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O referendo ao aborto: autonomia da mulher II

A referida prosa do actual Papa debitada enquanto Inquisidor-mor, é ainda uma elegia às teses agostinianas sobre os males do sexo, isto é, afirma que a «dimensão antropológica da sexualidade é inseparável da teológica» – o abominado sexo é uma consequência da «queda» – e como tal a humanidade deve «evitar as relações marcadas pela concupiscência», na realidade uma «tríplice concupiscência», a «concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida», pechas para o mal advindas «do pecado [original]».

Para a Igreja de Roma, o ideal de mulher deve ser uma mulher completamente anulada como pessoa, devotada à sua «capacidade para o outro», sendo completamente inaceitável por ateísta «um certo discurso feminista» que «reivindica exigências ‘para ela mesma’». A mulher, que se realiza apenas no casamento ou na Igreja, deve no primeiro caso subjugar-se totalmente ao marido e aos filhos, já que não tem valor intrínseco fora de ambos, na realidade tem menos valor que um qualquer óvulo fertilizado – nem em casos «de vida ou de morte, para a mãe» é admissível uma interrupção da gravidez!

De facto, são consideradas «modelos de perfeição cristã» a beata Isabella Canori Mora, que preferiu morrer às mãos de um marido abusivo a «violar a santidade do matrimónio», e a «santa Mãe de Família» Gianna Beretta Molla, que preferiu morrer a abortar.

Assim, a condenação histriónica do aborto (e da contracepção) pela Igreja de Roma e seus sequazes não tem nada a ver com uma pretensa «defesa intransigente» de algo que confessam não saber bem o que seja. Vida que «na sua condição terrena», como já tive oportunidade de abordar, «não é um valor absoluto» para a Igreja! Excepto, claro, na forma unicelular – células estaminais e óvulos fertilizados- e embriónica!

A oposição católica ao aborto, embora baseada nas raízes do cristianismo, que justificam igualmente a oposição à contracepção – misoginia e ódio ao sexo, que desvia os crentes das «virtudes» cristãs – insere-se simplesmente na luta da Igreja pelo poder sobre a sociedade. Poder manifesto cá no burgo, por exemplo, no tempo de antena da Igreja e organizações subsidiárias em todas as estações de rádio e televisão, em que, insidiosamente, se tenta impor ao país os ditames do Vaticano em todos os aspectos da sociedade, da Economia aos comportamentos individuais!

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