Sobre o pensamento ateu
Texto de Onofre Varela
Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como não se nasce a saber falar.
A língua materna é aprendida em família, e o sentido da religiosidade também.
Todas as sociedades obedecem a preceitos religiosos que alicerçam o pensamento enraizando-o de geração em geração.
Na minha família (sou filho de pai republicano e ateu, e de mãe católica não praticante) nunca se deu importância à fé religiosa. Fui educado no respeito pelo próximo e pela Natureza, dispensando a adoração a deuses e a santos.
Quando tive idade para raciocinar, e em confronto com os meus amigos participantes em missas, acompanhei-os e senti necessidade de os interrogar sobre o culto. Aquilo parecia-me estranho por não ter bebido da taça religiosa dos meus amigos, e afastei-me voluntariamente de celebrações litúrgicas que me pareciam sem nexo.
No passar do tempo que tudo transforma, a minha atitude perante a Religião também sofreu alterações. Aquela frase popular “só os burros não mudam de opinião”, funciona em todos os sectores… sendo que a opinião mudada pode incluir a total inversão do caminho, direccionando-a noutro sentido, ou considerar, apenas, um retoque, limando o que precisa de ser limado, quando se entende que o caminho está bem traçado e por isso se recusa um retrocesso.
A minha preocupação primeira de negar Deus, sem muita substância no pensamento que me levava à negação, alimentada na juventude que tudo sabe, pode e vence, acabou por me passar. Foi como um resfriado!… Não porque o considerasse um pensamento errado na sua totalidade, mas porque me defrontei com um raciocínio mais maduro após 20 anos a dar atenção às coisas que à Religião pertencem.
A partir daí (tinha eu 40 anos) concluí ser ateu, e que a preocupação de negar Deus não fazia sentido. De facto, é tão desinteressante negar Deus, como é afirmá-lo. Discutir o conceito de Deus acaba por não ter significado. O conceito existe porque foi necessário criá-lo, e todas as criações têm a sua razão, a sua função e o seu tempo.
O Homem só cria aquilo de que necessita. A criação de vários deuses, primeiro, e a do conceito do “Deus único”, depois, resultam da mesma necessidade intelectual do Homem, ditada pela própria evolução do pensamento. A negação do conceito do Deus único que eu faço aqui (e que já muitos autores o fizeram e provavelmente tantos outros o farão) também pertence a essa evolução. Será o derradeiro ponto final na História dos deuses e de Deus.
A esta conclusão cheguei com a contagem dos anos. Crer ou descrer tem tanta importância como sair de casa para ir ao cinema num centro comercial ou à missa na igreja da paróquia. Nenhuma das opções é mais importante do que a outra. Para quem as toma é uma atitude pessoal legítima que depende, unicamente, da vontade e do interesse de cada um… e cada qual atribuirá à questão do sagrado e dos credos relacionados, o grau que pretender atribuir-lhe.
As discussões acesas sobre Deus e a fé religiosa, não acrescentam nem diminuem nada na medida da crença de uns, nem na medida da descrença de outros. Em regra os contendedores terminam como começaram… nenhum deles aceita ter aprendido ouvindo o outro… até porque não se ouve o outro… ambos querem debitar discurso mais forte, real e único. Discursos que, afinal das contas, no contexto social em que vivemos, com tantas preocupações bem mais importantes… são nada!
Importante é que a troca de ideias não tenha fim, e que ambos os intervenientes nesta discussão (ateus e religiosos) se respeitem mutuamente e aprendam a ouvir opiniões contrárias às suas e raciocinem sobre elas, em vez de as descartarem liminarmente sem tentarem entender a razão do outro.
A fuga à tentativa de perceber o porquê de existirem ideias contrária às nossas, tão usada nas militâncias políticas, futebolísticas e religiosas, não abonam a qualidade do raciocínio de quem assim age…
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV