Inspectores Forenses da Vagina – II
Considerando que os cruzados pelo NÃO, pelo menos de 11 movimentos, comungam tão em uníssono que se fizeram representar pela mesma pessoa no sorteio dos tempos de antena, tenho uma certa curiosidade em saber se partilham igualmente a condenação do aborto terapêutico que encontrei aqui e, caso afirmativo, porque razão não o afirmam publicamente.
Uma condenação que, não obstante todos os protestos de que a IVG não é uma questão religiosa, transcreve literalmente a posição da Igreja Católica sobre o tema, expressa, por exemplo, na encíclica Humanae Vitae, que afirma peremptoriamente «o aborto, mesmo por razões terapêuticas, deve ser absolutamente proibido».
Posição reiterada pela sucessora do Santo Ofício da Inquisição, a Congregação para a Doutrina da Fé, que confirma que o aborto terapêutico não é admissível sequer em casos «de vida ou de morte para a mãe».
Ressalvando a interpretação «progressista» da doutrina católica debitada, que considera «moral» mutilar a mulher removendo uma trompa grávida ou um útero canceroso através do sofisma que dá pelo nome de duplo efeito, a interpretação tradicional encontrada na Enciclopédia Católica afirma categoricamente que é ilícita qualquer intervenção numa gravidez, mesmo numa gravidez ectópica em que o embrião é «um agressor injusto» mas o efeito negativo (remover o embrião) é o meio de obter o positivo (salvar a mulher).
Para quem pense que esta posição é totalmente incompatível com o século XXI relembro o primeiro post com o mesmo título que confirma existirem alguns países em que vigora a estrita proibição da IVG, mesmo em caso de perigo de vida da mulher. Sem qualquer surpresa verificamos serem todos países em que o peso político da Igreja Católica é (ou foi) muito grande. Nomeadamente, e para além do Vaticano, claro, o Chile, Malta, El Salvador, Nicarágua e até recentemente a Colômbia.
As meias tintas dos bispos nacionais, que a crer em alguma comunicação social conseguem defender simultaneamente o voto «não» e a «despenalização» da mulher, são, como disse o Ricardo, apenas uma forma de manipular consciências. Obtêm o resultado pretendido (votos NÃO), aliviando ao mesmo tempo o peso de consciência daqueles que não querem ver penalizadas as mulheres que interrompem uma gravidez. Mas um voto NÃO, não obstante as confusões lançadas por alguns sectores católicos, é simplesmente afirmar que se concorda com a punição destas mulheres! Apenas isso!
E estas confusões católicas escondem a real posição da hierarquia da Igreja, que já declarou ser imoral a lei actual e avisou que a vitória do NÃO «não significa a nossa concordância com a Lei vigente». Isto é, gostariam para Portugal de um código penal análogo ao encontrado nos redutos do catalicismo mais jurássico!
Como hoje afirmou Jorge Sampaio no encontro de eurodeputados pelo SIM:
«Não cabe ao Estado democrático aderir, professar ou defender, a propósito, uma singular ou particular concepção moral, filosófica ou religiosa. Nem, consequentemente, cabe ao Estado democrático inquirir os cidadãos sobre as concepções que cada um sustenta nesse domínio. Portanto e definitivamente por mais que alguns pretendam continuar a confundir, manipular e distorcer sobre o que está em causa neste referendo que fique claro que não é de nada disso que se trata.»
«Nesta consulta popular a única questão a decidir é sobre se, sim ou não uma mulher que interrompe voluntariamente a gravidez nas primeiras 10 semanas e num estabelecimento autorizado deve ou não ser penalizada, ser perseguida, julgada, condenada e eventualmente enviada para a prisão. SIM ou NÃO».
Por muito que os fundamentalistas católicos não o aceitem, Portugal é uma democracia, não é uma teocracia! Votando SIM no próximo referendo assumimos a maturidade democrática que tarda em arribar em terras lusas! E repudiamos a existência de inspectores forenses da vagina…