Transhumanismo
Uma das ideias que surgiu das correntes de pensamento de inspiração materialista nas últimas décadas foi o transhumanismo. Este movimento define-se pelo apoio ao uso das novas ciências e tecnologias para o melhoramento físico e intelectual da humanidade além de suavizar os alguns dos efeitos negativos inerentes à condição humana actual, tal como o envelhecimento ou própria morte. O objectivo seria atingir um estado pós-humano. Aqui devemos definir esse estado como a situação em que a evolução ja não está nas mãos de mutações lentas e fora do nosso controlo e passa a existir uma evolução dirigida – sendo que por evolução dirigida é necessário entender que a livre vontade é um valor absoluto, só o indivíduo pode dispor sobre o seu material genético e sobre a sua existência em geral.
A história do movimento é bastante interessante mas não será esse o aspecto fundamental da minha abordagem. O movimento cultural e social do transhumanismo parece ter essencialmente duas bases: o individualismo e o materialismo. O individualismo porque o principal objectivo é melhorar o indivíduo, de acordo com a sua vontade pessoal (chegando ao extremo de se poderem redesenhar completamente a si mesmos, o que inclui em extremos teóricos, e puramente especulativos, o abandono de uma forma biológica) e o materialismo porque nada é tomado como um acto de fé, as suas aspirações não são depositadas numa promessa de uma vida posterior ou em conceitos intangíveis mas sim no presente e nas técnicas que sabemos serem eficientes.
Este conjunto de ideias parece ser simples em si mesmo mas a quantidade de críticas que recebe é algo absolutamente extraordinário. Regra geral os comentários mais negativos dividem-se em três sectores: os neo-luditas, os “realistas” e os distópicos.
Os neo-luditas partilham essencialmente de uma visão anti-ciência e anti-mudança, que visa impor o status quo como algo permanente – dentro deste grupo existem dois subgrupos importantes, os religiosos que consideram a elevação do homem através da técnica como blasfémia e os ecologistas que gostam de uma ideia a que chamam “natural” (que é um conceito extremamente discutível).
Os realistas são essencialmente pessoas que duvidam das capacidades técnicas da humanidade para poder alguma vez cumprir com as promessas do transhumanismo. Dados os saltos técnicos do último século e a natureza exponencial do progresso técnico (indicado no conceito de singularidade) as suas dúvidas parecem ser infundadas.
Por fim chegamos ao grupo com mais hipóteses de realmente ser um obstáculo para o transhumanismo: os distópicos (dos quais o conservador Fukuyama é o mais destacado representante). Um ciência avançada pode levar a dois tipo de cenários, um de utopia individualista de uma liberdade inimaginável pelo nosso standard actual ou a uma distopia que no pior dos casos leva à aniquilação da própria espécie.
Para atingir o seu notável conjunto de objectivos gerais os transhumanistas (entre os quais me incluo a mim) aceitam recorrer a várias tecnologias recentes. A que mais potencial apresenta a curto e médio prazo é sem dúvida a genética. A nanotecnologia também apresenta potencial mas num futuro talvez mais distante (e a carga de controvérsia que apresenta é significativamente menor que a da genética). Um bom primeiro passo para implementar um estado de espírito transhumanista entre mais pessoas seria combater a percepção generalizada que as técnicas médicas o científicas (algo tão complexo como terapia de genes ou tão simples como tomar medicação por via oral) são para ser utilizadas exclusivamente para corrigir deficiências – quando numa perspectiva muito mais interessante podem ser usados para aumentar o que é normal para um ser humano. Isto hoje em dia é complicado porque grande parte dos laboratórios não desenvolve testes da sua medicação em pessoas saudáveis e não o fazem porque o potencial uso para incremento de habilidades é muito pequeno já que em muitos países é ilegal publicitar efeitos que não sejam puramente terapêuticos – se não podem publicitar quer dizer que se investe dinheiro e tempo em testes sem ter um retorno significativo.
Outro ponto importante é o medo irracional à tecnologia que certos sectores (especialmente religiosos e ecologistas) querem incutir às pessoas, os neo-luditas que referi acima. O progresso tecnológico vai continuar com o sem a proibição de certas técnicas experimentais, mas no caso de haver uma proibição generalizada no Ocidente os resultados serão muito piores para os cidadãos comuns. Em primeiro lugar fora da Europa e da América do Norte as atitudes face às novas tecnologias são muito diferentes, enquanto que nos EUA cerca de 40%/50% das pessoas são contra o uso da ciência para melhorar humanos normais em certos países asiáticos (por exemplo a Tailândia) cerca 90% da populacao é a favor. O que isto nos diz é que se não aproveitarmos as oportunidades tecnológicas alguém o fará. A segunda consequência da proibição seria a criação de um mercado negro. Quem pode pagar terá acesso as tais técnicas (por meios ilegais ou indo a países onde se podem aceder legalmente) enquanto o cidadão comum não o poderá fazer.
Em abono da verdade, e para terminar esta introdução, convém dizer que o movimento transhumanista é extremamente diverso, incluindo até crentes – que obviamente encaram a sua transformação em pós-humanos de forma bastante diferente – mas estes são uma minoria quando comparados com o número de ateus e agnósticos.