30 de Julho, 2004 André Esteves
Em memória: Francis Crick 1916-2004
Morreu hoje, Francis Crick, um dos descobridores da forma helicoidal do ADN. Ateu convicto e dedicado. Cientista de espírito independente e criativo. Espírito livre e determinado.
Quando entrevistado sobre as razões para querer investigar a forma do ADN, respondeu que também era uma das razões que o tinha levado a ser cientista, «a repulsa para com a religião», especificando:
«Eu entrei para a ciência por causa dessas razões ligadas à religião, não tenho a mínima dúvida. Eu perguntei-me quais eram as duas coisas que pareciam inexplicáveis e que eram utilizadas para suportar as crenças religiosas: a diferença entre as coisas vivas e a matéria morta, e o fenómeno da consciência.»1
Depois de descoberta a estrutura do ADN e as suas implicações biológicas, Crick dedicou vários anos a investigar o mecanismo de comunicação nuclear através do ARN e do sistema de transcrição proteica. Ao fim desse período, mudou a sua atenção para o fenómeno da consciência e do seu funcionamento, tendo estabelecido as bases biológicas e neuronais da consciência visual através do estudo de vários paradoxos e ilusões visuais.
Uma das histórias mais lúcidas e simultaneamente louca, envolvendo Francis Crick, foi quando desistiu de ser membro do Churchill College de Cambridge. O «College» tinha resolvido construir uma capela, e Crick reagiu criticamente a tal iniciativa. Quando Sir Winston Churchill lhe escreveu a dizer que «Só entra na capela quem o pretende fazer…», Crick respondeu que seria mais producente, instalar no colégio um prostíbulo, no qual, aliás, «também só entraria, quem o pretendesse fazer», com um grupo de raparigas escolhidas a dedo e uma madame a servir de chaperone e capelã dos assuntos do amor. Continuando na sua carta, afirmava que quando o prostíbulo se tornasse uma instituição e parte da tradição, a madame certamente seria convidada e sem ofensa para ninguém na «high table» (a mesa dos professores).
Terminou oferecendo 10 guinéus ao colégio para tal iniciativa.
O que ele diria de tanta gente e instituição académica portuguesa…
Nunca mais o ouviremos. Guardemos a sua memória.
Homem como nós.
1 – Entrevista com Matt Ridley no Daily Telegraph
2 – Entrada na Wikipedia
3 – Quando instado a falar sobre a américa: “One of the most frightening things in the Western world, and in this country in particular, is the number of people who believe in things that are scientifically false. If someone tells me that the earth is less than 10,000 years old, in my opinion he should see a psychiatrist.”
4 –Francis Crick – Prêmio Nobel da Medicina 1962