O Papa e o Islão
O Papa Rätzinger, mentor ideológico do seu antecessor, é ainda mais conservador, com um pensamento mais estruturado e uma agenda mais apressada.
Frio, inteligente e calculista não podia ignorar o imenso alarido que provocariam as suas palavras, descontadas as proporções, impossíveis de quantificar previamente.
Bento XVI é a réplica católica do protestantismo evangélico neoconservador dos EUA e, salvas as devidas proporções, o expoente máximo da postura homóloga dos próceres do Islão. Não foi por acaso que chamou Constantinopla à actual cidade de Istambul.
Condena o relativismo, não se conformando com o pluralismo. Combate a laicidade e interfere de forma vigorosa nos países de tradição católica para obstar às leis que regulam o aborto, o divórcio, a eutanásia, a contracepção ou o planeamento familiar.
O Papa não é apenas o ideólogo do teoconservadorismo, é agente do combate obstinado à modernidade e arauto do regresso ao concílio de Trento. Críticas acerbas ao budismo e ao hinduísmo, a cruzada contra o laicismo e o combate ao evolucionismo, que considera uma ideologia, fazem de B16 o mais obsoleto hierarca do cristianismo. Da teologia à política, da moral à economia e da ciência à religião, Bento XVI situa-se sempre no campo conservador mais duro, aliando um proselitismo exacerbado e uma inflexibilidade teológica.
A expansão do islamismo na sua forma mais arcaica, com laivos de demência fascista, assusta este Papa que vê os feudos tradicionais em rápida secularização numa Europa que deixou de acreditar em verdades únicas e que mais facilmente se envolve na luta de classes do que em querelas da fé.
Foi a inquietação que, na minha opinião, o precipitou para o confronto. Do outro lado disseram-lhe que o Islão era pacífico, assassinando uma freira, perseguindo cristãos e incendiando igrejas. A intolerância não é monopólio de uma religião, é a tradição ancestral das três irmãs abraâmicas.
O seu grande objectivo foi colocar-se na vanguarda do combate ao terrorismo, urgente e necessário, para reivindicar para o Vaticano os louros de uma vitória sabendo que, em caso de derrota, a democracia e a liberdade morreriam e o cristianismo não sobreviveria.
O conflito entre o Papa e o Islão não nasceu das divergências, surgiu das afinidades.
Publicado também no Ponte Europa.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
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- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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