Da sexualidade e da ICAR, II: Contra Natura
O pessimismo sexual de Agostinho, intensificado pelo Responsum do Papa que inventou os sete pecados mortais, Gregório Magno (590-604), «O prazer sexual nunca ocorre sem pecado», dominou a época da escolástica, «a idade áurea da teologia», como é chamada. O expoente máximo dos escolásticos, Tomás de Aquino, a autoridade católica em questões sexuais depois do inenarrável Agostinho, criou todo o contexto para a demonização do sexo e ainda cunhou a expressão contra natura para se referir à homossexualidade.
Tomás de Aquino incorpora o empirismo aristotélico ao idealismo platónico agostiniano. A citação tomista «A geração de uma mulher resulta de defeitos no princípio activo» é inspirada na prosa de Aristóteles, que afirmava, a comprovar a sua inferioridade, terem as mulheres menos dentes que os homens (História dos Animais, livro 2, parte 3). E representa a convicção de Aquino de que a mulher é imperfeita, inferior ao homem física, moral e psicologicamente.
A responsabilidade do Malleus Maleficarum, o Martelo das Bruxas, (1484) do Papa Inocêncio VIII, 200 anos depois da morte de Tomás, não pode ser atribuída a este outro ilustre santo, mas sem a crendice supersticiosa de Aquino na relação sexual com o demónio e a sua exortação à destruição dos hereges, aquele documento, responsável pela morte na fogueira de incontáveis «bruxas», não seria concebível.
Outro eclesiástico que difundiu a tendência feminina para copular com o demo foi o franciscano galego Álvaro Pelayo ou Pais, que enquanto bispo de Silves teve graves discórdias com Afonso IV de Portugal em relação aos impostos cobrados sobre os bens eclesiásticos (para sustentar a guerra do monarca contra Castela). Este redigiu por volta de 1330, a pedido de João XXII de quem foi confessor, o «De Statu et Planctu Ecclesiae» (Do Estado e Pranto da Igreja) dirigido ao mundo dos «clérigos encarregados de dirigir as consciências». Esse primor de misoginia e retrato dos vícios que assolavam a ICAR da época traz um catálogo de 102 «vícios e más acções» da mulher. Um destes era a cohabitação com demónios. Testemunhado in vivo num convento de freiras pelo próprio frei, que foi incapaz de pôr cobro à tal repugnante prática.
No entanto, toda esta regulamentação do sexo, que incluia considerar como pecado qualquer desvio à posição «normal» dita de missionário no léxico corrente (excepto nos casos regulamentados como, p.e., obesidade comprovadamente renitente) destinava-se exclusivamente aos créus seculares, já que escândalos sexuais como os recentes são recorrentes na História da Igreja.
Com um nadir no conturbado período conhecido pelos historiadores como pornocracia entre o final do século IX e o início do século XI, período em que um terço dos muitos papas que o agraciaram morreu de forma violenta. De um texto na Enciclopédia Britânica sobre a desmistificação da lenda urbana da papisa Joana podem retirar-se alguns dados «abonatórios»:
«Pope John X., elected in 914, owed his elevation entirely to his mistress Theodora, whose beauty, talents, and intrigues had made her mistress of Rome about the beginning of the tenth century. At a late period Theodora’s daughter, Marozia, wielded a similar influence over Sergius III., and finally raised her son by that pope to the pontifical throne, with the title of John XI. At a still later period, John XII. was so completely governed by one of his concubines, Raineria by name, that he entrusted to her much of the administration of the holy see.»
O papado conheceu mais períodos marcados por imoralidade e corrupção, a Renascença proeminente entre eles. Uma das causas da reforma Protestante, apesar de alguns excessos no que respeita a indulgências por parte de Giovanni di Lorenzo de Medici, o papa Leão X, terem ajudado.
Nesta época, destacam-se Pio II, um celebrado autor de literatura erótica antes de assumir o papado. E pai de uma prole considerável. Ou Inocêncio VIII, o tal que de tão preocupado com a cópula com o demónio tinha encomendado o manual de caça às bruxas, que, menos preocupado com a cópula terrena, deixou 16 filhos, igualmente repartidos pelos dois sexos: Octo Nocens pueros genuit, totidemque puellas; Hunc merito poterit dicere Roma patrem. Sobre os excessos (sexuais e não só) de Alexandre VI, Roderigo Borja ou Bórgia, acho que não é necessário acrescentar algo. Mas podem relembrar os factos mais importantes.
E quem estiver interessado em saber mais sobre a actividade sexual de um papado tão devotado ao longo dos séculos em controlar a vida sexual dos outros pode encomendar o livro de Nigel Cawthorne «Sex life of the Popes».