Sobre a Irracionalidade do "Não" e a sua Desconstrução (1/5)
Tendo vindo a seguir o debate nacional que antecede o referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, reparei num ponto curioso que me parece ainda não ter sido abordado em toda a sua extensão. O ponto é o seguinte: os movimentos do “Sim”, no seu apelo ao voto, têm oferecido uma série de argumentos racionais, mas têm também apresentado um ou outro argumento de base mais irracional (por exemplo, um argumento que não acho que ajude muito à discussão é a mediática frase do “Na minha barriga mando eu”). Por outro lado, e no que diz respeito à argumentação produzida pelos movimentos do “Não”, ainda não consegui encontrar um único—deixem-me sublinhar, um único—argumento racional para votar “Não”. Pelo contrário, observo que praticamente todos os argumentos que o “Não” é capaz de produzir se resumem a 3 categorias:
(a) Argumentos que são pura e simplesmente falsos (seja por serem mal interpretados, ou seja por usarem factos científicos errados nalgum ponto do suposto raciocínio), e logo não podem ter qualquer base racional;
(b) Argumentos que, sendo baseados em dados correctos, após uma análise racional acabam por se revelar como argumentos para na realidade votar “Sim”, e logo não servem de suporte ao “Não”;
(c) Argumentos de índole religiosa que, pela sua própria natureza, não são argumentos de carácter racional mas antes de raíz dogmática, e que, de qualquer maneira, não podem nunca servir como base para legislação num estado laico.
Parece-me, a mim, que esta situação é, no mínimo, preocupante. Vejamos, eu gostaria sinceramente de encontrar um argumento racional que fosse em favor do “Não”. É aqui importante sublinhar a palavra racional: naturalmente que, sobre as opções de voto escolhidas sem critérios de racionalidade não quero (nem me compete) me pronunciar. Claro que, caso esse argumento racional pelo “Não” existisse, não penso que mudaria a minha opinião relativa à urgência do voto “Sim” no próximo dia 11—imagino que, pesado em relação aos argumentos racionais para votar “Sim”, não tivesse força suficiente para mudar a balança. No entanto, a existência desse hipotético argumento teria um outro mérito: mostrar que de facto existe nível científico, sério e racional no debate que se desenrola. Pois se isso não é verdade, então é mais do que a despenalização da IVG até às 10 semanas que estará em jogo no dia 11. É a própria natureza racional da nossa sociedade que vai estar a ser referendada. E isso, como disse em cima, é, no mínimo, preocupante.
Antes de discutir alguns dos argumentos do “Sim”, deixem-me explicar concretamente a irracionalidade do “Não”, desconstruindo os argumentos-tipo que tanto temos ouvido ultimamente. Naturalmente que, nesse percurso, encontraremos argumentos da classe (b) indicada em cima, que serão já argumentos para votar “Sim”. Fica o desafio de, desconstruídos os argumentos-tipo do “Não” nas próximas linhas, possa ainda surgir algum novo que seja o tão desejado argumento racional para o “Não”. Acho que esse hipotético argumento poderia ajudar muito a nivelar o debate. Em qualquer dos casos, penso que é muito importante reflectir serenamente sobre a discussão que se segue por forma a se poder votar de forma puramente racional no próximo dia 11—o que seria, também, uma conquista para todos.
[continua]