trepar aos altares. Isto agora, com as novas técnicas, é uma fervurinha…

(Artigo de Onofre Varela a ser publicado no jornal Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 25 de Julho de 2019)

20 de Julho, 2019 Carlos Esperança

50.º aniversário da chegada do homem à Lua

Nesse dia estava em Malapísia, algures no Niassa, Norte de Moçambique, e recordo as manifestações de júbilo, na dolorosa guerra colonial, empolgados com o relato que entre ruídos nos chegava através de um rádio a pilhas. Foi uma gesta heroica da Humanidade e um salto enorme da ciência.
Em homenagem à ciência, por contraste, deixo uma crónica sobre o obscurantismo.

Vaticano – A indústria dos milagres (Crónica ímpia)

Na ânsia de fabricar milagres, JP2 e B16 convocaram centenas de defuntos, sepultados em zonas de confiança ideológica da ICAR, para curarem uma criança aqui, uma freira acolá, um médico noutro sítio, enfim, uma quantidade enorme de doentes estropiados por Deus. A boa vontade dos defuntos, em péssimo estado de conservação, aliviou alguns cristãos das moléstias enviadas pela divina providência, na sua infinita bondade.

O exercício da medicina tem sido o passatempo desses bem-aventurados, há muito desaparecidos, cristãos com pecados apagados pelo tempo e virtudes avivadas pelos Papas. No laboratório do Vaticano autenticam-se certificados de garantia para os milagres e criam-se novos beatos e santos que povoam a folha oficial do bairro de 44 hectares.

Antigamente era o próprio Cristo que se deslocava à Terra para ajudar a ganhar batalhas aos seus eleitos ou que aconselhava os cristãos sobre a forma de matarem os infiéis com mais eficácia. Depois de numerosos desaires, ou porque a idade e o reumático lhe limitaram as deslocações, Deus deixou ao Papa a tarefa de engendrar os milagres mais adequados à promoção da fé e estupefação dos crentes. Os dois últimos pontificados abandonaram o método artesanal de fazer um santo aqui outro acolá, de acordo com os interesses políticos do Vaticano e as oferendas dos países favorecidos, para ao fabrico industrial.

As curas de cancros foram, durante muito tempo, as preferidas da Cúria romana. Problemas de ossos, moléstias da pele, diabetes, paralisias e outras doenças fazem parte do cardápio da santidade. Mas, com tanta clientela para elevar aos altares, o Vaticano já chegou ao ponto de deixar para um imperador (Carlos I da Áustria) a cura de varizes a uma freira. Foi uma ofensa aos quatro filhos vivos que assistiram à beatificação. Se para um imperador o milagre se reduziu à cura de varizes, temia-se que quando JP2 fosse um sólido defunto, só dispusesse de um furúnculo para curar, numa catequista da Polónia, para chegar a santo, pois não podia repetir o número da cura do Parkinson na freira francesa. Vá lá, a Cúria foi zelosa e creditou-lhe a cura de um aneurisma cerebral a uma mulher costa-riquenha, Floribeth Mora, milagre mais difícil, digno de um profissional. E foi já com os dois milagres obrados e reconhecidos pelas autoridades competentes que o Papa Francisco o elevou a santo.

Os medicamentos estragaram os milagres de grande efeito, como a cura da lepra, por exemplo. Há milagres que o Vaticano não arrisca – hemorroidas, por causa do sítio, e a sífilis, a blenorragia, a SIDA e outras moléstias para castigar os pecadores.

Mas há enganos que há muito deixou de cometer, canonizar por engano um cão que julgava mártir, ou uma parelha de mulas que morreram de exaustão e que a ICAR pensou tratar-se de santas mulheres que sacrificaram a vida pelo divino mestre.

Os milagres são cada vez mais rascas, mas os dados biográficos dos que os obram são cada vez melhor escrutinados.

Só a ciência avança.

20 de Julho, 2019 Carlos Esperança

«Femmes contre l’islamisation» — O comprimento da saia_2

A fonte do cartaz sobre o comprimento das saias provém de um grupo próximo do Vlaams Belang, a extrema-direita flamenga. A campanha foi retirada depois de uma ação judicial.

Dada esta informação aos leitores, recebida de uma pessoa amiga, cosmopolita e culta, radicada em França, por elementar obrigação ética, fica para motivo de reflexão o meu apoio ao referido cartaz.

O monopólio do combate ao fascismo islâmico não pode ser monopólio do fascismo de outra religião qualquer ou do ateísmo. A discriminação da mulher é sempre uma forma de fascismo que atinge o auge na demência no islamismo sunita wahabista, defensor do terrorismo e autor dos maiores atropelos aos direitos individuais e ao livre-pensamento.

Nunca me deixei afetar pela infame mentira de que Hitler era de esquerda (nacional socialista) e ateu, apoiado pela hierarquia católica e protestante, tal como Mussolini, que só não é acusado de ser ateu, porque o Vaticano o designou ‘enviado da Providência’ e lhe deveu a criação do Estado da Santa Sé e a obrigatoriedade do ensino da religião católica nas escolas. Também não é agora, pelo facto de ser a extrema-direita a fazer a denúncia do que ela própria também é capaz de fazer, que vou coibir-me do combate ao obscurantismo religioso e da defesa intransigente da laicidade do Estado.

Cumprida a obrigação de honestidade para com os leitores, continuarei a denunciar os bispos espanhóis franquistas, o clero sul-americano fascista, o budismo anti-islâmico da Birmânia e o hinduísmo nacionalista indiano e as Igrejas evangélicas, do mesmo modo que combateria o ateísmo de Estado de Enver Hoxha, na Albânia, único país onde o ateísmo de Estado vigorou.

Não podemos estar reféns do medo do apodo de racistas ou xenófobos quando devemos aos direitos da mulher, à democracia e ao livre-pensamento o combate ideológico que temos obrigação de travar.

Pela minha parte, continuarei a defender a liberdade religiosa, direito inalienável, com a veemência com que combato as crenças e desmascaro preconceitos com que a alegada vontade divina se opõe à felicidade e aos direitos humanos.

https://www.publico.pt/2013/10/15/mundo/noticia/louboutin-consegue-impedir-campanha-da-extremadireita-belga-1609075?fbclid=IwAR1tZG6lhQxkgp8mkTSBQBY4hG6EL1GpItMPCw0aFmQLKz1HXrxwxlXqqGM