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Moral em tempo de SIDA

Durante a recente XVI Conferência Internacional sobre Sida, que decorreu em Toronto, Canadá, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton não foi o único mas certamente foi o mais proeminente dos oradores a criticar a política da administração norte-americana em relação ao combate à SIDA, mui cristamente focada em programas exclusivamente de abstinência.

Bill Clinton afirmou o que todos os que trabalham na área sabem:

«As evidências apontam que os programas de abstinência não têm sucesso. Os programas de abstinência são um erro».

Na realidade, as afirmações de Bill Clinton são corroboradas por Beatrice Were da ActionAid Uganda, e de Leigh Anne Shafer do Medical Research Council. Esta cientista reportou o aumento das infecções com HIV no Uganda, um exemplo de sucesso no combate à disseminação do HIV graças ao programa ABC (abstem-te, sê fiel e, se não seguires as duas primeiras, usa preservativo), até à intervenção dos fundamentalistas cristãos.

Os moralistas cristãos, nomeadamente da Casa Branca, usaram falaciosamente os excelentes resultados ugandeses no combate à SIDA assumindo que apenas o A&B (abstinência e fidelidade) do programa era seguido. O que está longe da realidade! E G.W. Bush conseguiu que fosse aprovado um plano de combate à SIDA no continente africano em que os programas exclusivamente A&B recebem a fatia grande do orçamento. Pondo em perigo o combate à disseminação deste flagelo.

Os grupos que receberam a quase totalidade do financiamento, como o «True Love Waits», em colaboração com várias igrejas organizaram orgias ululantes de fé destinadas a promover a abstinência e a fidelidade, difundindo, como é habitual nos fanáticos cristãos, desinformação e mentiras óbvias como «Os preservativos são completamente ineficientes». O resultado desta tão cristã actuação, que execra o uso de preservativos e os comportamentos «imorais», traduz-se no aumento das taxas de infecção com o HIV e na estigmatização dos infectados.

A imoralidade criminosa cristã pode ser apreciada na sua real dimensão se considerarmos que, de acordo com as declarações do Cardeal Javier Lozano Barragán, cerca de um quarto, mais concretamente «26,7% dos centros no mundo para tratar os enfermos de HIV/Sida, pertencem à Igreja Católica». Ou seja, que a prevenção da SIDA, especialmente em África, está nas mãos de devotos cristãos, evangélicos e católicos, unânimes na condenação do preservativo.

Segundo Barragán «As principais acções que realizamos na formação referem-se aos profissionais da saúde, aos sacerdotes, religiosos e religiosas, aos próprios enfermos, às famílias e à juventude. Na prevenção insistimos na formação e educação para comportamentos destinados a evitar a pandemia».

Claro que de acordo com a (i)moral católica o preservativo é um anátema nunca admitido como medida de prevenção. Assim, a somar aos grupos com financiamento federal americano temos mais de 1/4 dos centros de atendimento a infectados com o HIV em que os pacientes são devidamente informados da ineficácia do uso do preservativo e desaconselhados a usá-lo, mesmo no caso de casais em que apenas um membro está infectado.

A prevenção e controle desta catástofre só será possível quando a religião, pelo menos a cristã, for totalmente eliminada dos programas e centros a ela devotados. Todos os cientistas presentes na Conferência foram unânimes na recomendação do abandono de programas, não só completamente ineficazes como contraproducentes, focados na abstinência. Faltou dizer que enquanto as instituições cristãs forem financiadas, com dinheiros públicos ou contribuições particulares, não há quaisquer hipóteses deste flagelo ser controlado!

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