Escândalo na Guarda
Há cerca de cinco anos houve na Guarda um pio escândalo, humano e divertido. Só surpreende que a comunicação social, tão ávida a espreitar pelo buraco da fechadura dos políticos, não se atrevesse a explorar um escândalo religioso.
Junto ao antigo Hospital Distrital e, até há pouco, local das Urgências, havia, e há, um lar de idosos. Ali esteva internada D. Márcia, depois de enviuvar, carregada de anos e de haveres, até Deus ser servido de a chamar à sua divina presença, como soe dizer-se.
No início dormia no excelente apartamento que comprara, ali próximo, e passava o dia no lar, onde comia, com pessoas da sua idade. Depois passou a pernoitar e ocupou um óptimo quarto que o os rendimentos lhe permitiam pagar.
D. Márcia não teve filhos. Era muito devota, temente a Deus, amiga da missa, confissão e eucaristia. Rezava o terço desde o tempo em que a irmã Lúcia o recomendou contra o comunismo a rogo da Virgem que poisava na azinheira.
No lar, além do tratamento esmerado, tinha a solicitude cristã de piedosas freiras que a assistiam nas rezas e nos caprichos – lindas moças cuja beleza o hábito encobria, mulheres espantosas a quem a fé não destruiu a natureza.
A solidariedade cristã levou D. Márcia a emprestar-lhes a chave do apartamento para pias reuniões que as esposas do Senhor certamente fariam ad majorem Dei gloriam.
Uma noite D. Márcia foi a casa e, estupefacta, escutou suspiros cuja origem a idade não lhe permitia recordar. Sentiu alegria no ar, risos, satisfação, quiçá, gemidos do êxtase.
Perante a dúvida, primeiro, e a indignação, depois, não era uma cerimónia litúrgica, o calvário recriado aos pulos ou o mês de Maria, com coreografia, o que D. Márcia viu. Eram as freiras e mancebos desnudos, numa cerimónia colectiva a evocar Adão e Eva no Paraíso e a folgarem.
D. Márcia achou perdido o mundo e exigiu a chave, o provedor da Misericórdia e a diocese transferiram as freiras para parte incerta, a cidade murmurou, exultaram os ímpios e cochichou-se pelos becos.
O escândalo foi abafado, certamente para evitar aos homens casados perturbações familiares e às freiras um despedimento sem justa causa.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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