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A América que não muda
Sob o título «A América que não muda» (Público, 10/11/2004), José Pedro Zúquete (JPZ) justifica com comovente ternura a vitória de Bush com argumentos certamente procedentes e, outros, de beata motivação e manifesta debilidade.
Entre estes últimos encontram-se os que atribuem aos EUA uma religiosidade que lhe terá sido legada pelos fundadores, na sua grande maioria ligados à maçonaria, livres-pensadores e defensores do laicismo, valores que impregnam a Constituição americana e constituem a marca genética dos princípios democráticos, liberais e tolerantes que a caracterizam.
Há, aliás, uma evidente contradição quando JPZ afirma que «desde o início houve a separação da Igreja e do Estado» imediatamente após ter afirmado que «desde o início da história americana que a política abraçou a religião», fazendo tábua rasa do carácter laico, historicamente pioneiro, da Constituição.
Muitos das «figuras sagradas» dos EUA a que alude foram agnósticas e, entre as maiores, houve quem considerasse o cristianismo como um conjunto de meras superstições. Mas, na ânsia de reescrever a história do grande país e justificar os desvios recentes, JPZ não hesita em apoiar-se nas referência religiosas que acompanham os símbolos da soberania como se essas referências fossem uma herança da fundação e não tivessem aparecido apenas no séc. XX sob influência de radicalismos religiosos.
Atribuir a um país com uma constituição profundamente laica o carácter não laico que a deriva metodista e outros fundamentalismos evangélicos se esforçam por desvirtuar, é uma mistificação que serve os desígnios de um proselitismo agressivo e trai a verdade histórica e os princípios de tolerância religiosa de que os EUA são herdeiros.
Quanto à ligação que JPZ estabelece entre Deus e liberdade e entre democracia e religião, deve esquecer-se que a Bertrand Russell foi negada a liberdade de ensinar nos EUA, por ser ateu, e que a religião que obriga ao estudo do criacionismo bíblico e, se possível, à proibição do estudo do evolucionismo não é certamente uma referência democrática nem um caminho recomendável.
«A América que não muda» é apenas a América que mudou. Para pior.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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