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Um texto oferecido por um jornalista brasileiro

A moral divina é impossível

Há alguns impedimentos filosóficos no dogma de pecado e salvação que se sustenta na construção do divino onipotente das três teologias monoteístas. Embora saibamos que paradoxalmente o deus judaicocristãoislâmico tenha personalidade divergente em cada uma dessas mitologias, no aspecto escatológico parece o mesmo.

Portanto, para simplificarmos, analisemos esses impedimentos pela ótica da teologia do deus abraâmico Javé, o absoluto.

Com o poder supremo elementar que engloba a onisciência e a misericórdia infinita, Javé, também conhecido por Cristo ou Alá, segundo a teologia triunfante, por ser perfeito e não tolerar a imperfeição em suas criações está moralmente legitimado em punir os imperfeitos com um inapelável castigo eterno de torturas em sua satânica fornalha incandescente depois do tribunal do juízo.

O primeiro impedimento nos salta aos olhos: a troco de quê uma entidade onisciente – e a prova está até mesmo nas suas escatológicas profecias apocalípticas de dor e provação -, prestar-se-ia ao papel de carrasco impiedoso daqueles que a contrariam? É que se deus é perfeito, e, por lógica inerente, impedido de dar existência a algo imperfeito, por que sua criação apresentase imperfeita, a ponto de merecer punição marcial? Segundo os crentes, deus concede a cada um o direito de buscar a perfeição. Há aqui outro impedimento.

Deus é perfeito porque escolhe ser perfeito ou é impossível para deus cometer imperfeição? Se deus escolhe sempre ser perfeito, ele não dispõe da onisciência, assim como também não poderia ter o poder supremo e único da criação, já que a possibilidade de imperfeição fugiria aos seus desígnios por ser concomitante ou anterior a ele. E por tabela desconstrói a lógica da moral absoluta. E se deus também criou a possibilidade da imperfeição implode-se a teologia da perfeição moral suprema divina, aquela que legitima a punição do imperfeito porque deus é moralmente perfeito para tal. Mas se para deus é impossível criar a imperfeição – e ainda assim suas criaturas a sujeitam-,temos um imenso problema às prerrogativas divinas, já que o poder supremo e absoluto é incompatível nesse cenário.

Há então que se admitir: algo imponderável escapa à vontade de deus e nem lhe é impossível criar algo imperfeito. Se segundo a teologia, o deus perfeito criou cada humano com a liberdade de escolher, ainda assim a onisciência divina invalida essa tese. Isso porque mesmo com o fabuloso privilégio de prever, deus só permitiu a possibilidade do imperfeito vir à existência, ao que parece, apenas para justificar uma sádica prerrogativa de punição que poderia ser evitada se a máxima de que o perfeito não produz imperfeição fosse uma verdade absoluta. Deus, nesse caso, é um sádico. Ou não dispõe da onisciência, e por isso rende-se a compulsão criativa na tentativa patética de alcançar a perfeição, ou não tem o menor controle da perfeição e da mesma forma vai criando sempre na busca inalcançável da obra perfeita. Mas se até de deus escapou a perfeição, que sentido moral tem a punição eterna a uma criação imperfeita?

O que se abstrai, portanto, dessa teologia é que se deus é perfeito fica impedido de parir – e consequentemente punir – criaturas com a capacidade de escolher entre o perfeito e o imperfeito por essa razão lógica: é que diante da onisciência de um observador absoluto toda e qualquer decisão humana reduz-se a um determinismo irrevogável. Punir a criatura imperfeita que nunca usará a plenitude da liberdade, posto que sua decisão já está definida na eternidade dos tempos, é moralmente inaceitável.

a) Carlos Tavares, jornalista, livre pensador da cidade de Três Rios – RJ – Brasil

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