Gazeta Ateísta — Fábrica de santos
Fábricas de santos
Por
Onofre Varela
Vimos no último artigo que a Igreja Católica mantém um departamento para fabricar santos, com laboração muito produtiva. Mas nesta treta das canonizações nem só o Vaticano labora. A Igreja Ortodoxa Russa, também. E esta foi mais longe. Ao saber que a Igreja Católica tem na calha, há imenso tempo, a ideia de canonizar o arquitecto Antoni Gaudi, autor da magnífica obra que é a igreja da Sagrada Família, em Barcelona (e que morreu atropelado por um carro eléctrico no dia 10 de Junho de 1926), a Rússia canonizará um czar: Nicolau II será São Nicolau, o portador da Paz. Mas não só ele. Toda a família (mulher e cinco filhos) está proposta para a canonização ortodoxa, não por produzirem milagres, nem por terem levado uma vida exemplar na distribuição do bem, mas sim por terem sido fuzilados pelos revoltosos bolcheviques – fraccionários do Partido Social Democrata Russo – na cave de um prédio na madrugada do dia 17 de Julho de 1917.
Recorde-se este facto histórico: O czar Nicolau II foi quem permitiu a existência faustosa do tenebroso Rasputine, alegadamente por lhe ter salvo um filho, e também foi o responsável pelo tristemente célebre Domingo Sangrento, de 9 de Janeiro de 1905, quando as tropas abriram fogo contra a marcha pacífica de 140.000 trabalhadores. Enquanto foi czar, Nicolau II fechou os olhos, os ouvidos, e encolheu os ombros, perante a profunda miséria em que vivia o povo russo, ao mesmo tempo que se convencia de ser adorado pelo mesmo povo que oprimia. Daí as execuções.
Com santos desta estirpe não tarda que se canonize, via Roma ou Moscovo, Estaline, Franco, Hitler, Mussolini, talvez Pinochet pela sua profunda catolicidade… e, quiçá, Salazar!… Sobra um problema. A nomenclatura dos santinhos já conta com um São Nicolau. O São Nicolau de Mira, dito Taumaturgo, também apelidado de São Nicolau de Bari, Itália, onde estão sepultados os seus ossos. É o santo padroeiro da Rússia, da Grécia e da Noruega, e na Arménia acumula a função de patrono dos guardas nocturnos. Nicolau era um bispo tão caridoso que ficou conhecido pela sua afinidade com as crianças. Por isso mesmo todo o mundo o conhece por Pai Natal. Para evitar confusões, o czar russo, ao ser canonizado, terá de conservar o seu número de série… São Nicolau II.
O tom brincalhão com que refiro a produção de santos, é o único modo que me parece adequado para
aludir essa prática medieval no século XXI. É impossível tomar-se a sério essa preocupação eclesiástica, e
não me venham dizer que estou a desrespeitar as ideias beatas… o que acontece, é que a actividade de
produzir santos desrespeita a minha inteligência, e é intelectualmente desonesta. Se a “qualidade de santo”
fosse conferida de modo semelhante àquele com que se atribui o título de herói a um soldado na guerra e a
um bombeiro que salvou vidas, ou da maneira como se afere a excelência de um futebolista fora de série,
um cantor, cineasta ou actor… com provas dadas e reconhecidas pelas autoridades especialistas em cada
uma das áreas, percebia-se o porquê da homenagem. Mas escolher os santinhos de acordo com os milagres
produzidos por Deus, intermediados por aquela figura morta e ressequida, e aferidos pela paranóia
eclesiástica… é demasiada brincadeira para constituir assunto sério. O processo das canonizações acaba
por nos afirmar que lá, no inexistente céu, também têm lugar as tão humanas cunhas, e os santos acabam
por fazer o papel de parasitas intermediários perante a divindade!… Isto não é ridículo?…
Onofre Varela
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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