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  • 15 de Dezembro, 2017
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

DEUS E A DESGRAÇA

Por

ONOFRE VARELA in Gazeta de Paços de Ferreira

Em 1998 a América Central foi palco de uma desgraça que mobilizou o mundo numa onda solidária perante a destruição que o furacão Mitch causou na Nicarágua, provocando 20.000 mortos, 11.000 feridos e três milhões de desalojados. A solidariedade do sacerdote Santiago Martin manifestou-se num texto que ele publicou no semanário madrileno ABC, sob o título genérico Crónicas desde la Fé. Na linha da ideia de Deus ser sinónimo de tudo quanto é bom, escreveu, subordinado ao título “Deus é amor”, um texto que começava assim: “Aqui, nestas três palavras, nesta breve frase, se encerra e condensa o essencial da nossa fé. Deus existe e é amor. Deus existe e quer-te, a ti, pequeno ser humano, vítima de tantas precariedades e de tanta dor. Deus não te abandona nunca, ainda que os teus mais próximos o façam. E a prova principal dessa felicidade e desse amor divino é a encarnação do filho de Deus, sua morte na cruz e a ressurreição gloriosa”.

Que dizer deste naco de prosa? Este discurso, proferido por um louco na paisagem desoladora da Nicarágua após a passagem do furacão, não passaria disso mesmo: do discurso de um louco!… Onde estava Deus com o seu carregamento de amor e de bondade, no momento em que o furacão varreu a Nicarágua? Aos crentes foi ensinado que Deus comanda as forças da Natureza (e também por cá, há poucos dias, se rezou para que chovesse!), e a própria Igreja o reafirmou pela boca do arcebispo de Caracas, Ignacio Velasco, quando trágicas inundações enlutaram a Venezuela em Dezembro de 1999, causando 15.000 mortos. O arcebispo afirmou que “a tragédia que assola e enluta a Venezuela e os seus habitantes, é devida à ira de Deus que quer castigar a soberba do presidente Chávez”. (El País, 20/12/1999). Religião, loucura e ódio misturam-se nestes discursos que parece serem habituais na América Latina, onde a esmagadora maioria do povo é fanaticamente religiosa, e onde a Igreja Católica conta a maioria dos seus crentes.

Quando a Igreja diz que Deus é amor, talvez conviesse especificar que raio de amor quer ela referir. Deus surge a distribuir o seu amor do mesmo modo como os bombeiros o fazem, sempre depois de ocorrida a desgraça? Deus é um enfermeiro que coloca pensos nos espíritos feridos? Convenhamos que é pouco para um deus, tal como o pintam as religiões! Deus dá-me amor e quer-me?!… Quer-me como? Quer-me bem, segundo o humano conceito do que é estar-se bem, fruindo de uma vida consideravelmente feliz… ou quer-me morto, segundo o conceito católico da “bem-aventurança-além-túmulo”?

Como é que se pode explicar às vítimas do furacão Mitch (ou de qualquer outro cataclismo) que tudo aquilo aconteceu por um acto de amor de Deus que tanto nos quer, e que naquele dia, ao que parece, estava um mãos-largas?!…

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

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- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»

- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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