A canonização de Santo Pereira
Uma onda de entusiasmo varreu a Pátria mas não havia necessidade de adjudicar qualquer milagre ao beato D. Nuno, para ser elevado a santo, pois «Urbano II abriu uma exceção para quem há mais de 200 anos fosse prestado culto e reconhecida, pelo povo, a santidade», exceção que o patriarca Policarpo tinha já confirmado aplicar-se-lhe.
Nuno Álvares Pereira renunciou, porém, à prerrogativa que o dispensava do milagre, para não ser acusado de favoritismo. Recusou a passagem administrativa. Iniciou-se no ramo dos milagres e logrou a cura do olho esquerdo da senhora Guilhermina de Jesus, de Ourém, que o havia danificado com óleo fervente de fritar peixe.
Assim, o intrépido guerreiro revelou-se um poderosos antídoto contra as queimaduras e passou por mérito próprio no exame de admissão à santidade, com provas de mérito irrefutáveis e a mesma indómita vontade de subir ao altares que o levou a desbaratar castelhanos em Aljubarrota.
Com quase seiscentos anos de defunção, conseguiu a santidade para maior glória da Pátria, vaidade do clero e euforia dos créus. Durante séculos foi o terror das crianças de Castela que recusavam a sopa, agora passou a ser o orgulho dos portugueses e a cunha sempre à mão para tirar bilhete para o Céu na Agência de Turismo Celeste da ICAR.
Surpreende que os papas anteriores tenham apagado o beato Pereira, que as sucessivas levas de bispos e cardeais tenham esquecido um santo desta dimensão, que desde 1431 os devotos o tenham ignorado nas novenas e que milhares de soldadores a quem caiu um pingo de solda num olho tenham recorrido àquelas horríveis obscenidades, em vez de dizerem «valha-me Santo Pereira», e aliviado a dor em vez de perderem a alma.
Foi preciso o olho clínico de JP II, para diagnosticar milagres e descobrir taumaturgos, para criar este grande santo. Teve várias nomeações no passado mas foi sempre preterido pela bajulação dos papas a Espanha e escrúpulos por alguns milhares de mortos e estropiados em Aljubarrota, minudências que lhe atrasaram a promoção.
Mas, em boa verdade, Nun’Álvares não merecia que lhe ultrajassem a memória com um milagre rasca nem que transformassem um herói num colírio santo.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
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- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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