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Deus, alma e distúrbios mentais

Já tinha referido que casos em que mães extremamente religiosas matam os filhos por inspiração «divina» são recorrentes nos Estados Unidos.

Estas mulheres, que sofrem normalmente de doença mental grave, reclamam que as suas acções têm uma justificação religiosa, seja nos casos de Andrea Yates que afirmou ter recebido uma «ordem» do Demo para afogar os seus cinco filhos, Deanna Yates a quem Deus mandou apedrejar à morte os seus três filhos ou Dena Schlosser que quis poupar os filhos às agruras da vida terrena e entregá-los a Deus.

A recorrência do tema religião nas causas subjacentes a estes assassínios de crianças pelas mães levanta a questão se haverá culpa da religião nestes, pergunta que, nuns Estados Unidos cada vez mais próximos de uma teocracia, justificou vários estudos.

As conclusões dos peritos indicam que embora a religião não provoque distúrbios mentais per se, predisposições para este tipo de disfunções podem ser agravadas em ambientes religiosos. Para além de que certas doenças mentais são muito difíceis de identificar e tratar em seguidores de religiões para as quais o Diabo é o culpado pelos comportamentos associados a estas doenças, e que acreditam mais no poder da oração que na Ciência. Isto é, para os quais estes comportamentos devem ser tratados com rezas e/ou exorcismos e não por recurso a auxílio médico.

Os peritos sugerem ainda que em ambientes religiosos os sintomas de desordem psicológica, mesmo severa, podem parecer comportamentos normais aos fiéis: a obsessão (em relação a um líder religioso, fim do mundo, etc..) pode ser interpretada como fervor religioso e manifestações esquizofrénicas como visões religiosas.

Tudo isto porque em Oakland, São Francisco, mais uma mulher está a ser julgada por ter morto os filhos alegadamente por ordem de Deus. Lashuan Harris, diagnosticada com esquizofrenia paranóica, afirmou que matou os seus filhos Trayshaun Harris, seis anos, Taronta Ray Greely Jr., de dois anos e Joshua Greely de 16 meses porque a voz de Deus ordenou o seu sacríficio. Sacríficio perfeitamente plausível para uma pessoa muito religiosa, como afirmam os familiares, que cresceu numa religião, o cristianismo, que aponta como doutrina fundamental uma aceitação submissa da vontade de Deus, Deus que nas escrituras «sagradas» ordena a Abraão para assassinar o filho.

Outra questão levantada por estes casos de distúrbios mentais responsáveis por comportamentos criminosos, que a justiça da maioria dos países considera não serem imputáveis, isto é, que o doente não é responsável pelos seus actos, tem a ver com o castigo divino aos pecadores, que pecam devido a serem naturalmente perversos e recusarem a sujeição redentora à vontade divina, alijando o fardo do livre arbítrio, a origem do Mal do Agostinho tão do agrado do actual Papa.

Mas que livre arbítrio tem um esquizofrénico ou um maníaco-depressivo não medicados? Qual é a essência do seu «eu», aquilo a que os cristãos chamam alma? O «eu» medicado ou o «eu» não medicado? Que acontecia às «almas» destes doentes antes de a ciência ter identificado os distúrbios?

Parece-me um bocado bizarro que os católicos não achem estranho que o seu Deus supostamente misericordioso tenha condenado às profundas do Inferno milhões de seres humanos que «conspurcaram» as respectivas almas devido a distúrbios biológicos. E repudiaram a «salvação» devido aos mesmos distúrbios. Ou será que há um limbo especial para estes «pecadores»?

Talvez por isso a Igreja Católica esteja em franca recuperação do Diabo e tente vender esses comportamentos como possessões diabólicas e quejandos…

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