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A Dádiva de Carl Sagan

A Dádiva de Carl Sagan

(Texto enviado por Paulo Franco)

A nave espacial Voyager estava bem longe de casa. Pensei que seria uma boa ideia, logo depois de Saturno dar uma última olhada na direcção de casa. De Saturno, a Terra apareceria muito pequena para a Voyager apanhar qualquer detalhe. Nosso planeta seria apenas um ponto de luz, um pixel solitário dificilmente distinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager avistaria.

Planetas vizinhos, sóis distantes. Mas justamente por causa dessa imprecisão do nosso mundo assim revelado valeria a pena ter tal fotografia. Já havia sido bem entendido por cientistas e filósofos da antiguidade clássica que a Terra era um mero ponto em um vasto cosmos circundante. Mas ninguém jamais a tinha visto assim. Aqui estava nossa primeira chance, e talvez a última em décadas. Um mosaico quadriculado estendido em cima dos planetas e um pontilhado de estrelas distantes.

Por causa do reflexo da luz do Sol na nave espacial – a Terra parece apoiada num raio de Sol – como se houvesse alguma importância especial para esse pequeno mundo, mas é apenas um acidente de geometria e óptica.

Não há nenhum sinal de humanos nessa foto; nem nossas modificações na superfície da Terra; nem nossas máquinas; nem nós mesmos. Desse ponto de vista, a nossa obsessão com nacionalismos não aparece em evidência. Nós somos muito pequenos na escala dos mundos – irrelevantes – uma fina película de vida num obscuro e solitário torrão de rocha e metal.

Imagine a totalidade de todas as pessoas, de todas as felicidades e sofrimentos, milhares de religiões, ideologias e doutrinas económicas.
Cada caçador e saqueador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e plebeu, cada casal apaixonado, cada pai e mãe, cada criança esperançosa, inventor e explorador, cada educador e político corrupto, cada “líder supremo”, cada superstar, cada santo e pecador da história da nossa espécie, viveu ali:
numa partícula de poeira suspenso em um raio de Sol.

A Terra é um palco muito pequeno numa imensa arena cósmica.

Pense nas infinitas crueldades infligidas pelos habitantes de um ponto desse pixel nos quase imperceptíveis habitantes de um outro canto. Como são frequentes os seus desentendimentos, como eles estão sedentos de se matar uns aos outros; como fervilham seus ódios. Pense nos rios de sangue derramados por todos esses generais e imperadores para que, em glória e triunfo, eles pudessem ser os chefes momentâneos de uma fracção desse ponto.

Nossas atitudes, nossa imaginária auto-importância, a ilusão de que nós temos alguma posição privilegiada no universo são desafiadas por esse ponto de luz pálido. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Em nossa obscuridade em toda essa imensidão não há indício de que a ajuda virá de algum outro lugar para nos salvar de nós mesmos.

Tem sido dito que a Astronomia é uma experiência de humildade e formação de carácter. Talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas do que
essa imagem distante do nosso pequeno mundo. Essa imagem enfatiza a nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns dos outros e de preservar e estimar o único lar que nós conhecemos: O Planeta Terra, um ponto de luz azul pálido… entre muitos milhares de milhões de outros pontos de luz.

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

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- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;

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- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»

- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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