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Energia e Criacionismo

«Neste post vou-me aventurar num tema no qual não estou muito à vontade, e peço já desculpa por qualquer calinada. Mas o Jónatas Machado apontou a conservação da energia como evidência contra a teoria da evolução e a favor da sua fé criacionista, e é precisamente o contrário.

Na mecânica Newtoniana, e num espaço-tempo plano, podemos considerar o sistema como invariante a translações no tempo; ou seja, não interessa quando contamos o instante 0. A consequência disso é a conservação de energia, com energia sendo um valor com uma dimensão (um escalar). Daqui tiramos a tal regra simples que a variação da quantidade de energia num sistema é igual à energia que entra menos a que sai, porque nenhuma é criada nem destruída.

Temos duas formas de calcular isto. Podemos somar a energia que passa por toda a superfície do sistema, ou somar a variação de energia de cada volume infinitésimo dentro do nosso sistema. Se considerarmos os nosso sistema partido em volumes minúsculos, a energia que sai de um entra nos vizinhos, excepto para os que estão na fronteira do sistema e trocam energia com o exterior. A integração de variações em volumes infinitésimos dá assim o mesmo valor que o total de energia que atravessa a superfície. Num sistema isolado não entra nem sai energia, e a variação total é zero.

Com a relatividade isto complica-se. Num espaço-tempo curvo não podemos separar a coordenada do tempo da mesma maneira, e o que é conservado é um vector com quatro dimensões (momento e energia). Os detalhes da matemática ultrapassam-me, mas o resultado, trocado por miúdos, é que agora as duas formas de calcular a variação total de energia do sistema dão valores diferente: somar a energia que passa por toda a superfície não dá o mesmo que somar as variações em volumes infinitésimos porque não estamos a somar valores escalares mas sim vectores definidos em pontos diferentes do espaço-tempo.

Normalmente podemos ignorar a relatividade, e usar a formulação simplificada da conservação de energia. Na evolução e em toda a biologia a variação de energia de um sistema é sempre a diferença entre a que entra e a que sai, quer seja a Terra toda quer seja uma bactéria. Mas na cosmologia é preciso complicar a matemática para modelar o universo em expansão, e a conservação não se reduz a uma frase simples como a de Jónatas Machado:

«Os evolucionistas deveriam compreender que o seu sistema é um “non starter”, na medida em que a lei da conservação da energia afirma que em todos os processos os componentes que entram são equivalentes aos que saem»

Aqui na Terra todos os seres vivos persistem e evoluem à custa do Sol, que fornece energia de sobra para alimentar estes processos. No universo como um todo não se aplica a versão simplificada da lei da conservação de energia. Quando aplicamos correctamente as leis que conhecemos vemos que a expansão do nosso universo pode gerar todas as partículas de que tudo é feito. Não há contradição entre a cosmologia, a evolução, e a conservação de energia, desde que aplicada correctamente. Como alternativa à cosmologia e evolução, Jónatas Machado propõe:

«Criar algo a partir do nada é impossível. E no entanto, nós aqui estamos.[…] Isso é inteiramente consistente com a ideia de que Deus criou o Universo, numa semana de Criação muito especial e absolutamente singular»

Os criacionistas rejeitam a evolução por considerar que é impossível. Rejeitar o impossível é boa ideia, e neste caso é apenas um erro (não é impossível). Mas o passo seguinte é absurdo, pois defendem a criação ex nihilo precisamente por ser impossível. E não é só o criacionismo fundamentalista que sofre desta incoerência. Um dos principais argumentos para a existência de um deus criador sempre foi a necessidade aparente de uma primeira causa, e os teólogos apoiavam-se na filosofia natural por indicar que todo o efeito teria causa. Hoje em dia sabemos que não é assim. Ao nível sub-atómico muitos efeitos nem podem ter causa. O mesmo raciocínio que justificava inferir um deus criador até ao século XX obriga agora a rejeitar essa hipótese. Não só é desnecessário como é aparentemente impossível que um deus tenha criado o universo.»

——————————–[Ludwig Krippahl]

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