Presunção e água benta II …
O inenarrável João César das Neves volta a atacar, desta vez não um dos mais prestigiados neurocientistas da actualidade, mas o primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, com pleno recurso às habituais falácias e proselitismo com que mimoseia semanalmente os leitores do Diário de Notícias.
Tenho imensa pena que o Diário de Notícias tenha deixado de disponibilizar os seus conteúdos online, já que ler a opinação do supracitado colunista era o meu momento zen das segundas feiras. Mas desta vez o conteúdo da coluna de J.C. das Neves é demasiado forte, até mesmo para o que nos habituámos a ler saído da sua pena sofista.
A prosa de ontem versa sobre a sua inquietação em relação ao estado antidemocrático e populista (na opinião dele, claro) que caracteriza a Espanha actual. Manifestando a sua indignação profunda por os espanhóis terem um Primeiro Ministro em que os eleitores não se revêm. Manifestando a esperança que o PSOE consiga fazer de Zapatero um estadista. Em causa, como é óbvio, estão as recentes medidas do governo socialista espanhol que conduziram a uma guerra aberta com a delegação em Espanha da Igreja Católica Apostólica de Roma.
Como tão bem diz o Rui Tavares do Barnabé no post A obra-prima do disparate «César das Neves está tão preocupado com Espanha que chega a sugerir que o país possa cair numa nova guerra civil. E isso porque a Igreja Católica espanhola “está a ser perseguida”, o que, aliás, “sempre tem tido boas consequências para a fé… tempos difíceis afirmam o fervor e avançam a evangelização”. Diz César das Neves que não é um problema de legitimidade de Zapatero, mas “que o seu cargo também lhe dá poder e legitimidade para deitar fogo ao Museu do Prado”, uma barbaridade equivalente às barbaridades que verbera César das Neves sem nunca nos dizer exactamente quais são, mas que se imagina que sejam as decisões do governo espanhol acabar com a obrigatoriedade das aulas de religião e aceitar o casamento homossexual.
Nota para João César das Neves: em Espanha, tal como outrora em Portugal, quando há eleições os partidos apresentam programas. O partido que ganha deve cumprir com o seu programa, que foi validado pela maioria dos eleitores. No programa do PSOE não estava deitar fogo ao Museu do Prado (eram capazes, sei lá, de ter perdido), mas estava legalizar as uniões homossexuais e desobrigar os alunos de terem aulas de religião. Promessas com que ? sabe-se lá como ? ganharam. E agora ? esta é a parte chocante, eu sei ? estão a cumprir as promessas.»
O espírito do pio Pio IX, que invectivou a «ultrajante traição da democracia» condenando a democracia como um «princípio absurdo», a liberdade de opinião como «loucura e erro» e especialmente condenatório do laicismo, continua presente na Igreja Católica actual.
Consequentemente a ICAR e seu prosélitos consideram-se perseguidos quando não os deixam impor as suas morais absolutas! Neste caso queixando-se paradoxalmente de um défice democrático, quando na realidade de sentem ultrajados pela própria existência da democracia, que, no léxico de Tomás de Aquino, é catalogado nos regimes políticos maus e ilegítmos…
Em relação ao Filipe da respública, que criticou o Carlos Esperança, classificando-o de ateu intolerante pela crítica que fez a J. C. das Neves, devolvo-lhe (e aos demais católicos fundamentalistas) o conselho: «respeitem os outros na medida em que vocês próprios querem ser respeitados. É verdadeiramente triste que ainda não tenham aprendido isso». E, já agora, aprendam também o significado de democracia! E laicismo! Porque quer Portugal quer Espanha são democracias laicas!