A noção do ridículo
A reunião da Câmara Municipal de Cascais do próximo dia 6 de Março de 2006 adivinha-se, sem dúvida, muito animada e educativa.
De facto, a ilustre vereadora com a responsabilidade do pelouro da cultura, Ana Clara Justino (independente eleita pelo PSD), resolveu proporcionar ao executivo municipal uma lição sobre a Páscoa.
E já fez o trabalho de casa e tudo:
De acordo com a «Informação à Câmara» que já fez distribuir, a piedosa vereadora ensina-nos que «o cordeiro, a cruz, o pão e o vinho» são os símbolos que identificamos com a Páscoa.
E a lição continua:
«O cordeiro simboliza Cristo, sacrificado em prol do seu rebanho, a cruz mistifica todo o significado da Páscoa na ressurreição e no sofrimento de Cristo. O pão e o vinho oferecido aos seus discípulos, simbolizam a vida eterna, o corpo e o sangue de Jesus. Mas se perguntarmos a uma criança qual o símbolo que para ela mais se associa à Páscoa, facilmente adivinhamos a resposta: o ovo!»
E depois lá continua a dissertação, desta vez sobre os ovos na antiguidade, como podemos observar na imagem à direita.
(Clicar sobre a imagem para a ampliar, e de seguida sobre o ícone que aparecer no canto inferior direito).
Talvez não tenha ocorrido à senhora vereadora (isso teria sido para ela um ovo de Colombo) que o Estado português é laico por imposição constitucional.
A senhora vereadora esqueceu-se certamente que o cordeiro que ela toma como Deus ensinou há já dois milénios ao rebanho de que ela faz parte que «a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus».
E talvez a senhora vereadora não saiba que não lhe pagam um salário ao fim do mês, nem senhas de presença nas reuniões do executivo, nem lhe dão carro e motorista às ordens, para andar a espalhar a fé cristã pelo concelho.
Nem tem de andar a esbanjar os recursos financeiros da autarquia a evangelizar o munícipes.
Mas pior do que tudo, a senhora vereadora sabe muito bem que as crianças do concelho de Cascais não lhe fizeram mal nenhum, e não têm que ser martirizadas e sujeitas à tortura de ensinamentos iconoclastas e medievais, infligidas pelo próprio executivo da Câmara Municipal, que deveria ser o primeiro a respeitar o laicismo do Estado.
Mas, no fim, se virmos bem, há ainda outra coisa que falta à senhora vereadora:
A noção do ridículo!
(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)