Campanha de excomunhão – II
As manobras intimidatórias e a chantagem emocional sucedem-se a uma velocidade alucinante. Para além dos folhetos mais indescrítiveis de puro terrorismo psicológico, descubro via Renas e Veados que o cónego de Castelo de Vide e Portalegre, Tarcísio Fernandes Alves, no seu quarto boletim semanal sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, distribuído aos fiéis na missa do passado domingo, avisa que serão excomungados os que votarem SIM e os «que se abstiverem de votar cometem um pecado mortal gravíssimo que os irá impedir de participar na missa».
Acho que, tal como o João Oliveira, vou aproveitar o ensejo para ser retirada dos registos que me consideram católica pelo facto de a minha mãe me ter baptizado com alguns dias de vida. Face ao que explicou o empenhado pároco, espero que a minha desbaptização seja automática mal o pároco de Santos-o-Velho receba a minha carta registada confirmando a minha excomunhão e concomitante pedido para ser retirada da contabilidade que a ICAR esgrime para contar espingardas e exigir benesses. E espero que, a exemplo do que acontece em Espanha, o meu pedido não seja recusado. Suponho ser pouco católico fazer ameaças vãs…
Mas a próxima ameaça anunciada pelo cruzado contra a liberdade de consciência da mulher induz-me um frémito expectante pelas suas consequências. De facto, o pároco afirma que o próximo boletim avisará as católicas que «quem fizer aborto não poderá ter um enterro religioso».
Olhando para as estatísticas internacionais disponíveis sobre a taxa de aborto, considerando que Portugal tem uma taxa de natalidade das mais baixas da Europa e que não há qualquer razão para considerar que cá no burgo a eficácia dos contraceptivos sobe vertiginosamente em relação à que apresenta no resto da Europa, diria que, com base no indicador médio europeu sobre o número de abortos por mulher, no mínimo metade das mulheres portuguesas não terão direito a um funeral religiososo. Por exemplo nos Estados Unidos, com uma taxa de natalidade em 2004 de 2,05, muito superior à nacional de 1,42, em média 7 em cada 10 mulheres faz um aborto.
Na realidade, embora a clandestinidade a que o condicionalismo católico remeteu o aborto não permita qualquer tipo de estatísticas, uma vez que o mesmo condicionalismo e falsa moralidade inibem a educação sexual e o planeamento familiar encontrados nos países livres das teias de aranha religiosas, – que curiosamente são os que apresentam maiores taxas de natalidade na Europa – diria não ser arriscado extrapolar que a taxa de aborto em Portugal deve ser substancialmente superior à verificada nos restantes países europeus – com excepção das ex-Repúblicas soviéticas – e estar mais próxima das estimadas para a América Latina. Países em que todas as mulheres realizarão em média entre 1 a 1,5 abortos ao longo da vida!
Assim sendo, e acreditando mais uma vez que estas não são ameaças em vão, seria útil que os nossos governantes começassem a pensar seriamente na construção de tanatórios em todo o país já que espero que os portugueses não se deixem coagir pelas manobras da Igreja de Roma e o resultado do referendo de 11 de Fevereiro mostre claramente a maturidade cívica e de cidadania nacional!