Glória a S. Josemaria Escrivá de Balaguer
Amanhã os cardeais vão entrar em reclusão para escolherem o sucessor de Bento XVI, o papa que perdeu a tiara, o anel e o camauro mas conservou a santidade e a vida.
Correu o boato de que antigamente era o Espírito Santo que iluminava os cardeais mas pelas asneiras que fizeram nas escolhas, a Opus Dei, uma seita recente, encarregou-se de substituir a pomba. Vale a pena esclarecer como foi criada a prelatura Opus Dei:
João Paulo II, emigrante polaco residente no Vaticano, solteiro, falecido aos 84 anos, papa católico de profissão, acumulou com a função de criar bispos e cardeais a obsessão de fabricar beatos e santos. Pelava-se por milagres e gratificava os autores sem prejuízo da fixação em Maria e uma adoração por virgens que a idade e o múnus exacerbaram.
Mas os santos da igreja católica lembram funcionários acomodados. Fazem um milagre para chegarem a beatos, outro para serem promovidos ao posto seguinte e abandonam o ramo. Só Santo Escrivá fez três, rubricados pelo Papa, em poucos anos de defunção.
Enquanto candidatos praticam a intercessão que lhes rogam mas desistem da vocação milagreira logo que abicham o lugar. E, quando se julgava que a intermediação tinha esgotado as vagas, João Paulo II rubricou alvarás de santo a largas centenas que se estabeleceram em nítida concorrência com os anteriores. Alguns destes fecharam a porta, que é como quem diz, foram apeados das peanhas onde enegreciam com o fumo das velas, se enchiam de fungos com a humidade ou se deixavam corroer pelo caruncho.
Com séculos de pequenos e honestos milagres, habituados à pedinchice autóctone e às lamúrias, quase sempre ao serviço de modestas comunidades que atendiam nos limites do razoável, perderam a aura e a devoção, submersos no tropel de novos e afidalgados ícones com vocação mediática. Migraram para as sacristias, acumulando pó, a um canto, a delir a pintura e o préstimo, a corroer as vestes e o respeito, em santa resignação.
Na religião há uma tendência para o sector terciário. Arrotear a fé, pescar almas, são tarefas pouco gratificantes. Transacionar bulas para mastigar carne à sexta-feira, vender indulgências, trocar santinhos, comercializar bênçãos, é negócio do passado. JP2 substituiu-o pelo lucrativo sector milagreiro. Promover jubileus é também um sucesso garantido para escoar imagens do promotor e fomentar a divulgação dos promovidos.
Não sei quanto valerá um dente de S. Josemaria Escrivá de Balaguer, com certificado de origem. Há de andar por uma fortuna, a avaliar pelo êxtase que o primeiro a ser exibido provocou aos peregrinos durante as exéquias de canonização. Penso que o mercado já está sortido de outras relíquias, nada restando do magnífico taumaturgo para exumar.
Pudessem os piedosos colecionadores ter adivinhado o destino promissor post mortem deste servo de Deus e ter-lhe-iam recolhido em vida duas dezenas de unhas e trinta e dois dentes.
E a perda irreparável da primeira dentição! Quem sabe se a premonição materna não terá acautelado o primeiro incisivo transformando um desvelo num tesouro, através deste estranho processo alquímico – a canonização – segredo transmitido aos sucessores de Pedro e usado em doses industriais pelos dois últimos pontífices?!.
Pudesse Teodorico Raposo ter depositado no regaço de D. Patrocínio uma relíquia de Santo Escrivá, que nem ele, nem a tia, nem Eça sabiam que viria a existir, e a devota Senhora ter-lhe-ia perdoado as relaxações do tartufo, embevecida pelos eflúvios celestes que dimanam da raiz do canino de um santo assim.
Tivesse a premonição dos membros do Opus Dei adivinhado a santidade do fundador, que muito dinheiro e a longevidade papal lograram, e teriam hoje em armazém farto recheio de têxteis tingidos por flagelações ou impregnados de outros fluidos.
A onda de devassidão que grassa no clero amargura os papas – que fizeram do celibato dogma e da castidade virtude – sem que a providência os tenha poupado à corja imensa de pederastas, muitos deles pedófilos, que exornam as dioceses da Igreja romana.
É, pois, necessário que floresçam santos como S. Josemaria cujas relíquias hão de servir de terebentina para desencardir a alma dos que sucumbem às tentações da carne.
Glória a S. Josemaria Escrivá de Balaguer nas Alturas e o poder na Terra ao Opus Dei.
Para substituir o único papa saído vivo do múnus, nos últimos seis séculos, vai começar amanhã um consistório. Tal como nos dois últimos, o Espírito Santo, que gozava da fama de iluminar os cardeais, será substituído pelo Opus Dei. Glória a Santo Escrivá.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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