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Carlos Esperança

11 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

Escola de Felgueiras continua no Estado Novo.

Por

ONOFRE VARELA

As nossas escolas do Estadocontam com a disciplina de Educação MoralReligiosa e Católica (EMRC) com a característica de “disciplina opcional”. Pela lei, não há obrigatoriedade da sua frequência no respeito pela liberdade religiosa de cada um. 

Segundo o Ministério da Educação, a disciplina de EMRC também não é uma alternativa à Catequese. Pretende-se, com ela, ajudar os alunos cristãos a “um momento de aprofundamento da visão cristã da vida” e, aos não cristãos, proporcionar o contacto com o Cristianismo como fenómeno cultural e ajudá-los a definirem-se, “sem exercer qualquer acção condicionadora das suas escolhas”.

Parece que a existência da disciplina de EMRC está bem definida por lei, mas uma notícia divulgada pelo Jornal de Notícias na primeira semana deste mês de Novembro, demonstra que há professores de EMRC que não sabem disso e actuam de um modo desusado no nosso regime democrático contrariando a lei, tomando atitudes do tempo “A Bem da Nação”!

Os encarregados de Educação dos alunos do Centro Escolar de Torrados, em Felgueiras, foram avisados pela escola de que os educandos tinham de frequentar as aulas de EMRC, sob pena de as faltas serem comunicadas à Igreja Católica e as crianças ficarem impedidas de frequentar a catequese, ir à comunhão, ou, mesmo, entrar na igreja. A circular, enviada pelo coordenador do Centro Escolar, Arménio Rodrigues, diz que “no acto da matrícula foi feita a escolha para a frequência da disciplina”. À décima falta o aluno reprova e será feita comunicação mensal “à base de dados da Igreja Católica Portuguesa”. Ameaça, ainda, que isso pode trazer consequências e os alunos correm o risco de lhes ser barrado o acesso aos vários serviços da Igreja como, por exemplo, “a frequência da catequese, baptizados, primeira comunhão e outras celebrações, bem como não poderem entrar em qualquer igreja católica portuguesa”.

O JN tentou ouvir o coordenador da escola, mas sem sucesso, e o Agrupamento de Escolas Dr. Machado de Matos – Felgueiras, limitou-se a confirmar a existência do comunicado. O Ministério da Educação, por seu lado, diz que desconhecia este “documento que não tem qualquer cabimento”. A Diocese do Porto só teve conhecimento do caso pelo jornal, e afirma que “o que é dito não espelha nenhuma orientação da Igreja. A informação é errada e a própria legislação não o permite”.

Enquanto ateu, eu podia demonstrar contentamento por esta atitude que afugenta crentes e alarga mais a distância entre o Povo e a Igreja transformada em condomínio fechado… mas, ao contrário, fico triste por saber que exerce a actividade de professor quem não devia passar de cantoneiro… e na actividade de cantoneiro, certamente, haverá muitos e bons professores desaproveitados…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

9 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

Associação Ateísta Portuguesa (AAP)

Exmo. Senhor Ministro da Educação

                                                           Prof. Dr. Tiago Brandão Rodrigues

                                                           [email protected]

                                                           LISBOA

Assunto: Nova reclamação.

CC: Comissão da Liberdade Religiosa; Grupos Parlamentares.

Anexos: Missiva devidamente formatada; menc.png (imagem do aviso em questão).

Excelência,

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) assiste com perplexidade ao proselitismo de escolas públicas, na evangelização católica, que parece transformá-las em sacristias.

Ora se pune uma docente que recusa assistir a missas e outras cerimónias pias que as escolas decidem integrar nas suas atividades, ora se exerce coação sobre os alunos e os encarregados de educação, se recusarem as aulas de religião católica na escola, que deve ser laica.

«Os encarregados de educação dos alunos do Centro Escolar de Torrados, em Felgueiras, foram avisados, na semana passada, pela escola, de que os educandos tinham de frequentar as aulas de Educação Moral Religiosa e Católica sob pena de as faltas serem comunicadas à Igreja Católica.»

Este é o mais grave atropelo à ética republicana e à letra e espírito da CRP, onde o coordenador do Centro Escolar, Arménio Rodrigues, ameaçou que comunicaria as faltas (à décima o aluno reprova) «mensalmente à base de dados da Igreja Católica Portuguesa», e que isso poderia vir a trazer consequências como «o risco de lhes [alunos] ser barrado o acesso aos vários serviços da Igreja, como por exemplo a frequência da catequese, batizados, primeira comunhão e outras celebrações, bem como não poder entrar em qualquer igreja católica portuguesa».

Perante a gravidade da conduta de um responsável pela neutralidade religiosa da escola, a AAP apela para que seja imediatamente suspenso de funções diretivas o coordenador Américo Rodrigues, que lhe seja instaurado o respetivo processo disciplinar e que os encarregados de educação sejam rapidamente tranquilizados a respeito da liberdade religiosa que lhes assiste, garantindo-lhes que, em qualquer altura, lhes seja permitida a renúncia à aula de religião e que, em nenhum caso, a escola denunciará à base de dados da Igreja católica portuguesa, quem frequenta ou não a disciplina de EMRC.

A ameaça de que «(…) há [sic.] falta 10 o(a) aluno(a) reprova de ano.», é inadmissível. A AAP não se pronuncia sobre a ortografia e a qualidade literária do aviso que segue em anexo, mas fica extremamente preocupada com o ataque pio à laicidade e à liberdade religiosa.

Aguardando que a legalidade seja rapidamente reposta,

Pedimos que mande comunicar a esta Associação as medidas tomadas para responder às sucessivas reclamações que chegam à AAP.

Atenciosamente,

a) (Presidente da Direção)

Atenção à 6.ª linha «há [sic] falta 10.
7 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

O ateísmo e o deus de cada um

Às vezes, por ironia, provocação ou humor, dizem-me: você é ateu, graças a Deus. E é um facto, contrariamente ao que julgam.

Tal como o anticlericalismo só existe porque há clericalismo, também o ateísmo é fruto do ser imaginário que os homens criaram para ser a explicação por defeito para tudo o que desconhecem, a boia de salvação para todas as aflições e a esperança que resta para o que não tem remédio –, a própria vida e o seu fim.

Sem teísmo não existiria ateísmo. O primeiro é a tese, o segundo a antítese. A dialética entre um e outro levam ao livre-pensamento. Há quem cristalize numa religião, a que se habituou desde a nascença, e quem se interrogue sobre a verosimilhança das verdades que as religiões consideram imutáveis.

A crença é tão legítima como a descrença ou a anticrença. Grave é quando alguma delas produz um efeito nefasto e atenta contra os direitos humanos. Não há mal em acreditar que existe o Abominável Homem das Neves, o monstro de Loch Ness ou as adoráveis sereias, havendo no último caso testemunhos de pessoas tão credíveis como Cristóvão Colombo, que afirmou tê-las avistado nas costas da América.

Estes exemplos, que hoje merecem apenas sorrisos, não são menos incoerentes do que o nascimento de um deus, de uma virgem e de uma pomba, e, no último caso, a descrença provoca o ódio, a violência e, quiçá, a morte. O que pode levar pessoas normais a odiar a dúvida religiosa e a tolerar a descrença sobre as vacinas ou sobre uma lei da Física?

Só um processo de fanatização, apoiado por um forte dispositivo ideológico e um forte aparelho repressivo, onde não faltam os constrangimentos sociais, pode perpetuar uma ideologia patriarcal, nascida na Idade do Bronze, numa cultura tribal e xenófoba.

Depois…bem, depois os interesses criados tendem a perpetuar-se.

3 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

Lei do divórcio

Há 109 anos foi decretada a primeira lei do divórcio, logo publicada no dia seguinte, no Diário do Governo n.º 26, de 4/11/1910, pág. 282.

O decreto de 3 de novembro decidiu no seu Artigo 1.º que o casamento se dissolve:

1.º – Pela morte de um dos cônjuges;
2.º – Pelo divórcio.

O segundo ponto foi o avanço civilizacional que agitou mitras, báculos e sotainas. Sob as tonsuras ferveram raivas e rangeram dentes, enquanto a acidez gástrica aumentava e o ódio à República crescia.

«Marido e mulher terão desde então o mesmo tratamento legal, quanto aos motivos de divórcio e aos direitos sobre os filhos».

Não bastava o divórcio pôr em causa a ordem divina interpretada pelo clero, veio ainda a igualdade de género a contrariar preceitos pios que a Igreja defendia há séculos.

A paz e a ordem voltariam com Salazar, graças à Concordata, que eliminou a ofensa ao sacramento do matrimónio e satisfez os celibatários avençados do divino.

Viva a República!

1 de Novembro, 2019 Carlos Esperança

O terramoto de 1755 – 1 de novembro

Quando Lisboa perdeu quase um terço da população, no Dia de Todos os Santos, e com as casas ruíram as igrejas e o fogo consumiu grande parte do seu património, foi difícil aos padres explicar a ira do seu Deus e sustentar que os suspeitos do costume eram os autores do mau feitio divino contra a capital de um país devoto.

Até aí a ira de Deus era a única explicação para catástrofes, tão natural como as causas de a raiva serem os pecados, os judeus e o défice de orações.

A comoção espalhou-se pela Europa, Voltaire ridicularizou a teodiceia de Leibniz e a fé deu lugar à ciência, enquanto o Marquês de Pombal mandou enterrar os mortos e cuidar dos vivos.

A tragédia influenciou numerosos pensadores e impulsionou o Iluminismo.

Um ano depois tinham-se apagado os vestígios da catástrofe e os primeiros edifícios, a nível mundial, construídos com proteção antissísmica, nasceram na Baixa Pombalina.

28 de Outubro, 2019 Carlos Esperança

A tortura das mulheres e a fé

A mutilação genital feminina não é apenas uma crueldade inqualificável, é uma mistura de religião e tribalismo, um ato de demência religiosa que vê no prazer da mulher uma fonte de imoralidade.

No cristianismo a sexualidade feminina é uma abominação que Agostinho condenou quando a idade e o múnus o fizeram o casto. No islão é uma ofensa ao profeta, que os mullahs vigiam, e um perigo que as madraças e mesquitas se encarregam de erradicar.

No mundo muçulmano, onde a Idade Média floresce nas teocracias que embrutecem e constrangem socialmente, todas as sevícias e atos de crueldade contra as mulheres são formas de perpetuação do poder clerical e do carácter misógino do Corão.

Nos países cristãos a mesma demência, contida pela secularização, é uma herança da cultura judaico-cristã, a obsessão do clero e o desatino retrógrado dos dignitários.

Nos EUA o presidente Bush, em demência homofóbica, quis a revisão da Constituição para que os casamentos homossexuais fossem interditos.

No Vaticano, ínica teocracia europeia, o ditador resignatário ordenou aos sicários que lhe serviam de correia de transmissão, que defendessem a ortodoxia, que se opusessem à emancipação da mulher e lhe reprimissem a sexualidade, numa cruzada pela castidade e por aquilo que designava de bons costumes.

A ICAR levou o preconceito e a chantagem a qualquer lugar onde os direitos humanos fossem interpretados de igual forma para ambos os sexos. Nem o passado obsceno que guardam os muros do Vaticano morigeram os Papas.

O atual, conformado com a modernidade, pretendeu resgatar um passado que pode servir de mortalha à Igreja que dirige. Tem contra ele a máquina do Santo Ofício e o peso das mitras e sotainas, e já mudou alguma coisa para que sobreviva a Igreja e ele próprio. Mas falta mudar muito.

27 de Outubro, 2019 Carlos Esperança

Professora perseguida por respeitar a Laicidade

Por

ONOFRE VARELA

Na Ilha da Madeira, em Junho último, a educadora Isabel Teixeira, colocada na Escola EB1 PE de Ponta Delgada e Boaventura (Jardim de Infância e 1.º Ciclo), no concelho de S. Vicente, negou-se a participar, com os seus alunos, em actos puramente religiosos que nada têm a ver com a missão de uma professora ou educadora, e que contrariam a Constituição da República. Em consequência está a ser perseguida e desrespeitada pela directora da escola onde lecciona (Ana Cristina Moura Abreu), ela sim, confirmando-se os actos que lhe são imputados, desrespeitadora da lei da República, ditadora e prepotente, que não deve exercer o cargo que lhe foi confiado, por demonstrar falta de competência democrática para tal. Conhecedora do facto, a Associação Ateísta Portuguesa defende a razão da professora perseguida e enviou uma reclamação ao Ministério da Educação. Ei-la:

“A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) acaba de tomar conhecimento de uma situação insólita que, a ser verdadeira, representa uma iniquidade intolerável e uma grave ofensa à Constituição da República Portuguesa, à escola pública, à liberdade religiosa e à laicidade. Depois de um contacto prévio da visada com a AAP, um conhecido jornal nacional, edição de hoje [DN, 24/10/2019, edição on line], dá nota de que uma Educadora de infância foi penalizada por não ter participado numa actividade na igreja, ao recusar-se a receber aí o bispo católico; como antes já tinha recusado levar as crianças à missa, porque entende que não se deve misturar a escola com a religião. A educadora Isabel Teixeira acabou punida, e o termo é adequado, pela diretora da escola, Ana Cristina Abreu, por se ter recusado a participar nessa atividade em que os alunos estiveram presentes. É a própria diretora que especifica as razões da avaliação que a penaliza e que a AAP transcreve: «A docente de facto participou nos diferentes projetos propostos no Plano Anual de Atividades, mas recusou-se a participar em algumas atividades, [sic] propostas pela diretora/parceiros e aprovadas por maioria em conselho escolar. Exemplificando: saída do Pão por Deus à Câmara, desfile de Carnaval, receção ao Sr. Bispo no adro da igreja», especifica a diretora. As atividades propostas são já, no ponto de vista da AAP, claramente censuráveis e dignas da reclamação que ora faz a AAP, mas a punição, na avaliação, de quem cumpre o espírito e a letra da CRP é um ato discricionário e malévolo do foro disciplinar e indigno de quem tem responsabilidades educativas. Assim, a AAP pede que seja rapidamente reavaliada a docente punida e que a Diretora da Escola seja imediatamente suspensa e sujeita ao processo disciplinar que avalie a gravidade da sua conduta. Receosa do regresso aos tempos de Fátima, Futebol e Fado, a AAP considera ética e civicamente lamentável a promoção do ensino confessional por órgãos do Estado ou pelas escolas. Em defesa da ética republicana e do carácter laico do Estado, a Associação Ateísta Portuguesa solicita ao senhor ministro da Educação que se digne mandar averiguar eventuais ilícitos na matéria exposta e proceder em conformidade.Aguardando que V. Ex.ª se digne esclarecer esta Associação, apresentamos-lhe os nossos melhores cumprimentos”.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

24 de Outubro, 2019 Carlos Esperança

Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado e os direitos humanos

É sempre com uma ponta de comiseração que, nos meus passeios diários, pela cidade de Coimbra, observo o Carmelo onde a Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado ou, simplesmente, Irmã Lúcia, para os amigos, passou seis décadas de intensa clausura.

Saía apenas para votar na União Nacional quando as listas eram únicas, guardada por outras freiras, e, durante a democracia, de que a Virgem nunca lhe falou, para votar não se sabe onde. A estas saídas precárias acrescentou duas idas a Fátima, para ser exibida com dois Papas de turno, Paulo VI e João Paulo II, em distantes 13 de maio.

Já antes passara cerca de 25 anos enclausurada, primeiro no Porto, desde os 14 anos, por decisão do bispo de Leiria, para ser protegida de peregrinos e curiosos, no Colégio das Doroteias, antes de professar, como doroteia, em Tui, em 1928. Regressaria a Portugal em 1946 onde estagiou para carmelita, tendo professado três anos depois nessa rigorosa Ordem. Esteve ininterruptamente enclausurada quase 84 anos, tornando-se a mais antiga prisioneira do mundo.

Penso que a renúncia à liberdade é um direito da própria liberdade que, se Lúcia o fez de livre vontade, não merece qualquer reparo. Todavia, se foi coagida, houve da parte do Estado português um atentado, por omissão, não lhe garantindo direitos, liberdades e garantias que a Constituição consagra a todos os cidadãos portugueses.

O facto de estar convencida de que Salazar foi enviado pela Providência para governar Portugal, segundo confidenciou ao cardeal Cerejeira, que, por sua vez, o transmitiu ao ditador, leva à presunção de que precisaria de uma consulta médica especializada. Mais do que o prurido da sarna que a atormentou, as conversas com Cristo, em Tui, e a visita ao Inferno, posteriormente abolido sem efeitos retroativos, indiciam confusões mentais à espera de um acompanhamento médico. E o Estado não cumpriu o seu dever para com uma cidadã que já em criança via, enquanto guardava cabras, uma Virgem a saltitar de azinheira em azinheira e a pedir-lhe para rezar pela conversão da Rússia.

Dos três pastorinhos de que o clero se serviu, primeiro contra a República, e contra o comunismo, depois, a Irmã Lúcia foi a única que viu e ouviu a Senhora de Fátima, já que a Jacinta só ouvia e não via, e o Francisco não via nem ouvia. Esta singularidade merecia que o Estado a não tivesse abandonado e lhe levasse o apoio médico de que carecia. Nunca saberemos se Lúcia suportou de motu proprio o mais longo cativeiro de que há memória ou se foi vítima de cárcere privado para propaganda religiosa.

A liberdade é um bem que não pode ser deixado ao poder discricionário de quaisquer instituições privadas nem ao capricho exótico de um deus qualquer.