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Carlos Esperança

19 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Não usem esses argumentos

Estou farto de que me rebatam com as agressões imperialistas a países islâmicos, com o saque de que são vítimas, as malfeitorias dos EUA e de Israel, a cumplicidade europeia e muito mais, para tolerar uma ideologia totalitária e criminosa – o Islão político.

Tenho denunciado esses crimes, mas não os aceito como argumentos para um cómodo silêncio sobre o mais implacável dos monoteísmos e a sua demencial fúria prosélita.

Aliás, gosto da Constituição dos EUA e em Israel aprecio a igualdade de género que não existe em nenhuma outra teocracia, seja o Vaticano, a teocracia monástica ortodoxa do Monte Athos e as islâmicas e não preciso de censurar tais países para denunciar o perigo muçulmano.

Exijo a todas os devotos o respeito pela laicidade. Sei da História o suficiente para ter o dever de combater a influência das religiões nos aparelhos de Estado, num regresso em que o oportunismo dos políticos europeus trai a laicidade e compromete a democracia.

Há um maniqueísmo intolerável que leva pessoas de esquerda a conformarem-se com a deriva totalitária do Islão, leviandade e masoquismo de quem vê amigos nos inimigos dos seus inimigos e cala atrocidades contra inocentes, os tiques patriarcais, a violência tribal e a eterna humilhação da mulher.

O dever que a Europa tem de receber refugiados é incompatível com a condescendência no desprezo pelo seu ethos civilizacional. Os direitos humanos, a igualdade de género e a liberdade de expressão não podem ficar à mercê de idiossincrasias religiosas.

A Europa, depois de derramado demasiado sangue, conquistou o direito às crenças, não-crenças e anti-crenças, através da repressão ao clero. Não pode agora consentir crimes, chantagem ou violência de qualquer religião, sob pena de permitir retaliações de outras, autóctones, numa espiral de violência que foi apanágio de épocas passadas.

Proteger os crentes não é aceitar as crenças. O Islão político e os dignitários devem estar sob vigilância, para não sermos imolados, e, em vez de combatermos as crenças, sermos obrigados a enfrentar os crentes.

O ressurgimento de um catolicismo agressivo, ligado a partidos fascizantes, já anda aí a governar na Europa, em vários países, talvez vingando a indiferença com que deixamos bramir ulemás, xeques, mulás e outros marginais, contra os infiéis, na conceção desses trogloditas, homens e mulheres cosmopolitas e livres-pensadores. Nós.

17 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Embuste de Fátima

FOI “MILAGRE OU CONSTRUÇÃO”? FOI SEGURAMENTE UM EMBUSTE!
– opinião de Alfredo Barroso sustentada em factos

Declarações de várias testemunhas presentes na Cova da Iria, quer nas ‘aparições’ sucessivas, quer no famoso ‘milagre do Sol’ (que terá ocorrido em 13 de Outubro de 1918) terão “contribuído para a descrença de alguns que continuam a não acreditar nas crianças” – salienta a jornalista Patrícia Carvalho no seu livro “Fátima – Milagre ou Construção” (Porto Editora, 2017). É deste livro a transcrição que se segue.

ENTRE MUITAS OUTRAS POR ESSE MUNDO FORA, AQUI VÃO MAIS NOVE APARIÇÕES DA VIRGEM, QUE É POLIGLOTA E PLURIFORME…

Da esquerda para a direita e de cima para baixo:
– (1432-05-26) Nossa Senhora de Caravaggio, Itália;
– (1717-10-17) Nossa Senhora da Aparecida (Virgem Negra), Brasil;
– (1973-07-06) Nossa Senhora de Akita, Japão;
– (1251-07-16) Nossa Senhora do Carmo, Monte Carmelo, Israel;
– (1538) Nossa Senhora de Copacabana, lago Titicaca, Bolívia;
– (1858-02-11) Nossa Senhora de Lourdes, França;
– (983 e 1498) Nossa Senhora da Lapa, Portugal;
– (1531-12-09) Nossa Senhora de Guadalupe, México;
– (1846-09-19) Nossa Senhora de La Salete, França.
E a vencedora é… Nossa Senhora de Fátima, Portugal (1917-05-13).
Sou um patriota, que Diabo! – 
A.B.

EIS UM ‘TRÍPTICO DE FALSOS MILAGRES’: O DE LOURDES (1858), O DE FÁTIMA (1917) E, CLARO, O ‘FIA-TE NA VIRGEM, NÃO CORRAS E VERÁS’

TODOS OS ANOS PELO “13 DE MAIO” COMPRO UM BILHETE PARA O INFERNO, PARA IR HABITUANDO A ‘CARACAÇA’ À CREMAÇÃO…

16 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Humor

Dona de Cabaré processa Igreja no Ceará

Em Aquiraz, região metropolitana de Fortaleza, Tarsília Bezerra começou a construção de um anexo do seu cabaré, a fim de aumentar as suas “atividades”, em constante crescimento.

Em resposta, a igreja neopentecostal da localidade, iniciou uma forte campanha para bloquear a expansão, com sessões de oração, no seu templo, de manhã, à tarde e à noite.

Os trabalhos de construção e reforma continuaram até uma semana antes da reabertura, quando um raio atingiu o cabaré de Tarsília, incendiando as instalações elétricas e causando um incêndio que destruiu tudo.

Tarsília processou a Igreja, o pastor e toda a congregação, com o fundamento de que a Igreja “foi a responsável pelo fim de seu prédio e do seu negócio, seja através de ações ou meios de intervenção divina, direta ou indireta.”

Na resposta à ação, os demandados, designadamente a Igreja, negaram com veemência toda e qualquer responsabilidade ou ligação das suas orações com o fim do cabaré.

O juiz leu a reclamação da autora e a resposta dos réus e, ao iniciar a audiência, comentou:

-“Não sei como vou decidir neste caso, porquanto pelo que li até agora, tem-se:

– uma proprietária de bordel que acredita firmemente no poder das orações;

– e uma igreja inteira que pensa que as orações não valem nada”.

Nota – Se não é verdade é bem achada.

15 de Maio, 2020 Carlos Esperança

As inflação das relíquias e a sua cotação

A bolsa de valores pios sofreu, ao longo do tempo, uma lenta erosão, no que diz respeito às relíquias, que orgulhavam os donos e protegiam os domicílios onde jaziam.

Outrora, a exaltação das relíquias deu origem a um próspero negócio e à criação de uma indústria de contrafações cujos produtos rivalizavam com os verdadeiros, a obter graças e a obrar milagres.

Assim se distribuíram por paróquias uma dúzia de braços de S. Filipe, só ultrapassado por Santo André a quem arranjaram 17 para gáudio e devoção de crentes de um número igual de paróquias.

Às vezes eram bizarras as relíquias e não menos inspiradoras de piedade, como sucedeu com o rabo do burro que carregou a Virgem Maria, com a pena de uma asa do arcanjo Gabriel ou com as línguas do Menino Jesus. Mas era a piedade, a imensa piedade, e a raridade de peças genuínas no mercado da fé, que levou Santa Juliana a ter 40 cabeças dispersas, para piedosa contemplação dos crentes.

Nem vale a pena falar do Santo Prepúcio, relíquia comovedora, por ser do próprio Jesus Cristo. Dos vários que houve (prepúcios, porque JC foi único), apenas a um foi passado certificado de garantia e, depois, até esse foi declarado falso. Decidiram os cardeais que JC não poderia ter ressuscitado sem ele e, a partir daí, pairou a ameaça de excomunhão sobre os crentes que se lhe referissem, mesmo para os que tinham obtido graças por seu intermédio.

Enfim, as relíquias da ICAR, quase sempre macabras, pedaços de santos desidratados ou ossos mirrados, são hoje tão acessíveis que arruinaram o mercado das falsificações. Só os fragmentos de santos e beatos criados no pontificado de JP2 exigiriam armazéns imensos e uma rede de frio de enorme capacidade para as conservar. Seria mais cara a manutenção do que o valor da mercadoria. Três cabelos do já santo João Paulo II (JP2) chegaram à Madeira a custo zero.

Na primeira visita que fiz a Itália, em meados da década de 70 do século XX, saturei-me de relíquias e deslumbrei-me com a perfeição das pinturas e esculturas que decoravam magníficas catedrais onde várias vezes regressei, abstraído da fé, fascinado pela beleza.

Foi na primeira vez que, depois de numerosos ossos exibidos, a guia sujeitou o grupo a observar um esqueleto inteiro, em excelente estado de conservação, devido às virtudes que, em vida, exornaram o taumaturgo. Maiores do que as graças que concedia eram os exemplos de piedade que deixara. Era o orgulho da paróquia, uma localidade próxima de Nápoles, habitada por uma pequena comunidade que possuía uma igreja e relíquias a causar inveja a muitas cidades.

Estava a guia empolgada a falar das virtudes do santo, cujo esqueleto mostrava, quando alguém lhe perguntou de quem era um esqueleto pequeno que se encontrava próximo. Sem titubear, respondeu de imediato:

– Era do mesmo santo, quando jovem.

14 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Os transplantes, a ressurreição da carne, a vida eterna e o ámen

Há 65 anos (dezembro/1954) o cirurgião americano Joseph Murrey realizou o primeiro transplante humano, um rim doado por um irmão gémeo a outro que estava a morrer de doença renal. A generosidade fraternal foi compensada com mais de 8 anos de vida do irmão transplantado que constituiu família e havia de gerar duas filhas.

Os crentes mais devotos de então consideraram tratar-se de uma profanação do corpo e que os médicos se imiscuíram numa prerrogativa de Deus. Nesse dia os homens deram mais um pequeno passo na sua emancipação e Deus um enorme trambolhão.

O êxito da operação foi uma vitória sobre a omnipotência e a omnisciência divinas cuja credibilidade sofreu um rude golpe. Desde então, milhares de vidas foram prolongadas, graças à ciência.

Quem acredita na vida eterna e na ressurreição da carne, deve perturbar-se com o que acontecerá no Vale de Josafat, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, no dia bíblico do Juízo Final.

O Deus deles, cruel e medonho, lá estará a julgar os vivos e mortos, perante a enorme confusão em que aos problemas logísticos se junta a berraria de quem pede a devolução do fígado, reclama um rim, exige de volta o coração ou procura o esqueleto dividido por centenas de próteses de acidentados.

Deus começa a ter problemas complicados. O melhor é desistir do mito da ressurreição e manter-se no silêncio a que se remeteu após o género humano ter decidido pensar.

13 de Maio, 2020 Carlos Esperança

O ateísmo e as crenças

Compreende-se a hostilidade dos crentes ao ateísmo, e é difícil aceitá-la contra os ateus, tal como é intolerável que os ateus visem, em vez das crenças, os crentes, sabendo que estes são as primeiras vítimas.

São três as imputações mais comuns dos crentes aos ateus, salvo os muçulmanos, que logo pensam na decapitação, todas no sentido de fazerem a catarse freudiana dos medos, dúvidas e terrores do inferno que povoa as suas mentes:

1 – A presumida superioridade moral e intelectual ateia, sem que exista ou seja referida;

2 – A alusão reiterada a facínoras ateus, Stalin, Mao, Pol Pot e outros, omitindo o cristão Hitler que em «A minha Luta» citava o Génesis deleitado com a violência de Cristo na agressão aos Fariseus, alusões que procuram confundir, e absolver o episcopado cristão, católico e luterano, incluindo o Papa, da cumplicidade com o nazismo e o fascismo;

3 – A afirmação de que há, entre os cristãos, pessoas boas, generosas e beneméritas, como se algum dia os ateus tivessem duvidado ou deixado de admitir a maldade de numerosos ateus.

Há, nas várias religiões, hierarcas merecedores de consideração e respeito pela craveira moral, intelectual e cívica. Há grandes personalidades e pessoas generosas entre os crentes. Ninguém é perfeito.

Mas isso não faz virgem a mãe de Jesus, infalíveis os Papas ou imaculada a conceção de Maria (fertilização in vitro?), nem transforma a superstição com os milagres, aparições e exorcismos, com que a ICAR ganha a vida e extasia os fiéis, em verdades.

Os atributos dos crentes bondosos não tornam verdadeiras as religiões, não expurgam a violência e a crueldade dos livros sagrados nem transubstanciam em corpo e sangue de Cristo o pão e o vinho, sob o efeito de palavras rituais e sinais cabalísticos.

JC deixou a doutrina que justificou a Inquisição, o Índex, a contrarreforma, o genocídio dos ameríndios, dos índios e de todos os que fossem avessos à conversão. Eis a verdade. A ICAR foi o que é hoje o Islão e só se humanizou graças à repressão política sobre o seu clero.
E a cumplicidade nazi/fascista da ICAR? Não há sistemas mais totalitários do que uma teocracia. Não há religião que não se encoste ao poder quando, de todo, não pode ser ela a detê-lo. Será por acaso que eram católicos Franco, Salazar, Mussolini, Pinochet, Hitler e Pétain e cristãos os coronéis gregos?

Por que motivo a ICAR excomungou a democracia, o socialismo, o livre pensamento, o liberalismo, o comunismo e a maçonaria e nunca excomungou o nazismo? JP2 reiterou a excomunhão ao comunismo, já depois da queda do muro de Berlim, mas nunca o fez contra o nazismo e o fascismo. E recusou reconhecer o Estado de Israel até 1993!

Por que motivo preparou o Vaticano a fuga de Adolf Eichmann e outros próceres nazis para os livrar do julgamento de Nuremberga?
Que fez JP2 quando os hútus católicos do Ruanda massacraram centenas de milhares de Tutsis com a participação ativa do clero no genocídio? Ficou silencioso e cúmplice. Este crime foi recente, não aconteceu na Idade Média.

Eis a razão:
Os judeus das trancinhas à Dama das Camélias cabeceiam o Muro das Lamentações e bendizem o assassinato de islamitas, passagens dos Evangelhos explicam a proteção de Pio XII a Adolf Eichmann com o genocídio contra os deicidas judeus, e os surahs do Corão abençoam o massacre de judeus e cristãos (por esta ordem).

Yavé abençoa a guerra e os guerreiros e promete a destruição total dos palestinianos – a «guerra santa» segundo a expressão do livro de Josué. Jesus mandou «ir e evangelizar», justificando o proselitismo e os horrores de que parcialmente JP2 pediu perdão. Maomé o mais rude e incivilizado recomenda a jihad.

Os ateus são os inimigos comuns a erradicar pela demência mística dos monoteísmos.

João Paulo II = JP2

12 de Maio, 2020 Carlos Esperança

“A minha liberdade acaba onde começa a dos outros”

Era o que faltava! Até ponho a coisa ao contrário. Só faltava que, para não ferir os meus sentimentos e as minhas convicções, não se pudesse dizer mal da República, do ateísmo e da social-democracia, v.g., ou recorrer à caricatura, à troça e ao sarcasmo!

Quando alguém apela ao respeito por determinada crença ou ideologia apenas pretende limitar a liberdade de expressão, dos outros, em relação ao que defende. Sei que ofendo alguém sempre que manifesto pontos de vista que divergem dos seus, mas não admito reduzir-me ao silêncio para não desagradar, sem deixar de ser amigo de quem quer que seja por divergências religiosas, políticas, filosóficas ou outras.

Quando se reclama respeito pelas convicções alheias apela-se à censura e mostra-se uma incomodidade com regimes democráticos e laicos. Uma peregrinação, uma promessa ou um ato litúrgico são tão passíveis de ser criticados quanto um comício partidário ou uma cerimónia fúnebre. Uma Igreja é tão merecedora de troça quanto um clube de futebol ou um partido político, embora saibamos que não é prudente gritar vivas ao Sporting junto da claque benfiquista ou ir cantar o credo romano para a porta de uma mesquita.
E, sobretudo, é uma provocação gratuita e idiota.

Em 13 de maio de 2008 a maratona pia a Fátima, presidida por um português, o cardeal Saraiva Martins, foi realizada sob o lema “contra o ateísmo”. Podia ser “pela fé”, mas o desvario místico preferiu uma preposição belicista. Os patrocinadores do evento tinham o direito de rezar contra a ideologia que condenam? Claro que tinham. Não recorreram a armas, não apedrejaram infiéis, não degolaram os concorrentes nem molestaram os indiferentes. Dezenas de milhares de terços disparados contra o ateísmo, o desfile bélico com velas acesas e as cantorias, de resultados duvidosos, foi o exercício de um direito.

Já devíamos estar curados de sensibilidades doentias que a ditadura legou. Há um único limite à liberdade de expressão, o que o código penal da democracia considere crime. O resto é vocação e devoção censória.

11 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Algumas considerações sobre a Concordata de 2004

A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em 2002, deixou as piores apreensões sobre os bastidores das negociações da Concordata.

O então MNE, Martins da Cruz, prometeu aí o que não podia nem devia –, o reforço da influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no domínio «do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja ativa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais».

É sempre através das redes de ensino e socorro social (lares, hospitais, escolas, creches, templos) que as Igrejas se infiltram para controlar o quotidiano dos cidadãos. A tragédia dos países islâmicos, onde a religião tem hoje a mesma influência que a ICAR tinha na Europa na Idade Média, devia fazer refletir os crentes e os não crentes. E, com total impunidade, afirmou ainda: «Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação», como se a religião se devesse explicitar, num Estado laico.

O país livrou-se do ministro mas não se livrou da Concordata. A experiência de 1940 devia ter-nos vacinado contra a reincidência. A própria ICAR, que sofreu o ónus de se tornar refém da ditadura fascista, associada à repressão de meio século, devia evitar a tentação de reivindicar privilégios embora ninguém, que deles beneficie, admita tê-los.

A atual Concordata foi negociada à sorrelfa e foi difícil aceder-lhe, durante alguns dias, depois de assinada. Não tendo sido possível discutir o texto que, depois de ratificado, se tornou direito interno português, diretamente aplicável, é indispensável um movimento da opinião pública para a sua denúncia e um Governo que sobreponha os interesses do Estado laico às convicções religiosas dos seus membros.

A religião não se impõe por tratados. A propagação da fé não se confia aos Estados. O mundo islâmico é o exemplo trágico. A Concordata não pode converter-se num tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um espaço a que a Cúria trace o meridiano. A subserviência à tiara não augura nada de bom para um futuro que se quer plural e essa revisão ficou à mercê do promíscuo contubérnio entre ministros de Deus e de Durão Barroso. O resultado está aí.

A ICAR nunca sofreu qualquer limitação ao exercício do múnus nestes quarenta anos de democracia. Que mais pretende ou deseja proibir? A Concordata fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela; opõe-se à lei geral na medida em que a ICAR exige tratamento especial naquilo que lhe diz respeito; e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado total alheamento em relação a esses «deveres».

Por ser bizarro, cita-se o n.º 2 do Art.º 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio».

Se não fosse ridículo, o dever de reciprocidade, imporia um n.º 3 com esta redação: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Esta Concordata ofende a soberania portuguesa, é dispensável e, talvez, só o facto de ter sido assinada entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano, apenas duas pessoas, tenha evitado a primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».

10 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Sobre Anticlericalismo (3 e Fim)

Por

ONOFRE VARELA

Nos finais da Monarquia, os opositores à promiscuidade que havia entre Igreja e Estado eram os defensores da República, que repudiavam tanto a Monarquia quanto a Igreja (e já sabemos a razão desse repúdio). Para melhor se perceber a dimensão do anticlericalismo de Tomás da Fonseca, olhemos outra vez para a nossa História. 

Quando o escritor e pensador Tomás da Fonseca nasceu, essa mistura dos poderes reais e eclesiásticos contava 736 anos. Houve tempo em que na Europa a Igreja interferia nos reinados de acordo com os seus interesses. Na verdade, o poder da Religião sobre a Política exerceu-se, oficialmente, por demasiado tempo, deixando marcas de subserviência no Povo que somos, e cuja factura ainda hoje pagamos! 

Só nos últimos 44 anos vivemos sem essa ligação oficial da Igreja ao Estado, mas a ideia do poder da Igreja ainda mora em muitas mentes, incluindo cabeças eclesiásticas que se imaginam donas do pensamento e exercem poder sobre populações intelectualmente indefesas. 

As mentalidades não se mudam por decreto nem por revoluções militares, mesmo que floridas. Mudam-se pelo ensino. Um ensino bem programado, cientificamente delineado e sem alterações constantes. E demora algumas gerações para colher bom fruto. 

Voltemos à História: a primeira República, de pendor fortemente anticlerical, tinha na presidência Afonso Costa, a quem chamavam “mata-frades”. Apostado na naturalíssima laicização do Estado, aprova a Lei da Separação da Igreja do Estado em 1911. A Igreja é perseguida e confiscada (erro da República, sabemos nós hoje), e muitos clérigos exilam-se. O Povo, sempre crente e temente, maioritariamente não partilhava desta afronta republicana à Igreja, a qual adorava como antes da laicização do Estado, se não, mesmo, com mais fervor como desagravo das maldades que a República fazia aos padres! (Repare-se que não é raro autarcas a contas com a Justiça, serem reeleitos pelo Povo que adora as vítimas… na nossa História recente aconteceu em Felgueiras, Gondomar e Oeiras, nas Autárquicas de 2005!). 

A Igreja era o símbolo da adoração de Deus, e a crença religiosa não era pertença exclusiva do Povo. Também na classe política dirigente havia quem não comungasse dos ideais anti-clericalistas de Afonso Costa. O estado-de-sítio conseguido entre República e Igreja, durou sete anos. Em 1918 Sidónio Pais restabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé, e a Igreja retomou o poder que lhe tinha sido retirado pela mesma República, que fazia marcha atrás nas suas decisões anticlericais. 

Depois… chegou Salazar e o Estado Novo… os dois poderes reaproximaram-se, e a essência dos ideais republicanos que destronaram a Monarquia, ficou encostada à ombreira da porta do Parlamento, esperando por melhores dias. Só pela Revolução dos Cravos, em Abril de 1974 (56 anos depois) se restabeleceu a Democracia plena, e a Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária no dia 2 de Abril de 1976, aprovou a nova Constituição da República Portuguesa (com a oposição do CDS), que no seu artigo 41, §3, institui a separação do Estado da Igreja e das comunidades religiosas. 

Por isso, hoje, não há clericalismo… nem o seu antídoto! O que há (isso sim) é a noção de a sensibilidade religiosa ser exactamente como o gosto: não se discute!… Mas, igualmente como o gosto, critica-se!… E a crítica não é anti-coisa-nenhuma. É um valor da Democracia, à qual muitos religiosos ainda têm imensa dificuldade de adaptação.

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)