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O embrião segundo a Igreja Católica – II

Uma vez que a ciência desmente os seus dogmas, a Igreja de Roma pela pena de João Paulo II declara-se a expert em embriologia – mais concretamente transforma Pio IX, o cruzado contra a modernidade e paladino contra a ciência, no perito da área – já que os cientistas, que não consideram o embrião uma pessoa, sustentam uma tese caracterizada «por um dualismo profundo, que não é capaz de explicar o ser humano como unidade substancial».

Mas se a ciência para a Igreja não é capaz de explicar o ser do Homem (o que não é verdade como veremos num post seguinte), a versão da ICAR tem mais buracos que uma peneira!

De facto, este ser do Homem é identificado como sendo o genoma, isto é, a «identidade específica de uma pessoa humana» é determinada «fundamentalmente» pelo genoma humano. Ou seja, João Paulo II considera ser um genoma humano uma pessoa não explicitando se existe um gene «sobrenatural» insondável à ciência que codifica a alma ou princípio vital, o tal que caracteriza o homem e a sua «triunidade entre as vidas vegetativa, senciente e intelectual», já expressado, sobrenaturalmente também, no genoma. Isto é, a Igreja que considera não ser uma pessoa apenas a vida vegetativa não consegue explicar onde está a vida senciente (muito menos intelectual) do dito genoma!

Nem consegue explicar a contradição com a própria doutrina da Igreja já que «sendo o princípio vital a forma substancial [da vida] só pode existir um destes princípios animando o ser vivo» o tal princípio vital ou alma não pode estar presente no genoma, que teria de apresentar múltiplos princípios vitais para explicar a existência de gémeos homozigóticos – que partilham o mesmo genoma! De igual forma, não está presente numa célula estaminal totipotente – que pode dar origem a uma infinidade de outras células iguais – cuja investigação é anátema para a Igreja que a considera igualmente uma pessoa…

Na realidade um genoma humana de per se não é uma pessoa nem é o que define o ser do Homem, contrariamente ao que pretende a Pastoral Familiar do Porto que afirma ser o «que caracteriza um ser humano, o que lhe define a identidade, o que o torna um ser irrepetível» apenas «a individualidade do seu genoma», já que se assim fosse os gémeos homozigóticos seriam a mesma pessoa.

Ora suponho que nem mesmo o católico mais fundamentalista pretende que esses gémeos sejam a mesma pessoa. O que os torna pessoas e pessoas distintas não é o código genético que partilham mas sim a forma diferenciada como esse código genético foi transcrito, nomeadamente como se expressou nas proteínas que regulam a migração e crescimento neuronal e posteriormente no estabelecimento de sinapses. Crescimento neuronal -praticamente sem sinapses estabelecidas – que está numa fase muito incipiente no embrião ou feto até às 10 semanas e que não lhe permite qualquer senciência: esta forma de vida humana não tem consciência de si nem do meio ambiente! Não satisfaz sequer os critérios da própria ICAR sobre o que caracteriza uma pessoa…

Assim, a vida humana de que a ICAR é defensora intransigente não é a vida de pessoas é apenas… um código genético! Na realidade, a oposição dos grandes paladinos de óvulos, espermatozóides e células estaminais totipotentes quer à contracepção quer ao aborto reflecte não só a misoginia de quem se considera o dono do útero feminino – e que atribui à mulher a culpa do «Queda», o pecado original da procriação, a tal ponto que para mãe do seu mito tiveram de inventar uma virgem imaculada que concebera sem «pecado» -, como a rejeição pela ICAR do sexo sem fins reprodutivos, pelas razões indicadas no Responsum do Papa que inventou os sete pecados mortais, Gregório Magno (590-604): «O prazer sexual nunca ocorre sem pecado».

A ilegítima imiscuição humana nos desígnios «divinos», que perverte a «sagrada» função procriativa da sexualidade em profanos prazeres carnais, transformando-a numa «tríplice concupiscência»: a «concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida», pechas para o mal advindas do dito «pecado [original]» é uma abominação, uma ideologia do sexo que a ICAR execra e combate na letra da lei dos países em que tem mais poder político.

A contracepção – e o aborto – assim como a homossexualidade são anátemas para a ICAR porque permitem prazer sexual «inconsequente». O sexo deve ser cumprido no espírito de mortificação de quem sabe estar a cometer um pecado apenas admissível como um «duplo efeito», isto é uma acção directa promovida por uma razão moral (ter filhos) que tem um efeito inevitável, não intencional, indirecto e negativo: o prazer sexual.

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