Há 515 anos, em 19 de abril, em Lisboa, uma multidão perseguiu, torturou e matou mais de 4000 judeus. O Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, nove anos depois da conversão forçada dos judeus em Portugal, resultou da acusação de serem a causa da seca, fome e peste que assolavam o país.
Em 1506 os judeus eram os suspeitos do costume e aos cristãos-novos nem a conversão forçada lhes trazia a paz. A sua perseguição era uma tradição que a intensa devoção dos católicos exigia e os padres estimulavam.
Depois viria a Inquisição, para dar cobertura legal às fogueiras purificadoras, e reunir hereges, bruxas, sacrílegos, apóstatas e outros inimigos da fé na incineração dedicada.
Os livres-pensadores duvidam do mau-olhado, da feitiçaria e outros truques, e defendem a laicidade com a mesma tenacidade com que os devotos queimavam hereges. Perdeu-se a tradição ibérica que os reis de Espanha, Fernando e Isabel, cultivaram e impuseram a D. Manuel I. Ficaram na História, conhecidos por Reis Católicos, muito devotos à Igreja e alérgicos ao banho, que abominavam.
Hoje, apesar dos milagres que já obraram e do desejo de franquistas em canonizá-los, os papas têm resistido em reconhecer-lhes os milagres e em elevá-los à santidade.
Já não há devoções como antigamente, e a chaga da laicidade anda aí para perdição das almas e azedume dos católicos integristas, talibãs de Cristo-Rei, que gostam de levar as missas e orações aos hospitais, presídios, universidades, escolas e repartições públicas.
As Cruzadas foram a apoteose da fé, a Evangelização um momento alto do proselitismo e a Santa Inquisição um tribunal cujos métodos revelaram o desvelo dos inquisidores e a força da fé.
Razão tinha a Santa Sé em não aceitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, essa criação de ateus, livres-pensadores e outros malfeitores que impõem a igualdade de direitos para homens e mulheres, ao arrepio dos livros sagrados.
O historiador Augusto José Monteiro, generoso amigo, enviou-me, para usar como me aprouvesse, uma história autêntica, extraída de um livrinho de 2007: “Lendas, contos e tradições do Alto Tâmega e Barroso”.
Aqui fica, na nudez da narração, à guisa de exórdio da crónica, a deliciosa história que o investigador exumou, a explicar a origem da devoção popular a uma santa, em Coimbró, aldeia perto de Boticas (Chaves):
«Os três santos de Coimbró
“Coimbró tinha como padroeiro São Sebastião. Só que era um santo muito pequenino, o que não agradava aos moradores da aldeia. Então um dia em que andavam zangados com Santa Marta, que era grande, disseram:
– Deixa, que nós vamos comprar um São Sebastião grande e vamos pô-lo no altar de Santa Marta.
Juntaram então dinheiro, com um peditório pela aldeia, e compraram um São Sebastião grande. Puseram-no no lugar de Santa Marta que foi para o lugar do São Sebastião pequeno.
Depois puseram-se a pensar o que haviam de fazer com o São Sebastião pequenino. Não iam ficar com dois santos iguais. E é então que um dos habitantes propõe:
– Não há problema nenhum. Capamos o São Sebastião pequenino e fazemos dele uma Santa Quitéria. E ficamos assim com três santos diferentes.
Meu dito, meu feito. Nasceu então uma Santa Quitéria, que é uma santa pequenina que existe numa capelinha situada num monte próximo de Coimbró”».
Esta é a história que acrescentou uma santa à devoção da aldeia que hoje, por economia de meios, faz uma festa, com procissão, em 13 de agosto, a Santo Amaro e Nossa Senhora da Saúde, duas homenagens numa única manifestação de fé, mantendo as orações a Santa Quitéria, talvez esmorecida já a excitação pelo mártir S. Sebastião.
Coimbró criou a devoção a uma das nove irmãs gémeas, cujos estudos hagiográficos a situam no século II como jovem mártir, filha de um nobre pagão, que começou a obrar milagres e a ser venerada no séc. VIII, ainda que o martírio só aparecesse referido, pela primeira vez, no séc. XII, com direito a inscrição no Martirológio Romano, depois de citada em dois Flos Sanctorum, graças ao empenho dos jesuítas e à provada eficácia da defunta donzela como advogada de defesa contra a raiva.
Nascida da remoção testicular do mártir trespassado de setas, Coimbró passou a venerar dois mártires, grande o varão e pequena a donzela, como mandou a fé e a anatomia dos géneros, num contexto a que não foi alheia a exaltada devoção a S. Sebastião.
Não foi maldade ao santo que tanto os fascinava, foi o horror ao desperdício da imagem pia, adicionado à dimensão da fé, onde sobra sempre lugar para mais uma devoção.
Esta história é uma deliciosa metáfora da religiosidade medieval dos meios rurais onde a ingenuidade e o apego ao divino seguiam a gestão criteriosa dos parcos haveres.
Coimbró foi buscar ao «Martirológio» – rol da Igreja católica que arrola todos os santos e beatos declarados desde o início da ICAR –, mais uma santa, enquanto centenas de povoações viram, em meados do século XX, exonerada Santa Filomena que cancelou festas, amargurou multidões de devotos e infligiu, na fé, feridas profundas que a benevolente reintegração da santa, recriada pelo papa João Paulo II, nunca cicatrizou.
Santa Quitéria é uma santa que resiste, ao contrário de S. Victor que, já neste século, foi exonerado, pela diocese de Braga, de patrono da paróquia e freguesia com o seu nome.
No séc. IV, o jovem Victor, segundo a tradição, fora condenado à morte por se recusar a participar numa cerimónia pagã, crime e castigo desmentidos dezasseis séculos depois, para amargura de 30 mil almas! Que importava a pequena mentira, em 2004, à diocese e à religião onde sobram prodígios?
Pelo sofrimento dos crentes da freguesia e paróquia de S. Victor, é fácil concluir o que padeceram os franceses quando o culto a S. Guinefort, cão e mártir, injustamente morto pelo dono, foi proibido, e o santo apeado dos altares e arrasado o templo em sua honra, por ser a santidade reservada a humanos, com Roma indiferente à tradição e ao martírio do quadrúpede.
De sinal contrário, foi o júbilo dos devotos de S. Sebastião, convictos de que a santidade se mede aos palmos, a ampliarem o taumaturgo que mais os atraía e a adicionarem uma peanha para Santa Quitéria, exposta à veneração dos paroquianos de Coimbró.
Eram assim as decisões expeditas em Terras do Barroso, muito semelhantes em todo o norte do País onde a fé criou raízes profundas e a os crentes nunca abdicaram de a gerir segundo os padrões profanos.
Coimbra, 17 de abril de 2021
Não se percebe o interesse, a urgência e as motivações das primeiras visitas do segundo mandato do PR a dois Estados monárquicos, um imposto pelo genocida Franco, e outro criado pelo ditador fascista Mussolini, nos Acordos de Latrão.
Sendo a política externa competência exclusiva do Governo, fica-se ainda mais perplexo com o tropismo irrefreável que o levou a uma monarquia em crise e à teocracia católica.
Sendo Portugal um país laico, o PR e os outros órgãos de soberania têm a obrigação de se comportar com absoluta neutralidade religiosa. Oficialmente não podem ser ateus ou crentes, céticos ou livres-pensadores, para poderem respeitar e defender todas as crenças e anti crenças.
Pode o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, devorado pela fé, ansioso de se abastecer de um carregamento de indulgências, não resistir aos apelos da salvação da alma, mas não pode o PR, a expensas do Estado, sufragar eventuais pecados e aplainar os caminhos do Céu através do testemunho público da sua confissão particular, ferindo a dignidade da República laica e democrática de que é a máxima referência simbólica.
O PR não pode deixar-se levar pelo crente Marcelo sob pena de se genufletir perante um outro chefe de Estado e prestar-lhe vassalagem num ato que não dignifica a República laica e democrática a que tem a honra de presidir.
Em período de confinamento, não deu um passeio higiénico, fez um voo emocional ao encontro do CEO da multinacional da fé de que é exuberante praticante.
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Uma comissão extraordinária da Assembleia Nacional da França aprovou a “carta de valores republicanos”, proposta em 2 de outubro de 2020 pelo presidente Macron para combater o “separatismo islâmico”. As organizações do Conselho de Culto Islâmico da França (CFCM) denunciaram a “carta de princípios”, reiterando a coexistência do Islão com as outras religiões no país.
De facto, o Islão coexiste com as outras religiões, em França, o que não acontece nos países onde é maioritário e, mesmo em França, não coexiste com o respeito pelas leis da República, igualdade de sexos e civilização.
O Governo francês apresentou o projeto ao Conselho de Ministros a 9 de dezembro, no dia do 115.º aniversário da lei de 1905 que instituiu a liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado, em França.
Submetido à Assembleia Nacional da França foi largamente aprovado, apesar de críticas por discriminar a comunidade islâmica e impor restrições arbitrárias à vida quotidiana de cidadãos islâmicos. O texto, que reafirma o “respeito pelos valores da República”, teve 347 votos a favor, 151 contra e 65 abstenções, e, a partir de 30 de março, prossegue o seu processo no Senado.
A nova lei autoriza a intervenção e invasão a mesquitas e associações responsáveis pela administração, além de controlar as finanças de entidades e organizações não-governamentais pertencentes a muçulmanos. Em 2004 já a lei proibiu o uso ou exibição pública de símbolos religiosos nas escolas francesas, e proscreveu o ensino doméstico.
Qualquer das leis não é dirigida ao Islão, visa a defesa da República e da laicidade, uma resposta à apropriação do espaço público por manifestações pias, e a defesa da cidadania contra o comunitarismo.
Depois do Senado, serão os deputados da Assembleia Nacional a ter a última palavra sobre qualquer emenda. Tudo leva a crer que entrará brevemente em vigor.
O Partido Socialista Francês (social-democrata) considera uma abordagem repressiva a nova lei, e o grupo esquerdista ‘La France Insoumise’ que estigmatiza os muçulmanos. É essa cobardia, na procura de votos em autarquias de grande densidade de muçulmanos que leva à defesa do multiculturalismo contra a cidadania, à indiferença perante o apelo ao ódio em madraças e mesquitas onde se recrutam crentes para a Jihad.
A lei impõe neutralidade religiosa aos trabalhadores dos serviços públicos, protege-os de pressões radicais, e condiciona a concessão de subsídios públicos ao respeito dos valores republicanos, como o secularismo e a igualdade de género, às associações que os solicitam. Haverá aqui qualquer exigência antidemocrática?
Esta lei impede que as regras religiosas se sobreponham à legislação nacional e defende a penalização da emissão dos certificados de virgindade e o reforço de controlos contra casamentos forçados que, já proibidos, afetam atualmente cerca de 200.000 mulheres, de acordo com os números das organizações não-governamentais. Esta lei é injusta?
A decapitação, em 16 de outubro, do professor de liceu Samuel Paty, depois de ter mostrado caricaturas de Maomé nas aulas, o ataque ao Charlie Hebdo, o ataque de Nice, o massacre dos jornalistas do Charli Hebdo e numerosos assassinatos ao som do grito selvagem Allahu Akbar (Deus é grande), não são alheios a esta necessidade legislativa, assim como o facto de, desde 2014, 1.500 franceses aderirem ao Estado Islâmico na Síria e Iraque.
Há quem deixe para os fascistas o monopólio da luta contra o fascismo islâmico, a favor do fascismo católico ou protestante, quem minimize o perigo para a paz, a democracia e a civilização, ao permitir que as investidas beatas de qualquer religião contra a laicidade do Estado democrático.
O título deste texto, que não consegui mais curto, é enganador. A lei em que me revejo não é contra os muçulmanos, geralmente as maiores vítimas da fé que os envenena, é a favor da República e da laicidade, assumindo a superioridade dos valores civilizacionais sobre a vontade divina interpretada pelo seu clero, de diversas religiões.
Todos somos ateus em relação aos deuses dos outros. Os ateus só o são em relação a mais 1.
Fontes: Jornais franceses, espanhóis e portugueses.
As pagelas que começaram a circular em Portugal no pós-guerra, guerra de que o Diabo terá sido responsável, atribuem à intervenção de Cristo a paz que imperou em Portugal, embora outras pagelas de igual proveniência a atribuam a Salazar.
Fosse de quem fosse o mérito, embora do primeiro se esperasse que tivesse evitado a guerra, o que admira são os títulos nobiliárquicos atribuídos pelo mais alto empregado de Deus, o cardeal Cerejeira, à família celeste.
Desde Cristo-Rei à Rainha dos Portugueses, esta a Senhora da Conceição, um de muitos heterónimos dados à mãe do primeiro, é de harmonia monárquica que se fala em plena ditadura, onde a Pide era mais expedita a manter a paz do que a família real celeste.
O comovedor pedido das criancinhas de Portugal, para que fosse erguido o monumento a Cristo-Rei, não surpreendeu quem as sabia pouco assíduas na escola, mas devotas da catequese. O que surpreende, ainda hoje, é o Cristo-Rei, vestido de Menino Jesus e com carácter reivindicativo, a afirmar categoricamente “Eu é que livrei Portugal da Guerra” e a exigir, de forma autoritária, pouco adequada à ternura que lhe está associada, “Quero o Monumento que Portugal me prometeu em troca”.
Esta linguagem parece mais própria do cardeal Cerejeira do que de crianças cuja oração, ‘indulgenciada com 100 dias’ pelo referido prelado, pedia à Senhora da Conceição, apelidada de Rainha dos Portugueses: “Fazei que Portugal erga depressa o Monumento a Cristo-Rei”, pressa que pode ter sido trágica para a estética, e reconfortante para a fé.
Ámen!
O pior que algumas religiões encerram é o seu proselitismo. Não lhes bastam os crentes próprios, exigem a conversão dos alheios ou a sua eliminação. A evangelização cristã é hoje, felizmente, uma tara acalmada com a repressão política sobre o clero. Abandonou há muito os métodos cruéis de evangelização que usou em vários continentes e, de forma particularmente violenta, na América do Sul.
Na Europa , a paz de Vestefália, pôs fim à sangrenta Guerra dos 30 Anos e a Igreja católica só aceitou a liberdade religiosa na década de 60 do século passado, no concílio Vaticano II. O azedume de João Paulo II e de Bento XVI apenas fez mal aos próprios e foi irrelevante para a liberdade religiosa europeia onde o secularização dos países tornou impensável qualquer perseguição.
O Islão, pelo contrário, na cópia grosseira do cristianismo introduziu a guerra como um instrumento de contágio e submissão, agravado pela decadência da civilização árabe e o ressentimento dos crimes de que foi alvo por países saqueadores de matérias primas, em especial o petróleo.É incontestável que os crentes não são piores nem melhores do que os não crentes mas ninguém faz o mal com tanto entusiasmo e satisfação como os que são movidos pela fé.
Não é inocentando os crimes sectários das religiões que se estabelece um modus vivendi num mundo onde as diferenças deviam ser fatores de enriquecimento e não motivos de conflito.
Quando os crentes se convencerem de que as suas religiões refletem as formas de pensar da época em que surgiram e não palavras ditas por um ser ilusório, sem aparelho fónico, podem cumprir os preceitos que se habituaram a observar, desde crianças, e deixar no templo a obsessão de submeter os outros às suas próprias convicções.
Ao proselitismo não se podem tolerar outras armas para além da palavra e do exemplo e as armas devem ser banidas da evangelização. As democracias, por mais que sangrem, não podem ultrapassar os limites do Estado de Direito contra o terrorismo, sob pena de perdermos o Estado e o direito e ficarmos apenas reféns do terrorismo recíproco.
Pensava eu, em meu pensamento, que os milagres cientificamente comprovados no laboratório do Vaticano, no mínimo de dois, eram as provas académicas de acesso à santidade que, comparadas com o mundo profano, equivaleria o primeiro milagre ao mestrado e o segundo ao doutoramento.
Pensava ainda, em meu pensamento, que a canonização, sem numerus clausus, atribuiria um alvará para novos milagres, sendo os dois primeiros as provas de exame no apertado filtro da canonização que, com o defunto ausente, fariam da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos, a Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, com a dignidade de Prefeitura.
Compreende-se que os santos precisem de provas para poderem continuar no ramo dos milagres, sendo os primeiros obrados à experiência e os seguintes já com provimento definitivo. Isso justifica as alegadas exigências postas na comprovação científica dos prodígios pela Congregação oficial para não se repetir a exclusão do Livro dos Santos, como sucedeu a S. Guinefort que, apesar de mártir, foi exonerado quando se descobriu tratar-se de um cão e o templo, em sua honra, foi mandado arrasar pelo Papa de turno.Um santo, depois do alvará de canonização, tem direito a biografia no Livro dos Santos, acompanhada da oração dedicada ao mesmo, de uma imagem clássica e do patronato e dia consagrado dento do culto católico.
Não admira, pois, a exigência de três médicos que confirmem os milagres e a dificuldade acrescida dos defuntos em obrarem milagres de jeito, depois da evolução farmacológica e dos avanços médicos. Exceto na oncologia, os milagres andam agora pelas varizes, furúnculos, queimaduras, moléstias da pele e, às vezes, pela fisiatria. Acontecem sempre na área da medicina e nunca na economia, física ou matemática, isto é, a santidade está confinada a medicinas alternativas. Mas o que surpreende é a inércia dos santos reconhecidos e o frenesim dos candidatos. Lembro-me de que Nuno Álvares Pereira, depois da brilhante cura do olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe, e logo canonizado, nunca mais curou um simples furúnculo, hemorroides ou uma fratura do colo do fémur, o mesmo acontecendo com os milhares de canonizados dos três últimos pontificados.
A canonização, se a política da santidade se mantiver, deixa de ser o diploma para obrar milagres é passa a mero pergaminho com a jubilação assinada e com lacre do Vaticano.
A canonização de São João Paulo II veio dar razão a um adágio popular português que se aplicava às cadelas:
»Papas apressados parem santos cegos».
Não sabiam que o defensor e amigo de Pinochet protegia o silêncio sobre a pedofilia do clero.
Por
ONOFRE VARELA
A RTP2 mantém diariamente, ao princípio da tarde, o programa “A Fé dos Homens”, onde algumas das igrejas estabelecidas entre nós divulgam os seus recados religiosos, na conviccção de estar a prestar serviço público.
Confesso que não sei se serviço público é alimentar credos religiosos dando voz a quem vive da exploração da fé, ou se será, pelo contrário, mostrar a realidade da vida, do Homem e do mundo, sem fantasias, na procura de melhor formação científica para os cidadãos. Curiosamente a RTP não dá espaço idêntico a ateus!
No dia 31 de Julho, pelas 15 horas, o canal passou um episódio produzido pela “Aliança Evangélica Portuguesa”, dedicado a contar “super histórias bíblicas” dirigidas às crianças, à moda dos contos do Capuchinho Vermelho e dos Três Porquinhos. Com a coordenação, apresentação e pré-edição de Sara Narciso, os episódios foram posteriormente publicitados em pacote, como sendo “uma série especial de programas «Luz das Nações» para crianças, que passaram na RTP às 15h no espaço «Fé dos Homens», alegadamente como oportunidade excelente para se reviver as aventuras de grandes heróis da Bíblia, como Abraão, Moisés, Daniel na cova dos leões, entre muitas outras. Com grandes músicas e até palhaçadas”. Vi o programa. As músicas anunciadas não estavam lá. Mas as palhaçadas preencheram-no!
Começou com o sorriso e a voz angélica da apresentadora (os vigaristas também sorriem e falam maviosamente) que esqueceu o nariz vermelho no camarim, para dizer como se fosse coisa séria: “Vocês conhecem alguém muito chato, que se porta assim muito mal, rebelde e que não queira saber nada de Deus? Há pessoas assim meio tortas. Mas, sabes, Deus não desiste de ninguém”. E cantou apalhaçadamente: “Homenzinho torto, estrada torta, casa torta, encontrou a Bíblia e tudo o que era torto Jesus endireitou”. Lindo!…
A seguir, o seu camarada de programa e de crença, Daniel Barros, veio contar a história de S. Paulo na versão que à sua fé interessa, transformando Paulo num dos Três Porquinhos, precisamente o mais inteligente deles, como se fosse o João Ratão que conseguiu não cair no caldeirão!
Houve telespectadores que se sentiram incomodados com tais disparates apresentados por um serviço público, e queixaram-se ao Provedor do Telespectador, e a Associação Ateísta Portuguesa também lavrou o seu protesto, como lhe competia. Quando eu tive conhecimento do programa e da polémica, procurei-o na internet para o ver. Na verdade não se trata de nenhum programa didáctico, mas de pura fé. Não ensina quem foi Saulo, ou Paulo, nem o que o motivou a perseguir os cristãos e depois juntar-se a eles.
Enquanto programa de fé motivou-me riso e pena. Riso, pela palhaça apresentadora; e pena, por se incutir nas crianças, que eventualmente tenham visto o programa, a crença em vez da sabedoria. A Sara Narciso não sabe que os ateus sabem mais de Deus do que ela pensa saber, porque, na verdade, ela não sabe. Ela crê!… E crer não é saber.
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
O PR, Marcelo Rebelo de Sousa, e o PM, António Costa, assistiram, no último sábado, 14 p.p., a uma missa em memória das vítimas da pandemia da covid-19, em Fátima.
Surpreende que:
1 – O local da celebração da missa contribua para a sua maior eficácia;
2 – A presença do PR e do PM sejam úteis ao ato litúrgico;
3 – A Basílica da Santíssima Trindade seja mais apropriada do que qualquer capela;
4 – O bispo José Ornelas, presidente da CEP, esteja melhor relacionado com o Divino do que o padre de uma aldeia;
5 – Os defuntos da Covid-19 apreciem mais a missa do que os outros;
6 – Haja discriminação de defuntos, em função da patologia que levou à defunção, pelo PR e PM;
7 – Em tempo de pandemia, seja aceitável a deslocação do PR e do PM;
8 – A prática de uma crença particular mereça exibição pública;
9 – O Estado laico exponha os seus mais altos dignitários a piadas jacobinas;
10 – O exemplo seja recomendável e repetível.
No entanto, sem questionar a legitimidade canónica do PR para aceitar o ténue cilindro de pão ázimo que o bispo lhe entregou em mão, o técnico é o bispo, causa perplexidade o manuseamento de alimentos, sem luvas, antes de lavar as mãos.
O teletrabalho justificava-se por razões sanitárias.
A missa presencial foi um péssimo exemplo.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.