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O referendo da Irlanda e a IVG

A chegada de Trump à presidência dos EUA não foi apenas uma catástrofe para a paz, o ambiente e a ordem internacional, é um estímulo ao retrocesso civilizacional, com riscos acrescidos por um indivíduo impreparado, narcisista e imprevisível.

Não há campo onde a influência deletéria do país mais poderoso da Humanidade não se faça sentir. A escalada da extrema-direita, a explosão de nacionalismos agressivos e o recuo dos direitos humanos são a face visível de ressentimentos ocultos que explodem agora numa apoteose reacionária que augura os piores receios.

Enquanto a fome, a guerra e a miséria produzem milhões de mortos e de deslocados, por todo o mundo, as ditaduras ameaçam os países que julgavam perpétuas as democracias, e assiste-se, nos costumes, à progressão das forças mais obscurantistas.

Dos EUA aos países sul-americanos, da Ásia à Europa, há uma escalada misógina, que se abeira da patologia islâmica ou do fundamentalismo de Malta. Na Eslováquia e na Polónia reforçam-se grupos que se opõem aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, num ataque à sua autodeterminação sexual e ao retorno à criminalização da IVG.

É por isso que o referendo da Irlanda, com a massiva participação e expressiva maioria, favorável à liberalização do aborto, foi uma vitória histórica no país onde a IVG, mesmo nos casos de malformações fetais, incesto ou violação, é punida com penas de prisão próximas das dos homicídios.

A vitória da modernidade, onde ‘mulheres caídas’, leia-se ‘prostitutas e mães solteiras’, eram votadas a um aviltante ostracismo, é o triunfo de uma nova mentalidade nascida na ruína de uma Igreja ferida por sucessivos escândalos, e o triunfo dos direitos da mulher.

A mobilização sem precedentes do eleitorado e a amplitude do SIM à despenalização do aborto foi a resposta irlandesa à ofensiva ultraconservadora que grassa contra os direitos reprodutivos da mulher.

O resultado deste referendo, sendo um alívio para as mulheres irlandesas, é a vitória da igualdade de género, num percurso longo e doloroso que devia envergonhar os homens.

Quando uma religião exulta com a castidade e exalta a virgindade, execra a sexualidade e transforma a fonte da vida na fossa do pecado.

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

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- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»

- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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