Todas as religiões são uma só
Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.
Enquanto filosofia, a Religião é um espaço aberto a toda a gente onde se deve entrar sem ser convidado, tal como se nasce sem, para isso, termos dado permissão. Daí me sentir à vontade discorrendo sobre Religião sem necessidade de frequentar o seminário nem igrejas, onde o pensamento é unilateral. Basta-me viver com olhos e ouvidos abertos, pronto a receber a abundante informação que o meu raciocínio processa de acordo com o indivíduo que sou, o que me permitiu experimentar rebeliões e emancipações no decorrer das etapas que fizeram a minha vida, em obediência a uma ética comportamental laica.
A ética religiosa apregoada em todos os púlpitos, tem duas vertentes: a ética universalista, puramente laica (e ateia), que induz uma boa conduta nas relações humanas; e a ética (que em alguns casos é a falta dela enquanto universalista) de conduta interna do credo que manda cumprir conforme o que está registado no livro sagrado pelo qual se rege… e que no Alcorão (III, 157) manda tirar a vida aos descrentes (segundo alguma interpretação da Jihad).
Sendo a fé religiosa fruto de um pensamento colectivo, ela é, também, uma opção pessoal, pois cada qual terá a sua, escolhida em consciência esclarecida, ou induzida; e a fé de um, que considera ter muitíssima importância, na verdade é tão estapafúrdia como a de outro, que para um não tem valor, mas que para outro é a razão do seu viver.
No fundo, as religiões regem-se por uma única matriz: todas elas são uma só (no sentido do sentimento da sua necessidade, que não nas práticas rituais que as diferenciam. O núcleo da fé no conceito deífico é o mesmo na construção de todas elas), como muito bem afirmou o tipógrafo, poeta, gravador e artista plástico inglês, William Blake (1757-1827).
Um dos males que me parece consumir a Humanidade, poderá ser este de – ainda hoje, neste século XXI que sempre sonhamos ser um tempo de perfeição – se dar demasiada importância à crença num deus por nós criado, permitindo a exploração de mentes através dele, e se desrespeitar tanto o semelhante.
Desrespeito, vaidade e interesses pessoais, que nos levam a guerras destruidoras de tanta gente e de tanto património, só porque um líder vaidoso e malvado o quer, e tem armamento que o leva a sentir-se seguro da “vitória”, por muito injusta que ela venha a ser reconhecida pela História.
Um filósofo contemporâneo cujo pensamento admiro, é o espanhol Fernando Savater. Num dos seus textos publicados no jornal El País, lembra Immanuel Kant para dizer que o mestre “nunca explicou, nas suas aulas, nada que pudesse alterar a ordem, ainda que sempre defendesse a liberdade de expressão […] o lema da Ilustração é “sapere audi”. Atreve-te a pensar por ti mesmo. Acreditava ser já chegada a hora de a Humanidade abandonar a sua menoridade intelectual”.
É esta menoridade intelectual que ainda hoje vejo existir na sociedade em que me insiro (e que me escandaliza), mais de 200 anos depois de Kant!…
Somos mesmo muito lentos, porra… não aprendemos nada?!…
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV
Perfil de Autor
Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.
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CATEGORIES
Ateísmo -
DATE
31 de Agosto, 2023 -
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