Os crentes e a tolerância
O aparecimento de crentes tolerantes vai-se tornando uma constante a que urge estar atento. É um fenómeno das sociedades democráticas onde a secularização exerce a sua pedagogia. A religião não faz ninguém bom, mas não estraga todos por igual. Os livros sagrados refletem a violência da época e a idiossincrasia de quem os escreveu, mas são poucos os crentes que os leem e menos os que os levam a sério.
A verdade revelada dos quatro livros escolhidos no consulado de Constantino teve mais a ver com os interesses do Império Romano do que com as necessidades espirituais do Imperador. Esses livros, evangelhos, refletiam interesses políticos que se tornaram determinantes para a organização política da ICAR e a conquista do poder temporal que logrou. Outro tanto aconteceu com a Tora, primeiro, e o Alcorão, depois.
Curiosamente, ainda hoje a ICAR vai buscar aos evangelhos que ela própria declarou apócrifos factos e personagens a que atribui valor canónico. É o caso de Ana e Joaquim, acoimados de santos e distribuídos a Jesus, como avós maternos cuja vida e respetiva existência os «verdadeiros» omitem.
Excetuando épocas de crise em que o sentido literal da Tora, Bíblia e Alcorão são objeto de um proselitismo infrene, a tendência vai no sentido da relativização dos textos e o cumprimento da vontade de Deus aligeira-se como se o próprio, suspeito de Alzheimer, começasse a merecer desconfiança.
Com crentes tolerantes e civilizados é possível alargar os espaços democráticos e levar o respeito pelos direitos humanos a regiões onde é desconhecido. Seria trágico que, por questões de assepsia, os ateus recusassem dar as mãos aos crentes, de qualquer credo, que sobreponham o espírito da paz à paranoia do proselitismo. Basta, para desgraça, que a inversa se verifique.
Infelizmente, à medida que a instrução, a diversidade cultural, o pluralismo e a miscigenação vão aproximando povos e criando laços fraternais, recrudesce no seio do clero das diversas religiões o pânico pela perda do poder, o horror à extinção, a volúpia da supremacia e a obsessão pelo absolutismo e a verdade única.
O clero tem reflexos tribais que urge conter com a difusão e aprofundamento da laicidade e tendências prosélitas que a separação da Igreja e do Estado minoram. A vocação totalitária, que a sociedade civil deve refrear, precisa de uma vacina que permita a vitória da paz, da liberdade e do livre-pensamento. A vacina existe – chama-se laicidade –, e interessa a ateus, crentes e agnósticos.
A liberdade religiosa, reconhecida pela primeira vez, pela Igreja católica, no concílio Vaticano II, foi vista com azedume por João Paulo II e Bento XVI, mas a reafirmação explícita e veemente, pelo Papa Francisco, dá à sua Igreja autoridade moral.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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