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André Esteves

24 de Junho, 2004 André Esteves

Yogi morre asfixiado…pela chuva e paz mundial.

O Hinduísmo é uma das religiões mais antigas do mundo. As suas origens perdem-se no tempo. Curiosamente, um dos seus momentos formadores mais importantes surgiu em reacção a um movimento/filosofia ateia – os Lokayatas. Durante a idade do bronze, uma civilização surgiu nas bases do rio Indo. A civilização acordou ao se atingir a densidade crítica de informação, e com ela, surgiram os primeiros centros de saber: bibliotecas, escolas, discussão, debate e filosofia.

Os Lokayatas eram um grupo/filosofia que defendia que não existia nenhuma realidade além da experimentada pelos sentidos, e entraram em confronto com toda a religião do Indo da altura. Os místicos, padres e aldrabões profissionais, uniram-se contra a sua influência. E então deu-se a catástrofe.

As últimas geleiras glaciares nos Himalaias cederam e um mar de água desceu pelo Indo abaixo, arrasando uma civilização.

Os aldrabões, os místicos e os padres sobreviveram e, no medo do povo, clamando castigo dos deuses, eliminaram os Lokayatas sobreviventes.

A sua vitória sobre os Lokayatas é celebrada nos Upanishades. Deles só nos restam as sombras que os seus vencedores deixaram como aviso…

Os sacerdotes hindus são os herdeiros desta tradição. Organizados em grupos de homens santos, com crenças e práticas completamente contraditórias, que só se unem na necessidade de purificação (e exploração) do povo, pela acção dos sacerdotes. Um autêntico espírito ecuménico primevo em acção. Inventaram um sistema de castas, para justificar o injustificável – o sofrimento obrigatório de grupos raciais.

No passado dia 12, um homem santo hindu Ananda Swami, tentou realizar um ritual para trazer a paz ao mundo (o Yogi parece ter sido um apreciador do concurso da Miss Mundo) e chuva à província de Tamil Nadu. A cerimónia é um clássico: o Yogi é enterrado vivo como parte de um voto e emerge passados uns dias para a luz. Talvez morra simbolicamente pelos pecados do mundo…

O facto de sobreviver à experiência é considerado uma prova da santidade e dos poderes mágicos do Yogi, (Pelo menos, na literatura esotérica ocidental assim é habitualmente empolado). Infelizmente, desta vez, os discípulos do homem santo foram demasiado cuidadosos e comprimiram demasiado a terra por cima da vala onde o Yogi estava instalado, impedindo que o ar passasse pela terra fofa. Pior, seguindo o que julgavam ser a vontade telepática do seu mestre, acenderam uma fogueira à beira do prematuro túmulo. Resultado: o dióxido de carbono libertado, por ser mais pesado que o ar, infiltrou-se no buraco do Yogi. Segundo a autópsia, o Yogi já estava a decompor-se, quando foi aberta a instalação e teria morrido 3 a 4 horas depois de o terem coberto de terra. Em desespero, ao sentir a falta de ar, parece ter lutado por rebentar a tábua de madeira que tapava a sua cova.

É o que dá a magia feita por amadores.

Os assistentes devem estar a par do truque, não a adorar a santidade de um homem.

No final, tanta fé acaba por ser asfixiante.

No «The Australian» de 17 de Junho [Em inglês]

NOTA: Esta história do Lokayata é uma teoria/especulação pessoal, mal-cozinhada, que procura juntar e explicar as novas idades dos Upanishades, como registo de uma tradição oral mais antiga e das descobertas arqueológicas subaquáticas na foz e plataforma continental subjacente ao Indo.

Quanto ao Hinduísmo, olhem bem para ele. Talvez seja uma antecipação do nosso futuro ecuménico.

Mas não contem comigo para desaparecer como os Lokayatas.

23 de Junho, 2004 André Esteves

Assassinatos por honra chegam à Europa

A Scotland Yard está a investigar, no Reino Unido, cerca de 100 assassinatos de jovens mulheres, que terão sido realizados nos últimos 10 anos. Motivo: a honra da família.

A maior parte das vítimas são mulheres de religião muçulmana, do sul da Ásia, Paquistão e até da Europa Oriental, que terão ficado grávidas ou tido relações sexuais fora do casamento. As famílias, depois de conspurcadas as suas honras, não podiam aceitar tal mancha na sua reputação.

Dado que viver num país ocidental, implica aceitar a lei antes da honra, não podiam fazê-lo com as próprias mãos. Assim, cresceu toda uma rede mafiosa de assassinos especialistas em realizar, por contrato, a morte das obscenas filhas egoístas e pecadoras. A rede incluía mulheres, que se especializavam a seguir e localizar as desonrosas.

Viver noutro país, obriga-nos realmente a mudar as nossas práticas culturais.

Já não se suja as mãos. Paga-se a alguém que o faça! É o mercado de serviços.

Que avanço comparado com os países de origem. Aí, faz-se tudo dentro das quatro paredes.

É como a matança do porco. Em casa é tão pouco higiénico…

Notícia BBC News online [em inglês].

23 de Junho, 2004 André Esteves

Reverendo Moon coroado «Salvador do mundo»

O reverendo Moon foi coroado «salvador do mundo» no inicio do ano, Em Washington, mais precisamente no Capitólio, o equivalente americano ao nosso parlamento. Presentes estavam muitos representantes do Partido Republicano (que negaram ter estado presentes, até lhes serem mostradas as fotos da cerimónia).O reverendo Moon afirmou, durante a cerimónia, que Hitler e Estaline tinham lido as suas obras e assim, salvado as suas almas.

Para um traficante de armas, drogas, criador de um culto da personalidade, especialista em lavagem cerebral e lavador de dinheiro com conexões especiais à direita americana, de que é um fiel aliado com o seu cabaz de jornais, parece um bocado forçado.

Ah! Já me esquecia – ele afirma ser Deus.

Isto resolve uma das minhas questões existenciais mais importantes: afinal, Deus é careca!!

Notícia The Hill de 22 de Junho. [em inglês]

22 de Junho, 2004 André Esteves

O kitsch religioso da semana

Vinha a descer a avenida Lourenço Peixinho, em Aveiro, quando passei pela montra de mais um bric-á-brac chinês e eis que este Cristo me surpreende!

Num canto, rodeado de ditados de Confúcio, o Cristo encontra-se cercado, sem ter hipótese de fuga. Um caractere chinês encosta-se à jugular…

Definitivamente não há escapatória possível. Com 1.3 mil milhões de chineses no mundo não podemos fugir deles. Tal como eles não podem fugir de nós. O Cristo está pendurado na montra da loja, como sinal de boa fé. Os aveirenses são conservadores, e como é habitual, na sua população abundam certos extremismos. Os comerciantes, esses sábios da tolerância, usam os sinais sagrados dos outros para serem aceites e adoptados.

O Cristo, no entanto, dado o contexto, parece pedir ao pai por outros tempos. As sociedades multiculturais são tão aborrecidas…

É-se só mais um deus, no meio de tantos. Porque é que o pai o pôs em tal situação, de que não estava à espera!?

Um dos factores de crescimento da descrença na Europa, foram os Descobrimentos. Quando começaram a ser publicados relatos de viagens, de terras com povos estranhos, com deuses e sem deuses, o argumento da apologética cristã medieval de que o monoteísmo messiânico era implícito a qualquer ser humano caiu por terra. Hoje, nem sequer nos lembramos dele. Só encontramos alguns ecos seus nos argumentos do tradicionalismo esotérico (bem disfarçadinhos, claro). Em retrospectiva, percebemos porque a igreja correu para converter os novos mundos. A ameaça da diferença e logo da descrença eram demasiado reais. Escolheu-se a iniciativa, ao invés da defensiva. A um conquistador todos os povos parecem inferiores.

Ao império do meio, a China, o sistema imperial escolheu a estratégia inversa. A defensiva.

De nada lhes valeu.

A globalização é um fenómeno estranho. É uma onda de mudança imparável.

E só sobrevive quem souber mudar. E é melhor mudar por escolha própria, do que a isso ser obrigado.

Alguém seguirá as regras do feng shui, ao instalar o poster de «cantor de rock and roll» do Cristo.

22 de Junho, 2004 André Esteves

Epidemia de poliomielite de volta a África

Segundo a BBC News ( Em inglês), a poliomielite está de volta como epidemia na África. A culpa?

Os anciões muçulmanos do norte da Nigéria recusaram a campanha de vacinação da OMS – Organização Mundial de Saúde. Temiam que as vacinas estivessem adulteradas para matar crianças, por parte de uma conspiração ocidental para despovoar a África muçulmana.

Os casos de crianças doentes aumentaram dramaticamente e já se espalharam pelos países vizinhos, que estavam livres da poliomielite.

A guerra no Iraque e no Afeganistão provocaram uma reacção de desconfiança, no mundo islâmico, às instituições internacionais. A estrutura de tribo e de pequena igreja, que é característica do Islão profundo, também é um poderoso meio de transmissão do boato, da má-língua e da fantasia ideológica.

A verdade está mais na boca de um amigo do que no sentido crítico e na investigação pessoal.

Depois as crianças é que pagam…

19 de Junho, 2004 André Esteves

A História do Ateísmo

História do Ateísmo, por George Minois

ISBN: 972-695-572-6

Foi com imenso prazer que vi publicado, pela Editorial Teorema, a «História do Ateísmo».

Trata-se de uma obra de divulgação histórica por um reputado autor: George Minois.

Minois têm no seu currículo mais de 25 obras que procuram expor a progressão histórica dos mais variados conceitos ou facetas da condição humana. É também um historiador que conhece, profundamente, a história francesa do período pré-revolucionário, o que se revela de extrema utilidade nesta obra.

A tradução e edição foram patrocinados pelo Ministério Francês da Cultura e Comunicação. Como ateu e português, agradeço esse generoso acto à República Francesa. Imagino, que este apoio poderá levar, alguns espíritos mais crentes, a maldizer a edição, como obra de propaganda da terrível franco-maçonaria ateia! A mim como ateu, cujos aventais só conheço os da cozinha, só me restaria comentar: E a alternativa? Seria a ignorância da história do ateísmo, um bem? O crente necessita da ignorância do mundo. Por mais que se manifeste publicamente como é lido e sofisticado, nunca deixará de ver o mundo, por detrás dos óculos coloridos da fé, do seu medo e da lealdade ao seu grupo.

Recomendo vigorosamente, ao crente a leitura desta obra. Ficará certamente surpreendido. O crente liberal de hoje é um «ateu» do passado.

Aos meus companheiros ateus, reitero a recomendação. Por esta obra, descobrimo-nos herdeiros de uma mundivivência com mais de 3000 anos. Somos um fio que une a humanidade, no seu melhor, na maioria das culturas humanas, presentes e passadas. Chegamos ao ateísmo vindos de muitos lados. Convém ter um mapa, para encontrarmos os nossos companheiros de viagem e reconhecermos a paisagem. Este livro é nesse aspecto satisfatório. Sugiro que convença a sua biblioteca mais próxima, a ter uma cópia disponível.

O que não gostei no livro? Primeiro o preço. É elevado. Segundo, é um autêntico tijolo. Mais de 700 páginas. Imagino que uma edição em papel bíblia estaria fora de questão (A República Francesa, apesar dos seus rendimentos não conta com o dízimo de crentes, e o ateísmo não conta com a generosidade dos editores). Creio que é um preço a pagar, pela extensão do assunto.

Terceiro, uma certa generosidade na contribuição gaulesa à história do ateísmo. Embora natural, num autor francês e pela importância real das contribuições do espírito das luzes e da revolução francesa ao pensamento ateu, faltam pormenores do ateísmo inglês e italiano, bem como de outras culturas ateias não ocidentais, que seriam de utilidade para o leitor.

De qualquer maneira, este leitor aceita o compromisso.

Extremamente interessante, é também o último capítulo do livro. O autor procura fazer um sumário do estado do ateísmo hoje. Vi-me surpreendido, por ter chegado a conclusões similares. Paradoxalmente, o nosso fracasso é o nosso sucesso.

Além disso, propõe que há forças que se erguem, que são maiores que a crença e a descrença.

Para mim, outra epifania. Como curioso dos sistemas complexos e amante da ficção científica, encontrei o eco de um apocalipse ateu:

Vem aí o formigueiro e a singularidade…

E mais não digo.

Reservo-me para futuros artigos sobre o assunto e aguardo a vossa leitura do livro.