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O fenómeno religioso

O término projecção designa, em psicologia, a operação através do qual um estado de consciência é desviado e localizado no exterior, seja do centro para a periferia, seja do sujeito ao objecto. O término admite bastantes matizes semânticas. Segundo J. Laplanche e B. Pontalis, a projecção, num sentido mais psico-analítico, é uma «operação através da qual o sujeito retira de si e localiza noutro, pessoa ou coisa, qualidades, sentimentos, desejos, inclusivamente objectos. As exigências de raciocínio do ser humano põem em marcha um trabalho de explicação intelectual que pode gerar processos de projecção mental. O homem pré-histórico perante fenómenos que ultrapassavam as experiências do dia-a-dia, procurava nos processos de projecção, acicatado pela pressão emocional ou por um estado de grande perplexidade, uma explicação ilusória de tais fenómenos.

A apresentação do fenómeno religioso, como uma operação alienatória – no sentido amplo do termo, inscreve-se decididamente, nas teorias circulares na génese dos fenómenos religiosos. Os numens animalis, não existem enquanto tais, são simplesmente projecções mentais do homem primitivo, ou não primitivo, em termos cronológicos, – e por conseguinte, não são reais, são meros ficta da consciência ingénua, ou seja, são fenómenos de consciência, dentro da própria consciência, projectados sobre objectos ou sujeitos exteriores.

Desde dentro das chamadas experiências religiosas, é certo que o crente, tanto o homem pré-histórico como o mutatis mutandis, pensa que na sua crença não existe nada de ilusório, pois as suas experiências religiosas são vividas como reais seja relativamente à alma, espíritos, numens ou deuses. Mas desde fora da crença, ou seja, criticamente, – o não crente, vê com evidência que sim, que existe ilusão, falsa consciência, sugestão, superstição ou alucinação, gerados por processos de projecção mental sobre objectos, sujeitos externos ou exteriorizados, processos que podem inscrever-se no campo da psicologia normal ou no da psicopatologia.

As representações zoomórficas nas chamadas religiões primárias e secundárias, projectam determinados animais com a reputação de sagrados desempenhando destacas funções na imaginação religiosa do homem. O animismo é o ponto em que se apoia a fabulação religiosa do ser humano, a matriz dos sentimentos convencionalmente designados como religiosos.

As crenças animistas povoam de tal forma a mente do ser humano, que se convertem numa segunda natureza passando daquilo que era ficção inconsciente, a realidade inquestionável. A história das formas religiosas gravita permanentemente, ainda que de forma oculta ou mascarada, sobre o subsolo das ficções animistas e a correspondente concepção dualista do mundo.

No homem primitivo, a imediatez genética destas formas de falsa consciência, é mais evidente, porque as formas primárias das fantasias da mente aparecem numa versão ingénua e naturalista, despidas todavia da roupagem mitológica das fabulações exuberantes da religiosidade secundária ou do aparato metafísico das especulações teológicas da religiosidade terciária, num contexto civilizacional de progresso moral. Efectivamente, a especulação teológica foi levantando no decurso da história, um edifício de tal magnitude que o seu fundamento originário desapareceu no meio de uma linguagem obtusa e obscura.

Não devemos escandalizar-nos nem cientifica nem piedosamente, se constatarmos que o fenómeno religioso se dissolve nos mecanismos psicológicos que o geraram.

 Neste processo, constantemente reforçado pelo trabalho da especulação teológica, o homem teve o seu espelho em Deus, – divinização do homem, – e Deus teve-o no homem, – antropomorfização de Deus.

O ser humano descobre então, que ele mesmo criou os deuses, revela-se assim a falácia da religião.

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