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O Divórcio Católico

Como toda a gente sabe, o casamento católico é indissolúvel.

Por isso, está completamente fora de questão que a Igreja Católica permita a dissolução por divórcio de um casamento celebrado canonicamente.
Ou seja, numa escala de valores, mesmo em casos comprovados de infelicidade conjugal, mesmo em casos, por exemplo, de extrema violência doméstica, a Igreja Católica dá mais importância ao sacramento religioso e continua impor o casamento para toda a vida.
É como se dissesse a uma mulher que é regularmente sovada pelo marido:
– Casaste-te pela Igreja? Pois olha, ninguém te mandou. Agora aguenta-te à bronca, continua a levar no focinho para o resto da tua vida, e bico calado que a mulher deve obediência ao homem.
Que muitas pessoas que se casaram pela Igreja, e que são católicas, acatem esta santo princípio, acho muito bem: isso, apesar de tudo, compete à sua liberdade individual.
O pior é quando a Igreja Católica faz valer a sua doutrina num determinado país, através de concordatas celebradas com piedosos governantes, e consegue impor a sua doutrina à generalidade dos cidadãos, proibindo-lhes mesmo a dissolução civil de um casamento que foi simultaneamente celebrado pela Igreja.
Era precisamente o que sucedia em Portugal até ao 25 de Abril.
Mas enganam-se os que pensam que isto fica por aqui.
Porque se todas as leis têm excepção, as leis de Deus não lhes podem ficar atrás.
Com efeito, se o casamento católico não pode ser dissolvido por divórcio, pode em vez disso ser… anulado.
E o raciocínio é extremamente curioso:
O casamento canónico pode ser anulado em dois casos distintos: quando houve simulação ou incapacidade de um dos cônjuges.
E, no Código de Direito Canónico, o cânone 1095 estabelece que são incapazes de contrair matrimónio:
1º os que carecem do uso suficiente de razão;
2º os que sofrem de defeito grave de discrição do juízo acerca dos direitos e deveres essenciais do matrimónio, que se devem dar e receber mutuamente;
3º os que por causas de natureza psíquica não podem assumir as obrigações essenciais do matrimónio.
Então, se o divórcio é proibido pela Igreja Católica, engendram-se umas desculpas esfarrapadas quaisquer, nem que seja um atestado médico falso a atestar uma virgindade há muito perdida, e então recorre-se à anulação do casamento.
É tudo a fingir, tudo a fazer de conta, claro, à boa maneira católica, mas toda a gente vive feliz e contente.
Mas atenção que isto não é para toda a gente.
Não!
Esta brilhante solução está reservada somente para aquelas pessoas que tenham umas massas jeitosas para lubrificar a máquina da justiça católica e para contratar um bom advogado especialista em direito canónico, e o problema está resolvido.
E pronto: o que Deus uniu, já pode ser separado!
E já se podem casar outra vez pela Igreja, e começar tudo de novo.
De tal forma que as autoridades eclesiásticas estão já preocupadas com o crescente número de pedidos de anulação de casamento por esse mundo fora.
Só no ano 2000 foram feitos 56.236 pedidos de anulação, sempre com os tais fundamentos em simulação ou incapacidade.
Por isso, cada vez que passarmos por uma Igreja e virmos um casamento católico a decorrer, é bom pensarmos no alto grau de probabilidade de que um dos cônjuges possa ser maluco ou em vez disso, quem sabe, que esteja ali a fingir…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

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