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A Ciência não é um "ismo"!

«Muitos argumentos criacionistas traçam um paralelo entre a teoria da evolução e o criacionismo. Chamam-lhe evolucionismo, e dizem que é apenas uma crença, uma questão de fé. É um argumento curioso, pois se posições tão contrárias derivam ambas da fé, então é óbvio que a fé não serve para resolver questões como a origem das espécies. Não é novidade, mas é estranho que os criacionistas queiram salientar a incapacidade da fé em resolver questões científicas.

Felizmente, a ciência não é um “­ismo”, como o criacionismo ou o cristianismo. Os “ismos” caracterizam-se pela crença num conjunto de hipóteses, e por isso facilmente se associam à fé. O criacionismo exige que se aceite como verdade que um deus criou os seres vivos, cada um de acordo com o seu tipo, e assim por diante. A ciência não exige que os seus praticantes se agarrem a uma hipótese em particular, o que é evidente na história das ideias científicas.

Há poucos séculos atrás, a teoria da criação era o modelo consensual da biologia. Um deus tinha criado os animais, tinha havido um dilúvio, e Noé tinha deixado os animais no monte Ararat. Mas algumas observações começaram a pôr em causa este modelo. Como teriam chegado as toupeiras marsupiais à Austrália? E aquelas espécies todas diferentes que viviam cada uma na sua ilha no meio do Pacífico? Muitas perguntas como estas levaram a rever a hipótese da criação, e começaram a surgir modelos de evolução. Erasmus Darwin, o avô do famoso Charles, propôs uma teoria de geração segundo a qual as espécies eram geradas pelo poder criador da matéria orgânica e não directamente por um deus. Mais tarde, Lamarck propôs que as espécies evoluíam herdando características adquiridas. Por exemplo, a girafa que mais vezes esticava o pescoço ficava com um pescoço mais comprido e os seus descendentes nasciam já com o pescoço mais comprido.

Quando Charles Darwin publicou “A Origem das Espécies”, já a biologia aceitava que as espécies evoluíam, e já se tinha rejeitado o modelo antigo das espécies sempre com a mesma forma. O que Darwin criou (e Wallace, independentemente) não foi a ideia de evolução mas sim do mecanismo pelo qual as espécies evoluem: a girafa não fica com o pescoço mais comprido, mas a girafa com o pescoço mais comprido tem mais filhos.

Mas Darwin tinha um problema. A sua teoria exigia que houvesse numa população de girafas com pescoço mais curto e outras com pescoço mais comprido. Ou seja, era necessário haver uma diversidade genética na população para que a selecção natural pudesse operar. Darwin propôs que erros na hereditariedade poderiam gerar esta diversidade, mas nessa altura pensava-se que as características dos pais se misturavam como fluidos contínuos para gerar os filhos, e esse processo de mistura rapidamente eliminaria a diversidade na população.

Esse problema foi resolvido com a redescoberta do trabalho de Mendel. Afinal as características dos pais não se misturam como fluidos, mas sim em pedaços discretos, os genes. Outros problemas também se foram resolvendo. Por exemplo, a geologia na época de Darwin afirmava ser necessário milhões de anos para explicar as formações geológicas, enquanto a física dizia ser impossível o Sol arder tanto tempo. Mas os físicos dessa altura desconheciam a radioactividade, e assumiam que o Sol ardia por processos químicos. Com a descoberta da radioactividade por Becquerel em 1896 o problema resolveu-se.

Este processo continuou por todo o século XX. Diferentes hipóteses, problemas que surgiam, problemas que se resolviam e levantavam novas hipóteses. A teoria da evolução hoje em dia é muito diferente da que Darwin propôs, e o processo não terminou.

E aqui reside a grande diferença entre a ciência e os “ismos”. O criacionismo é a crença num conjunto de respostas, enquanto que a ciência é um processo movido pelas perguntas. O criacionismo é fechado; quem deixar de crer que foi deus que criou os organismos deixa de ser criacionista. A ciência é aberta; eram tão biólogos os que favoreciam o modelo da criação no século XVII como os que favorecem a evolução no século XXI. O criacionismo é uma poça estagnada de crenças. A ciência é uma fonte de novas ideias.»

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