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Crimes sem castigo

As lavandarias das Madalenas irlandesas eram instituições com fins lucrativos, sediadas em conventos, que albergaram durante século e meio as irlandesas de «mau porte», as demasiado bonitas para a sua «salvação» moral, as concebidas sem a bênção da Igreja, as mães solteiras, enfim, todas as raparigas que eram de alguma forma consideradas uma ameaça aos valores (i)morais da sociedade. As desgraçadas que eram enviadas para estas prisões, lavavam «os seus pecados» com trabalho árduo e não remunerado, isto é, em completa e abjecta escravidão. Como nos conta o History Times:

«Up to 1993 the public knew very little about the Laundries but when an order of nuns, the Sisters of Our Lady of Charity of Refuge of High Park Convent, Dublin sold part of their convent to the Irish Republic for public use to replace funds that nuns had gambled and lost on the stock exchange.

The full story of the sexual, psychological and physical abuse these poor women had suffered started to come to light. It quickly became a national scandal in Ireland that engulfed both the Catholic Church and the Irish government.»

Hoje foi publicado um relatório que promete causar ondas ainda maiores que as lavandarias das Marias Madalenas quando o escândalo estoirou. O estarrecedor relatório, que culminou 9 anos de investigação sobre o abuso de crianças por membros do clero, era há muito aguardado – excepto pela Igreja Católica, embora esta tenha conseguido que nenhum padre ou afins seja processado pelo que se descobriu … e se tenha desdobrado em desculpas mal o relatório foi tornado público.

Os autores do relatório ouviram milhares de ex-residentes de escolas e orfanatos dirigidos por padres, frades ou freiras, abrangendo um período de 60 anos. Seguir-se-à um segundo relatório, que se espera seja muito crítico da forma como as autoridades, governamentais e religiosas, trataram ao longo dos anos as queixas de abuso sexual perpretrado por padres (e existiam queixas em relação a cerca de 500, ou seja, em relação a 1 em cada 10 padres irlandeses).

Os horrores a que foram submetidos muitos milhares de crianças irlandesas, que a Amnistia Internacional descreve como «um catálogo dos maiores abusos dos direitos humanos na História do Estado», foram sintetizados pelo Los Angeles Times,

«Boys and girls were beaten, sexually abused and emotionally terrorized for decades in workhouse-style schools run by Ireland’s Catholic Church, in which a “culture of silence” showed more concern for protecting victimizers than the children in their care, according to a long-awaited report released today in Dublin.

For more than half a century, excessive and arbitrary punishment created a climate in which students at schools administered by Catholic religious orders lived “with the daily terror of not knowing where the next beating was coming from.

Sexual molestation was “endemic,” committed by offenders who were often transferred to other institutions rather than dismissed or turned over to authorities, said the report by Ireland’s Commission to Inquire into Child Abuse.»

Ironicamente, hoje também foi o dia em que se discutiu a famigerada lei da blasfémia que, se aprovada, muito provavelmente – como em breve os comentários a este post mostrarão – tornará criminosos quem fale ou escreva sobre a barbaridade. De facto, quem o faça irá certamente causar «indignação entre um número substancial de crentes» e duvido que alguém razoável encontre vislumbre de «genuíno valor literário, artístico, político, científico ou académico» nesta história de horror, abuso e impunidade …

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